“Interpretar” é uma das atividades
mais importantes dentro do processo de ensino e aprendizagem. A prática da
interpretação também tem uma dimensão política, revelando o modo como alguém se
posiciona diante da realidade que o cerca. Certos modelos conservadores de
ensino querem fazer da tabuada e da
cartilha os únicos conteúdos a serem
ensinados. E quem assim pensa, como o atual ministro da educação, quase sempre tem em uma das mãos a tabuada ou
a cartilha, enquanto a outra mão segura
uma palmatória , literal ou simbólica, para punir os insubmissos aos
adestramentos. Em filosofia da educação há uma diferença entre “instruir” e
“educar”. “Instruir” se faz com cartilhas , inclusive cartilhas que querem subordinar o ensino ao “Mercado”, ao passo que a educação é
prática de , entre outras coisas, dotar o estudante da capacidade de
interpretar.Interpretar é saber ler não
apenas livros. Interpretar também é saber ler a realidade de forma ativa: não
apenas criticamente, mas também criativamente.
A interpretação é prática que se
aplica sobre “mensagens”. “Mensagem” não é a mesma coisa que “informação”. Por
exemplo, “dois mais dois é igual a quatro”, essa frase é uma informação, não é
uma mensagem . “O número é a alma das
coisas (Pitágoras)”, esse é um exemplo de mensagem . Embora fale do mesmo
objeto que o da informação, a mensagem transforma esse objeto em questão a ser pensada , sentida, enfim, interpretada : “O que Pitágoras quis dizer ao
afirmar que o número é a alma das coisas?” Não basta apenas saber matemática
para interpretar essa mensagem, é preciso se indagar também acerca do que é uma
alma.
Em grego, “interpretação” se escreve “hermenêutica” : “ arte de Hermes”. Na mitologia, Hermes é o “deus
mensageiro, o deus que guarda e transporta mensagens”. Mas Hermes não é
“neutro”. Certa vez, quando Dioniso foi despedaçado por seus carrascos, uma das
versões desse acontecimento diz ter sido Hermes que salvou e guardou o coração de Dioniso , o deus das
artes. Hermes guardou o coração de Dioniso não como alguém que guarda tesouro em
cofres para torná-lo inacessível. Hermes
guardou o coração de Dioniso ao modo
como a terra guarda a semente , ou o ventre ao feto: para mantê-lo vivo. Quem
escreve ou lê uma informação não mostra ao outro a pessoa que é (ao contrário , pode até mesmo
esconder-se...). Mas quem escreve mensagens sempre coloca o coração que tem
naquilo que escreve, assim como quem lê uma mensagem sempre a interpreta conforme
o coração que tem.
“Quem descreve não é dono do assunto,
quem inventa é.” (Manoel de Barros)
(Manoel se formou em Direito, porém
exerceu por pouco tempo a advocacia. Seu último cliente foi um comerciante
acusado de roubar no peso das mercadorias. Na primeira e última conversa que
teve com o comerciante, Manoel perguntou: “é verdade o que dizem: que você é
desonesto?” O acusado respondeu: “ é
verdade, mas vamos inventar uma mentira que me inocente. Fique tranquilo : pago
bem.” Manoel se despediu do mau comerciante e foi imediatamente falar com o
dono do escritório: “ estou abandonando o caso...A invenção de que gosto é
outra”, disse o poeta)
( Obs.: A atividade da
interpretação, porém , deve ser precedida pelo esforço da pesquisa. Assim,
melhor se interpreta um mito quanto mais se pesquisa/estuda acerca da mitologia
como um todo. Não apenas a mitologia grega, mas as diversas mitologias dos
povos diferentes. Mas apenas a pesquisa não garante a boa interpretação, assim
como o mero condicionamento físico não faz a boa bailarina. Uma boa bailarina
sempre é bem condicionada fisicamente, porém não é o bom condicionamento apenas
que a torna uma boa bailarina. É por isso que interpretar não é apenas uma
técnica, também é uma arte)
Nenhum comentário:
Postar um comentário