domingo, 22 de dezembro de 2024

Brincatividades

 

Quando eu era criança, bem criança, meus pais só podiam me dar de presente de natal brinquedos  bem simples, como carrinhos de plástico . Eu recebia tais brinquedos e , agradecido, os guardava , quase não brincava com eles.

Pois esses brinquedos e outros que dependiam do dinheiro não me faziam falta , pois eu gostava mesmo era de brincar com as próprias coisas, subvertendo  seus sentidos e usos utilitários.

Por exemplo, eu gostava de pegar o chinelo de meu pai e fazer de carrinho. Como carrinho lúdico, ao chinelo não faltava nada, pois estava em meus olhos a fonte de vê-lo outra coisa diferente da “visão acostumada”.

Minha mãe era costureira. Eu também gostava de brincar com os carretéis de linhas multicoloridas dela, para assim inventar um Fio de Ariadne como linha de fuga   para tecer outros mundos.

Há uma diferença entre fantasia e criatividade. Imaginar que há fantasmas debaixo da cama é fantasia, e fantasia assim alimenta o medo que infantiliza e apequena.    Mas jogar um lençol sobre a cabeça para brincar de fantasma, isso é criatividade que esconjura o medo e faz crescer por dentro o pensamento livre. O fantasioso é refém de sua mente, já o criativo faz de sua  mente um meio para ressignificar o mundo.

 Brincar com o carrinho de plástico era bom, mas brincar com o chinelo feito carrinho era mais do que brincar: era ato poético-político, ainda que inocente,  de transmutar o sentido do que está dado.

Quando cresci, li no poeta Manoel de Barros algo que me ajudou a compreender esse processo lúdico-transmutador.

Manoel diz que a poesia nasce de uma brincatividade originária, brincatividade essa que existe antes da palavra, na imanência da vida. Quando essa brincatividade ganha nossos olhos, ela os empoema , fazendo nossos olhos   “transverem  o mundo”.

Hoje, creio que somente consigo enxergar  possibilidades de mudar a realidade  , por menor que seja essa realidade e por mais simples que seja a mudança, quando aquele olhar ludicamente subversivo do menino renasce em  mim, abrindo os olhos do adulto.

Às amigas & amigos, desejo-lhes um Feliz Natal e Boas Festas , sobretudo com saúde, saúde do corpo e da mente em mútuo auxílio, como ensina Espinosa.  E que possamos cultivar e partilhar olhares que transvejam caminhos novos ,pessoais e coletivos.

O tempo não é um velho, mas uma criança: dentre seus vários brinquedos, o sempre novo é a esperança.


(Como “Cartão de Boas Festas”, partilho aqui a obra  “Iemanjá” / do artista cubano  Manuel Mendive. Na língua iorubá, “Iemanjá” significa “Mãe que gera”, como Pachamama e Gaia , figuras da Mãe-Terra)



 


O mundo do menino impossível

(Jorge de Lima)

 

Fim da tarde, boquinha da noite

com as primeiras estrelas

e os derradeiros sinos.

 

Entre as estrelas e lá detrás da igreja

surge a lua cheia

para chorar com os poetas.

 

E vão dormir as duas coisas novas desse mundo:

o sol e os meninos.

 

Mas ainda vela

o menino impossível

aí do lado

enquanto todas as crianças mansas

dormem

acalentadas

por Mãe-negra Noite.

O menino impossível

que destruiu

os brinquedos perfeitos

que os vovós lhe deram:

o urso de Nürnberg,

o velho barbado jagoeslavo,

as poupées de Paris aux

cheveux crêpes,

o carrinho português

feito de folha-de-flandres,

a caixa de música checoeslovaca,

o polichinelo italiano

made in England,

o trem de ferro de U. S. A.

e o macaco brasileiro

de Buenos Aires

moviendo da cola y la cabeza.

 

O menino impossível

que destruiu até

os soldados de chumbo de Moscou

e furou os olhos de um Papai Noel,

brinca com sabugos de milho,

caixas vazias,

tacos de pau,

pedrinhas brancas do rio...

 

“Faz de conta que os sabugos

são bois...”

“Faz de conta...”

“Faz de conta...”

E os sabugos de milho

mugem como bois de verdade...

 

e os tacos que deveriam ser

soldadinhos de chumbo são

cangaceiros de chapéus de couro...

 

E as pedrinhas balem!

Coitadinhas das ovelhas mansas

longe das mães

presas nos currais de papelão!

 

É boquinha da noite

no mundo que o menino impossível

povoou sozinho!

 

A mamãe cochila.

O papai cabeceia.

O relógio badala.

 

E vem descendo

uma noite encantada

da lâmpada que expira

lentamente

na parede da sala...

 

O menino pousa a testa

e sonha dentro da noite quieta

da lâmpada apagada

com o mundo maravilhoso

que ele tirou do nada...

 

Chô! Chô! Pavão!

Sai de cima do telhado

Deixa o menino dormir
Seu soninho sossegado!

 




 

 


quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Hoje, 19/12, dia do nascimento do poeta-pensador Manoel de Barros

 

Manoel de Barros ensina que poesia é “delírio ôntico”. A palavra “delírio” tem por raiz “lira”. Originariamente, lira é o instrumento tocado pelo poeta Orfeu. Ele não apenas tocava a lira, como também cantava.

 Cantar é esculpir  o sopro da voz, tornando escultor nosso Pneuma. Quem canta, partilha seu Pneuma, seu sopro vital, não apenas com o outro ser humano que o ouve, mas com todos os seres vivos, incluindo as plantas  .  Quem canta com o Pneuma, pois nem todo canto traz o Pneuma, também se liga ao cosmos inteiro.

“Lira” também era o nome dos sulcos paralelos  feitos na terra para neles serem lançadas as sementes, pois os sulcos lembram as paralelas cordas da lira. Assim, de-lirar é : “lançar a semente fora da lira”. E semente que cai fora do sulco não germina.

Mas quando nasce no pensador-criador uma ideia-semente nova, ele precisa criar também um novo sulco na terra, como uma nova sinapse que enriquece e amplia o cérebro.

“Ôntico” vem da palavra grega “on”: “ser”. Dessa maneira, “delírio ôntico” é criação poética de novos e diferentes  sentidos para o ser, incluindo o ser que desejamos ser.

O contrário do delírio ôntico é o delírio mórbido, delírio de poder, caracterizado pela palavra lançada fora de todo sulco, palavra que cai no árido deserto de ideias. Não é uma palavra que germina, é uma palavra morta de sentido, como todas aquelas que saem da boca de um fascista, palavras a serviço da destruição e morte.

Na obra Fedro, Platão dizia que a loucura é toda forma de comportamento que rompe com o “acostumado”, diria Manoel de Barros, de um viver padronizado instituído por um grupo.

Mas há duas formas de loucura, dizia Platão. A primeira delas é quando se rompe com os padrões comportamentais de um determinado grupo, porém indo acabar  recluso em uma realidade inferior, passando a se assemelhar mais  aos bichos  do que aos seres humanos. Dessa forma de loucura vêm os crimes, as desumanidades, as barbáreis...

E há a forma de loucura divina ( a palavra “divino” tem por sentido originário “luz fulgurosa”, como a do relâmpago). Nessa forma de loucura,   alça-se a uma realidade superior, realidade essa somente alcançável em quem vê nascer em suas costas as asas de Eros, as asas do Amor.

Essa loucura divina tem quatro níveis , cada um deles representado pelas divindades  Apolo, Dioniso, as Musas e o par Afrodite-Eros.

Apolo expressa o que Manoel de Barros chama de “transver”: um ver que vai além do meramente dado; Dioniso é a potência libertária de inventar caminhos, linhas de fuga: “O andarilho abastece de pernas as distâncias”(Manoel de Barros); as Musas são os aprendizados e saberes que vêm das artes; e o par Afrodite-Eros expressa a semeadora, Afrodite, e a semente , Eros-Amor: semente que liberta tudo aquilo onde germina e desabrocha ( em Lucrécio, por exemplo,  Vênus-Afrodite é quem guarda e semeia as sementes de tudo o que tem vida e brota).




 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Mínimas III

 

Nietzsche acreditava nas estrelas como divindades:

a luz que emanam bendiz todo caos.

 

O Deus de Descartes era a Régua:

no altar da Retidão,como vítima,

ele queria que fosse sacrificado o coração .

 

Platão invejava os pardais:

e como tais assobiou na palavra.

 

Como criança assaz curiosa,

Aristóteles queria desmontar toda a natureza,

ao preço de se perder o divino brinquedo.

 

Espinosa dava aulas sem dizer palavra:

de espírito  a espírito,

de coração a coração se falava e se escutava.

sábado, 14 de dezembro de 2024

Clarice: um sopro de vida / O beija-flor

 

Os  poetas e filósofos gregos deram   nomes diferentes para a "alma". O mais famoso deles é Psiquê.

Na mitologia, Psiquê formava um par com Eros, o Amor. Em grego, "Eros" também significa "asas". Não as asas de pássaro, mas as asas de borboleta. Enquanto os pássaros  já nascem com asas, as asas da borboleta só nascem após uma metamorfose. Pássaros nascem de ovos; borboletas ,  de casulos.

O casulo é uma espécie de útero no qual a lagarta torna-se a artista  que esculpe , pinta e borda a si mesma, para assim partejar-se outra:  antes ela rastejava, agora ela se alça e voa.

As asas que elevam a alma são as do Afeto e das Ideias: poesia  e  filosofia  . Esse Afeto Pensante é um  dos sentidos de "phylo" em "phylo-sofia": "amor por Sofia".

Sofia também é um dos nomes da alma. Sofia é mais do que Razão. Em grego, "Razão" é "Logos", palavra masculina. Enquanto "Razão" é raciocínio, teoria e moral, Sofia é sensibilidade, criatividade, intuição e ética, assim unindo o pensar à prática.

Outro nome da alma é  Pneuma. Em latim, pneuma  é "spiritus":  "sopro quente e úmido", quente no sentido do calor da vida. Por isso, todo sopro de vida "acalenta": "traz calor" que afasta o frio.

Pneuma  também é a brisa úmida que vem do oceano e vivifica o deserto, nele fazendo brotar  cores, flores, sementes, enfim, múltiplas vidas.

Quando o recém-nascido nasce, antes de abrir os olhos ele inspira o pneuma , o sopro de vida. Não são apenas os pequeninos pulmões do recém-nascido que se enchem de ar, pois cada célula é acalentada pelo pneuma  , inclusive as células do nervo ótico, que assim se abrem para receberem a luz do mundo.

Esse primeiro pneuma que o recém-nascido inspira o umbilica  ao Sopro Cósmico da respiração da Terra, nossa Mãe Ancestral.  Não por acaso, meditar é "medicar": prestar atenção na respiração que somos, respiração essa que nos desperta para a compreensão de que , pela respiração, somos partes de um todo cujas outras partes são os animais, as plantas, as florestas, enfim, tudo o que vive e respira .

Este é o sentido originário de "inspiração" : "encher-se de pneuma, sopro de vida”. A cada vez que respiramos, trazemos para dentro de nós o sopro de vida que irá se acrescer ao sopro de vida que vive em nós. Quando expiramos, parte do pneuma que estava em nós retorna ao pulmão  da Terra , para assim ser de vida renovado.

Quando falamos palavras que educam , o pneuma  que partilhamos  enche nossas palavras com ar  que oxigena as ideias de quem nos escuta. Talvez por isso Clarice Lispector  tenha dito: “Escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém”.

 

(Este texto é uma pequena homenagem a Clarice, que faria aniversário nesta semana, dia 10 de dezembro)



 

                                                               A VISITA

Recentemente  entrou em minha casa  um beija-flor. Ele foi atraído pela floração da Espada de São Jorge que eu mantenho  em minha sala , perto da janela.

Dizem que a Espada de São Jorge repele as más energias e atrai as boas, sendo sua floração  tão bela quanto rara.  

Toda manhã eu recebo a visita desse exímio bailarino  da natureza, atraído pelo néctar que as flores da Espada de São Jorge  oferecem de graça.

Foi assim  que descobri que os beija-flores também cantam: quando entra na sala e  avista as flores, o beija-flor emite um canto breve e agudo, como a de um soprano inspirado , e diante das flores ele “voa parado” ( como o beija-flor de que fala o poeta Manoel de Barros).

Uma lição esse beija-flor me ensina toda manhã : assim como a floração da Espada de São Jorge, as ideias que oferecem néctar para a mente são raras, e para alcançá-las é preciso perseverantemente “voar parado”, vencendo os pesos que puxam para baixo, o que requer mais arte do que força.

 

E enquanto o beija-flor me visitava hoje pela manhã cantando com especial alegria , li no jornal a notícia do dia, do mês e das últimas décadas , sobretudo para a democracia  , trazendo um “sopro de vida” para ela , para nós: a prisão do general-golpista. Só falta o agora o chefe dele...@sem anistia

 

 (Imagem: “Beija-flor”/ de Maudie Lewis)






quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

As duas cavernas

 

                                                          AS DUAS CAVERNAS [1]

 

A filosofia é uma prática dos conceitos, sem dúvida. Porém, para que seus conceitos sejam compreendidos ( e não sejam apenas teoria abstrata e sem vida), alguns filósofos  empregam recursos didáticos que aproximam a filosofia da literatura, pondo  próximos o  pensar e o sentir.

Por exemplo, é  comum um filósofo criar personagens, personagens filosóficos, para o auxiliarem na tarefa de apresentação de seus conceitos. Sócrates é, antes de tudo, um personagem filosófico de Platão. Heráclito faz de crianças brincando os personagens de sua filosofia ao tentar nos explicar, por imagens, o que é o tempo-devir.

Mas personagens filosóficos também podem ser animais. Assim é , para Hegel, a coruja; ou o tordo , na filosofia de Deleuze.

Às vezes, os filósofos também constroem “cenários”, algo que lembra teatro[2] ou cinema, para assim passarem seus conceitos. Por exemplo, uma “caverna”. Uma caverna pode ser um cenário que nos ensina questões filosóficas.

Há dois tipos de caverna: a caverna-limitação que rouba a visão do horizonte e aprisiona  na ignorância, como é a “caverna” de que fala Platão; e  há ainda uma caverna muito diferente, uma caverna como espaço clínico para metamorfoses: uma caverna-útero, uma caverna-casulo. Encontramos uma caverna assim  em Nietzsche, como o espaço de aprendizado-metamorfose pelo qual passou Zaratustra.

Quando Gaia, a Mãe-Terra, emergiu do Caos, abriram-se nela algumas cavernas que iam dar no Caos, nesse Útero-Originário. Pois o Caos inaugural  não é destruição ressentida do que nasceu; ao contrário, esse Caos-Arquetípico está aquém do Bem e do Mal:  ele é a origem de tudo o que nasce. Como ensina Nietzsche, “para brilhar e ter luz própria é preciso ter caos dentro de si.” A caverna poético-filosófica , caverna que gera ou regenera, abre-se sempre na imanência  de Gaia-Pachamama, a Mãe-Terra.

 

Enquanto a caverna de Platão rouba a amplitude da visão ( nascendo dela apenas ignorância e opinião negacionista) , a caverna de Nietzsche é um espaço transfigurador para a criação de novos olhos.

A caverna de Platão é a solidão numérica do rebanho, ao passo que a caverna de Nietzsche é a descoberta da singularidade .

Os que vivem na caverna de Platão imaginam que sua  caverna-apequenadora  é o próprio mundo ( limitados que são), mas a razão de ser da caverna de Nietzsche é para que,  após agirmos emancipatoriamente   sobre nós mesmos, saiamos dela  para assim agirmos  emancipatoriamente   também sobre o mundo, unindo a palavra à ação.

A caverna de Platão é a antifilosofia; já a caverna de Nietzsche a podemos achar não apenas em livros de filosofia, mas também em livros de poesia, de literatura, de sociologia, bem como em filmes, pinturas, música  e exposições.



[1] Texto-aula elaborado pelo prof. Elton Luiz.

[2] Esse é o tema do livro Theatrum philosophicum, de Foucault.

sábado, 7 de dezembro de 2024

Afloramentos...

 

No filme “Sonhos”, de Kurosawa, há uma cena em que uma criança chora porque um jardim de pessegueiros foi derrubado.

Então, perguntam a ela se o choro dela era devido a não poder mais  comer os pêssegos, ou seja, se o choro  era motivado pelo interesse nos frutos, nos pêssegos.

A  criança responde mais ou menos assim: “Eu não estou chorando pelos pêssegos , pois  pêssegos podem ser comprados  em quantidades no mercado . Eu choro porque nunca mais vou poder ver a floração dos pessegueiros: a floração é única e  não se mede em dinheiro, nem se vende no mercado...”.

De repente, ainda chorando, a criança vê algo colorido num  canto daquele  jardim desolado. Ela   chega perto para ver o que é: do tronco de um pessegueiro  cortado e violentado, a vida ali resistiu e perseverava , pois pequenos embriões de floração novamente brotaram.

Então, como se tivesse ganho o mais desejado dos presentes,  a criança enxuga as lágrimas e  sorri.

O pêssego é colhido com as mãos, já  a floração é para ser colhida com os olhos, para que o próprio ver nos olhos floresça, e enxergue mais do que o mero dado.

O pêssego é o produto que pode ser separado de seu produtor, ao passo que  a floração é a arte que torna indistintos o artista e sua obra ainda em processo e  brotando dele mesmo, em generosa doação.

O pêssego mata a fome do estômago, mas  a floração mata outro tipo de fome:  fome de arte, de poesia e de criação.

As ideias são como os pêssegos, porém pensar é floração da mente unida ao corpo, como ensina Espinosa. Manoel de Barros, por sua vez, diz que “poesia é afloramento de falas”.

A liberdade não é um fruto pronto que podemos colher, a liberdade  é floração concreta no aqui e agora, como ato emancipador   fazendo-se.

Há os que cobiçam  os pêssegos apenas para pôr neles um preço e vendê-los no  mercado, reduzindo    os pêssegos a meros meios  para se acumular capital, poder e dinheiro.

Mas há os que veem riqueza na floração dos seres, uma riqueza que não se mede em dinheiro, pois é uma riqueza que se cultiva com a arte, a filosofia, a cultura e a educação.

Porém , é preciso cuidar dessa floração e agir para que ela sempre aconteça , pois odeiam essa floração, e sempre a ameaçam, os ceifadores e destruidores de jardins.

 

  "Poesia é florescer pelos olhos." (Manoel de Barros)

 

“Filosofia é prática para ensinar a ver.”( Merleau-Ponty)

 

 

( imagem: “Pessegueiros em flor”/ Van Gogh)



Quando a gente come uma maçã, a gente está se alimentando  de sol. Pois a maçã é o fruto, a obra que a macieira produziu ao absorver a luz-energia que  vem do sol. Na verdade, a maçã e todos os frutos são partes da floração do sol.

Quando bebemos água , nos enchemos de estrelas, pois os elementos químicos que formam a água foram produzidos no ventre das estrelas.

Quando respiramos, trazemos para dentro de nós elementos que, separados no infinito, aqui no planeta terra se uniram , para dentro de nós nos animarem de vida.

O planeta terra é o esteio da vida porque nele o infinito se expressa em cada ser  único que se torna alimento , água e ar. E nós mesmos participamos do infinito pelo simples fato de nos alimentarmos, bebermos e respirarmos .

As própria ideias com as quais nos expressamos participam desse processo ao dizê-lo, transmutando-o em sentido que alimenta a mente, mata sua sede de conhecimento e lhe fornece o ar , o “pneuma”, para ela não sufocar. 




sábado, 30 de novembro de 2024

Linhas de fuga...

 

Uma pessoa me perguntou certa vez o que era a “linha de fuga” ensinada por Deleuze , Guattari e Cláudio Ulpiano. Tentei responder da seguinte maneira:

Uma linha de fuga não é exatamente fugir ou escapar de algo, mas fazer fugir algo que está aprisionado, cerceado , sufocado. O importante mesmo é a linha, pois muitas vezes é a linha que se encontra presa, limitada. Antes de tudo, linha de fuga não é uma ideia teórica, linha de fuga é uma prática :algo que só existe se for criado, feito, produzido, ousado.

Dei então o seguinte exemplo: Arthur Bispo do Rosário vivia preso não apenas entre as paredes de um hospital psiquiátrico, pois ele também estava cerceado dentro dele mesmo, como num labirinto.

No hospital, vestiam seu corpo com um uniforme, uma vestimenta padrão que igualmente vestia os outros internos, homogeneamente. Até que certa vez Bispo do Rosário ficou nu, tal como um recém-nascido, e começou a desfazer a forma do uniforme que o poder lhe vestiu.

Ele desfez a forma que dava ao uniforme um significado específico e determinado. Ele destruiu a forma porque ele queria encontrar a linha, a linha que estava presa naquela forma-uniforme, assim como ele mesmo estava preso na incomunicabilidade da exclusão radical.

Nietzsche dizia que “Só podemos destruir sendo criadores.” Bispo do Rosário destruiu a forma-uniforme porque queria criar algo com a linha-fio de que o uniforme era feito.

Ele também desfez as toalhas, os cobertores...até achar o fio do qual tudo é feito. Ele enrolou então os fios até formar com eles um novelo colorido. Depois, pegou um lençol branco que até então cobria seu corpo sofrido como se fosse uma mortalha, e fez desse lençol branco uma tela para nela bordar , com os fios, uma história, a sua história, que é também a história dos explorados, dos injustiçados , enfim, a história daqueles que a História dominante apaga e torna invisível .

Os fios puxados do novelo se assemelhavam ao fio de Ariadne que vence labirintos tidos por invencíveis. Arthur Bispo do Rosário desfez o uniforme padrão para dele fazer fugir uma linha para bordar sua diferença e singularidade, que assim conquistou uma fala.

Com sua bordadura clínica-artística, ele criou  uma linha de fuga que é inspiração para  necessárias e urgentes outras  linhas de fuga , por maior que seja o labirinto que nos cerca , por maior que seja a ameaça dos que idolatram uniformes  e fardas.


"Minha casa pegou fogo, o teto ruiu...Nada me esconde mais a deslumbrante lua. " ( Koan japonês)

 

( este filme é apenas uma sugestão)



 



                                        ***   ***   ***




Os jornais têm noticiado que o “Mercado” anda nervoso, zangado, furioso, irritado...

O tal “Mercado” ficou quietinho, com um silêncio conivente, enquanto o milici4no do governo anterior torturava o orçamento público para fins eleitoreiros.

Aliás, a palavra “Mercado” não é boa, pois quando o povão a ouve imagina que o tal “Mercado” é o dono da quitanda, da padaria, da farmácia...Ou seja, de gente que lida com coisas concretas, com alimentos e remédios.

O tal “Mercado” que hoje faz terrorismo especulativo  frente  ao governo por este não chicotear os pobres , esse mercado tem um avô: o mercado de escravos.

“Capital” vem de um termo latino que significa “cabeça”, porém  uma cabeça que parece ser oca por dentro, que no lugar de cérebro  tem apenas uma ideia fixa: juros, juros, juros...

O Capital é uma cabeça desconectada de   braços que produzem e trabalham, embora digam que o Mercado possui “mão”, porém é uma “mão invisível” que apenas sabe contar dinheiro, e nunca se estende para apertar a mão e socorrer  gente de carne e osso.

O Capital não é o metal da moeda, tampouco o papel de que é feita a nota. O Capital é apenas o número abstrato que está na moeda e no papel, ele não é autêntica riqueza.

Pois riqueza de verdade é o níquel de que é feito a moeda, níquel que veio do seio da terra; riqueza é o papel de que é feita a nota, papel cuja origem são as florestas. 

“Política” vem de “pólis”. Costuma-se traduzir essa palavra por “cidade” ( “Petrópolis”: “cidade das pedras”). Mas pólis também é “organização”: tal como em “própolis”, “a favor da organização”, pois a colmeia é uma organização, um “organismo vivo”.

A economia e o Mercado são partes da organização social , eles não são os donos e nem os senhores dela, embora pareça existir  neles a nostalgia atávica da Casa-grande...

Por isso, a economia deve ser sempre vista sob a ideia de uma “economia política”, cujos afetos catalizadores devem ser a justiça, a dignidade, a igualdade, enfim, afetos sociais de solidariedade e empatia .

São  inadequadas expressões tais como "capital cognitivo", "capital afetivo", "capital simbólico", expressões sempre na boca dos atuais "influencers midiáticos"...O “Capital” tem por lógica  a acumulação e a exclusão, ao passo que o pensamento e o afeto , quando emancipadores, são  potências produtivas da cooperação, da partilha e da generosidade.

                      
                                                            (Imagem: Banksy)

 

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Literatura e filosofia: Proust e o aprendizado.

 

“Em busca do tempo perdido” fala do mais necessário dos aprendizados, um aprendizado tão necessário quanto difícil. Não é um aprendizado a ser feito por crianças a serem educadas , tampouco por  adultos que pouco estudaram.

O aprendizado de que trata a obra  deve ser buscado por  alguém que sabe usar as palavras e se formou aprendendo  teorias, mas que se dá conta que as teorias já conhecidas e sabidas às vezes já não dizem nada, nada ensinam.

Esse aprendizado , portanto, não é sobre palavras , ele é um aprendizado sobre o tempo. Mas não se trata do tempo preso na gaiola  abstrata  do relógio , e sim do tempo concreto ,  duração  intensiva  da vida e do mundo.   “Perdemos o tempo”  mais do que o vivemos, enquanto ignorarmos seu aprendizado. 

Esse aprendizado não é comandado pela Inteligência e seus Conceitos, mas pelos signos. Em Proust, signos não são apenas as palavras. As notas de uma música, um perfume, um gosto que se desprende de um simples biscoito, podem ser um signo. Esses signos não representam uma realidade exterior , eles expressam algo que neles está ausente, como os “signos mundanos”, ou que neles está  enrolado  como “pequenas almas” ou “Essência”, como os "signos da Arte".

O primeiro aprendizado vem acompanhado da angústia em perceber que o “tempo que se perde” somente sabemos dele depois que ele passa : o “mesmal”[1] do viver resignado nos faz perder presentemente o tempo, sem disso nos darmos conta. Esse aprendizado tem por suporte os “signos mundanos”: signos vazios, dissimulados, “máscaras”...

O segundo aprendizado pode vir  das relações afetivas, enquanto  projetos em comum de futuro. Quando esses projetos de futuro comum malogram e não vão em frente, tornam-se tempo perdido que , apesar de passado, ainda pesam no presente. Essa vivência  do “tempo perdido” não se faz sem decepção e dor. É por isso que o caminho da aprendizagem pode ser , no seu início, doloroso. Porém, os signos amorosos são ainda reféns de “associações subjetivas”. O ciúme, por exemplo, se mantém na subjetividade associando ideias, mesmo que equivocadas e delirantes. O associacionismo  de ideias subjetivas impede que se capte a Essência  que está envolvida nos próprios signos.

Até que pode advir um terceiro aprendizado : o do “tempo que se redescobre”. Aqui quem nos auxilia é  uma memória artista e clínica . Essa memória pode nos ensinar  que no passado vivido havia realidades  que  não vimos, talvez porque nos cegassem o ciúme , a insegurança ou o desejo de posse.  No seio do tempo perdido a memória não ressentida redescobre lição nova. Não podemos mudar o passado, porém podemos evitar que ele seja um peso para o nosso presente. Aqui , o aprendizado tem por suporte os signos enquanto qualidade que os objetos portam, como o sabor que o biscoito liberta. Mas esse tipo de signo ainda possui uma certa opacidade que impede a plena expressão do sentido ou essência que se enrola nos signos.

A última etapa da aprendizagem é o “tempo redescoberto”. Esse tempo é redescoberto aqui e agora, e não no passado. Ele não é futuro planejado , ele é o amanhã criado a partir de agora, como antídoto à perda presente do tempo  e libertação do tempo que passou .

No sentido bem amplo da palavra, e dito de maneira simples, o tempo redescoberto é a descoberta da arte em seu sentido existencial, enquanto potência (re)criadora da própria vida, pessoal e coletiva.

O tempo redescoberto nos ensina que redescobrir o tempo é redescobrir a nós mesmos, pois no tempo que se perde e no tempo perdido somos nós mesmos que nos perdemos. Não é a memória o agente desse aprendizado, mas o próprio Pensamento. Os signos da arte não são opacos, eles são diáfanos: é diáfana a tinta que produz o percepto-girassol, é diáfana a palavra literária-poética na qual uma Essência, enfim, se desenrola e expressa. Sobretudo, é em nós mesmos que o aprendizado se potencializa, quando aprendemos que o “logos” do sujeito, seu ego, aprisionavam, tornavam cativa, a nossa própria Essência singular. 

Em Proust, porém, a Essência não é uma realidade etérea e transcendente  vivendo fora do espaço e do tempo, como as Essências platônicas.  A Essência é uma Diferença, uma Perspectiva. Não uma perspectiva sobre o mundo, mas Perspectiva da qual nasce um mundo, um mundo nunca antes visto. Como ensina Manoel de Barros em sua original Perspectiva: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”.

Tempo que se perde , tempo perdido , tempo que se redescobre e tempo redescoberto : esse é o caminho do aprendizado cujo meio são os signos, e tem por mestre  o tempo.

O filósofo Gilles Deleuze assim resume a lição mais importante desse aprendizado: "O aprender vem antes do ensinar.”



[1] “Mesmal” é uma expressão do poeta Manoel de Barros. O “mesmal” é a antipoesia.






quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Espinosa , poeta do pensamento

 

Na Terceira Parte de sua  Ética, para ajudá-lo  na explicação sobre  os “afetos”, Espinosa cita  um poeta. Embora ele não o nomeie , o poeta em questão é Ovídio, que diz :  


“Nós, amantes, vivemos da esperança e do medo;

É de ferro quem ama o que o outro abandona.”


 Não é raro Espinosa se agenciar com poetas para , em diálogo com eles, filosofar e explicar suas ideias.

Quem lê Espinosa mais do que com  a mente,  também com a sensibilidade,  percebe que ele não apenas cita poetas, ele próprio é um : um poeta do pensamento. A maneira como Espinosa descreve os afetos, expressando suas cores e sombras de tão perto, só mesmo em grandes escritores e poetas  se pode encontrar algo igual.

Lendo a Ética, sobretudo a Terceira Parte, vemos um rico e multifacetado material afetivo  , o mesmo com o qual são feitas a literatura , a poesia e  as artes que afetam e fazem pensar.  

No texto filosófico de Espinosa se  podem ver, em rascunho, tragédias e comédias, dramas e odisseias, líricas e epopeias do corpo e da mente. Tudo cuidadosa e esmeradamente argumentado  sob a forma de um  discurso  geométrico singularíssimo, que dá forma racional ao pensamento, mas sem reprimir ou castrar  o conteúdo dionisíaco-pulsional, esteio da vida. 

Os personagens que vestem as roupas e vivem os cenários  criados por Espinosa-escritor-poeta  não são os da ficção, os personagens somos nós mesmos em nosso mais íntimo cotidiano, em nossas relações com o outro e conosco. Por isso, o texto de Espinosa também é clínico, sem deixar de ser social e político.

Espinosa não descreve os afetos (pré)julgando-os; ao contrário,  ele nos conduz, “como que pela mão”,  à compreensão de sua necessidade e razão de ser. Ele não demoniza e nem santifica os afetos, ele lança luz sobre eles, luz potente que esconjura  a ignorância e a superstição , das quais se aproveitam  os tir4nos propagadores do medo, do ódio e da servidão.

 Na Quinta  Parte de sua Ética, Espinosa também oferece o remédio para os afetos que nos despotencializam e entristecem, mas sem propagandear esse remédio como uma panaceia milagrosa.

Na verdade, esse remédio não é como uma vacina que, tomada uma única vez, nos imuniza para todo sempre; o remédio se assemelha mais a uma pílula que devemos tomar, perseverantemente, todo dia pela  manhã.

Espinosa nasceu num dia 24 de novembro, e continua mais vivo do que nunca. Este texto é apenas uma pequena homenagem ao filósofo-poeta-pensador cujo nome traduz o que ele ensina: “Benedictus de Espinosa”, nome e sobrenome que podem ser traduzidos/interpretados assim: “aquele que bem diz, ou diz o bem, apesar dos espinhos”.




( O livro cuja capa coloquei aqui abaixo  é apenas uma sugestão. A referência do texto que escrevi é o corolário da proposição 31 da Terceira Parte da Ética)






domingo, 24 de novembro de 2024

As Graças...

 

Na mitologia, as Graças eram três irmãs que nunca se separavam. Delas vêm “gratidão” e “gratuito”. As outras divindades se tornavam ainda mais potentes e generosas quando buscavam a companhia das Graças.

Quando Atena, a deusa da sabedoria , andava na companhia das Graças, o conhecimento que vinha dela não  instruía  apenas teoricamente , também  deixava quem aprendia  em graça, aumentando a potência da vida.

Eros também buscava a companhia das Graças quando queria que o amor que ele dava fosse também um estado de graça: afeto que se dá e recebe , sem cobranças.

E quando os deuses queriam saber quem entre os seres humanos era grato, eles ofereciam seus dons junto com as Graças, e assim sabiam quem, aos recebê-los, ficava agradecido . Pois quem é agradecido é confiável, nada tendo de in-grato.

As Graças não são exatamente a alegria ou a felicidade, pois elas vêm antes desses estados, e muitas vezes são as Graças que nos amparam nos momentos de tristeza e infelicidade.

As Graças são o contrário das Moiras, que também eram três irmãs. Enquanto as Moiras querem nos impor um Destino férreo que se paga com o preço da m0rte, as Graças ofertam mais  vida de graça, mesmo quando nos julgavam vencidos e m0rtos. E por esse sopro de vida a mais as Graças nada cobram, apenas esperam  que  nos tornemos gratos. Pois daquilo que se recebe de graça ninguém é o dono ou proprietário: o que se recebe das Graças é para ser partilhado.

Certa vez, Orfeu acordou de manhã e percebeu que Eurídice, seu par, já estava desperta. Ela estava diante de uma penteadeira penteando-se, enquanto cantarolava baixinho uma canção. Ela não cantava a canção inteira, apenas o ritornelo, o refrão.

De repente, Eurídice viu, pelo espelho,  a expressão de Orfeu a olhá-la. Admirado, parecia que o poeta via uma obra de arte a qual não faltava nada.

Eurídice  perguntou: “O que foi!?” E o  poeta pediu: “Não pare, faça de novo o que você estava fazendo!...” “Mas o que eu estava fazendo?” “Você estava se olhando, mas sem se julgar ou comparar; você estava cantando sem razão ou motivo, mas como fazia sentido o seu cantar!” “Ah, então era isso!? Farei de novo...”

Porém, por mais que Eurídice tentasse fazer de forma calculada  o que fizera de maneira espontânea, ela não conseguia repetir o que vivera de forma gratuita e com graça, sem distanciamento com a vida.

Na Grécia , “Eurídice” é um dos nomes da Alma, assim como “Psiquê” e “Pneuma”. Quando o poeta  canta a vida em graça, é porque  sua Alma-Eurídice foi despertada   à vida pelas  próprias  Graças. 

O contrário da vida não é a m0rte. O contrário da vida é uma existência sem-graça que atrai e produz des-graças, como a quadrilha chefiada pelo inelegível, agora  indiciada.

Como ensina Espinosa, “somente os seres humanos livres e dignos são gratos uns aos outros.”



                                        ( imagem: "As três Graças"  / Delaunay)

 


“(...)uma soberana liberdade, uma necessidade pura em que se desfruta de um momento de graça entre a vida e a morte, e em que todas as peças da máquina se combinam para enviar ao porvir um dardo que atravesse as eras...” (Deleuze & Guattari, O que é a filosofia?)


Platão, por sua vez, dizia que não se pode ser filósofo sem quatro aspectos conjugados : memória do que não pode ser esquecido, desejo de aprender sempre mais, coragem para agir e graça.  Ou seja,  a condição de filósofo  requer graça, pois  a ignorância , em suas diversas formas, é a pior das des-graças...




 

"Graças à vida que me deu tanto

Me deu dois olhos que quando os abro

perfeito distinguo o preto do branco

E no alto céu seu fundo estrelado

E nas multidões o homem que eu amo

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o ouvido que em todo seu alcance

Grava noite e dia grilos e canários

Martelos, turbinas, latidos, aguaceiros

E a voz tão terna de meu bem amado

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o som e o abecedário

Com ele, as palavras que penso e declaro

Mãe, amigo, irmão

E luz iluminando a rota da alma do que estou amando

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu a marcha de meus pés cansados

Com eles andei cidades e poças d'água

Praias e desertos, montanhas e planícies

E a sua casa, sua rua e seu pátio

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o coração que agita seu marco

Quando olho o fruto do cérebro humano

Quando olho o bom tão longe do mal

Quando olho o fundo de seus olhos claros

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o riso e me deu o pranto

Assim eu distingo alegria de dor

Os dois materiais que formam meu canto

E o canto de vocês que é o mesmo canto

E o canto de todos que é meu próprio canto."


( "Gracias a la vida"/ Violeta Parra )


 

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O ovo da serpente...

 

O filme “O ovo da serpente”, de Bergman, mostra a ascensão do n4zismo na sociedade alemã. O nome do filme compara o surgimento do n4zif4scismo com o que fazem certas serpentes traiçoeiras e venenosas : a serpente escolhe um momento de distração da ave dona do ninho e coloca seu ovo entre os ovos já postos pela ave.

Metaforicamente, não é qualquer ninho que tem a possibilidade de chocar o ovo da b4rbárie. A serpente autoritári4 escolhe pôr seu “ovo” em ninhos onde já são chocados o “ovo da intolerânci4”, o “ovo do preconceito contra minorias”, o “ovo do f4n4tismo religioso”, o “ovo da desigualdade social” provocada pela perversidade financeira-capitalista  que leva milhões de excluídos a rejeitarem a política e esperarem por um “Messi4s”...

É em ninhos onde já existem tais ovos que a serpente n4zifascist4 aproveita para pôr dissimuladamente o seu ovo, que é então chocado por parte da sociedade incauta, ingenuamente crédula.

Quando a serpente nasce, a primeira coisa que faz é começar a devorar quem a fez surgir , inoculando seu veneno na sociedade onde encontrou condições para ser chocada. E tudo o que nos enfraquece enquanto sociedade democrátic4,  faz a serpente-f4scist4  crescer. 

 A serpente protof4scist4 que saiu do ovo em 2018 nos ameaçava não só com seu veneno, ela também agia usando constrição para nos provocar sufocamento . A ignorância, a idiotia , o preconceito...são alguns de seus venenos ( além do agrotóxico do agro-ogro ,  seu cúmplice ).

A serpente ainda tentava nos sufocar infiltrando milicos no Estado, aparelhando o Ministério Público e o Judiciário, cooptando a polícia e a PM, fortalecendo o poder das milíci4s, militariz4ndo as escolas e acumpliciando teológico-politicamente a Bíblia ao revólver ;a serpente também nos sufocava cultuando o obscurantismo negador da ciência, reduzindo o valor da vida a nada, para fazer da destruição e da m0rte a sua política de governo. A serpente-f4scist4 assim procedia para nos roubar o ar aos poucos, querendo paralisar em nós a capacidade de ação.

E sua última perversid4de foi tentar envenenar a democracia, nas pessoas do Lula, do Alkmin e do Alexandre de Moraes.

Unidos, somos maiores do que a goela covarde dessa serpente oca. Não devemos temê-la. O indiciamento da serpente é só o começo, mas já é um pouco de ar...

 

(Amigas e amigos, fiz esta postagem em 2018, logo após a vitória da serpente-f4scist4. O texto de agora possui alguns acréscimos/atualizações. A referência a Espinosa é nosso ar e antídoto ao veneno teológico-militar-político)