O poeta Manoel de Barros já passava
dos 80 anos quando um editor pediu que ele escrevesse três memórias: da
infância, da vida adulta e da velhice. Imaginava o editor que o longevo poeta
teria muito a falar de si, sobretudo de
seus prêmios , sucesso e fama ( que
vieram para Manoel somente após idade avançada). Talvez se esperasse que
Manoel , numa volumosa “Memória da Velhice”, desse conselhos e proferisse palavras de sabedoria
nascidas de sua avançada idade.
Depois de algum tempo, o poeta enviou
ao editor o seguinte livro: “Memórias da primeira infância”, um livro
maravilhoso , livro da “verdez das coisas”. Meses depois, o poeta deu à luz
nova publicação: “Memórias da segunda infância”, um rejúbilo , um “ir à origem
que renova”. Após novo intervalo, outra
obra nasceu: “Memórias da terceira infância”, livro de “natências” , reinvenções , horizontamentos. Como as
memórias da vida adulta e sobretudo da velhice não apareciam, o editor tomou
coragem e indagou Manoel a respeito, e assim o poeta respondeu: “ só tive
infância, não tive velhez. Só narro meus nascimentos”.
A palavra “velhez” é uma invenção do poeta, um
neologismo. “Velhez” não é uma idade, “velhez” é quando os dias vividos se
tornam um peso curvando as costas, não importando a idade que se tenha.
“Velhez” é a vida
prostrada, de joelhos, sem forças para caminhar e avançar. Às vezes, é a
própria sociedade que sofre de “velhez” : quando seu futuro , ainda nem
chegado, já parece extinto...
“A única coisa que carrego é meu
chapéu: moro debaixo dele”, explica-se o andarilho-poeta. “Chapéu” é como
Manoel nomeia as ideias que protegem os pensamentos que dão caminho às pernas :
“O poeta-andarilho abastece de pernas as distâncias”. Sobre o chapéu do poeta um casal de pardais fez um ninho: há nele ovos
sendo chocados, assim como dentro do poeta dias novos.
O poeta também diz que "velhez" é um tipo de vida que se perdeu de seu "embrião", de
seu começo e “minadouro” . O embrião nunca
está num passado remoto e morto. Mesmo o imenso rio amazonas tem seu
embrião lá no alto dos Andes: mesmo há muitos anos a correr , o rio ainda está
a nascer agora, umbilicado às águas novas. O que para o rio são as águas, para
o poeta são as fontanas palavras de seu “devir-criança”: “A palavra até hoje me
encontra na infância ; não avanço para o fim, avanço para o começo: para a
Origem que renova ” (Manoel de Barros).
E ontem se foi Dona Stella Barros, esposa e companheira do
poeta. Se na ponta do lápis do poeta havia tanta vida, é porque sobre a mão
dele, enquanto ele escrevia, havia também a mão de Dona Stella. Ela se foi na
véspera do dia em que Manoel chegou; porém
os dois se encontraram , para nunca mais se separarem, em cada poema que
o poeta criou, sempre afirmando e celebrando a Vida.