Na vida cotidiana, a imaginação
sempre precisa de signos ou sinais externos que confirmem a verdade do que ela apenas
imagina. Por exemplo, amo alguém para o qual ainda não me declarei, ao mesmo tempo que imagino que ela talvez também me ame. Para confirmar essa
imaginação, para que ela não seja apenas fantasia mas verdade, vivo a
expectativa, velada ou explícita, de que o objeto amado dê sinais que confirmem
o amor que imagino, se esse amor imaginado será de fato
amor, quando correspondido, ou apenas
dor, se rejeitado. Tais signos podem ser
um sorriso, um olhar , coisas assim. Porém, a imaginação nas relações humanas domina
tanto, que mesmo quem é casado há anos não escapa de esperar sinais ou signos
do ser amado. E mesmo quando esses são dados, parecem não ser o suficiente, quando se é inseguro ou ciumento. Como as relações imaginativas são sempre espelhadas, aquele que
amo está sempre a esperar que eu dê sinais de que também o amo, o que pode
gerar cobranças. O mesmo vale nas situações que envolvem o ódio: quando odiamos
algo, sempre buscamos nesse objeto do
ódio sinais ou signos que justifiquem nosso ódio. Por outro lado, quando imaginamos que alguém
nos odeia, mesmo que seja apenas uma imaginação nossa , dificilmente escapamos de imaginar que esse
ódio dela por nós é de fato real: acabamos por odiar ou agir como se de fato tal alguém nos
odiasse. No amor , esperamos sinais objetivos e externos de que a pessoa nos
ama, para assim amá-la; no ódio, ao contrário, às vezes nem
esperamos a confirmação objetiva de que a pessoa de fato nos odeia: já agimos,
ou reagimos, e também a odiamos.
Este é o aspecto reativo da imaginação nas relações
afetivas presentes no nosso cotidiano: ela, a imaginação, espera um sinal externo que confirme o que imaginamos.
Porém, quase sempre a imaginação “alucina” esse sinal externo: se ela é demasiadamente
insegura, imaginará que o olhar que recebe da pessoa de quem gosta em segredo
é, na verdade, um olhar de desprezo, quando na verdade é de amor; os
convencidos ou narcísicos, ao contrário, sempre alucinam que os sinais de
desprezo que recebem são, na verdade, sinais de inveja. Isso acontece com a
imaginação porque ela não é a parte
nossa capaz de conhecer de fato o mundo
externo. Contudo, na nossa relação com a realidade que nos cerca é sempre ela
que faz a mediação, não raro projetando sobre a realidade , como se fosse
verdade, aquilo que está apenas em nossa imaginação.
Para vencer isso, diz
Espinosa, é preciso formar uma ideia adequada das coisas. Ideia não é a mesma
coisa que “imagem”. É por isso que conhecer de fato uma realidade, seja uma
coisa ou pessoa, requer mais do que as imagens que formamos dela. Quem em nós
forma as imagens é a imaginação, ao passo que as ideias são produzidas em nós
pela compreensão. Quando compreendemos algo, já não mais apenas o imaginamos. A
imaginação depende de signos ou sinais externos que confirmem a veracidade do
que ela imagina, já a compreensão depende apenas dela mesma , de sua potência
interna: e é dela, e não da imaginação, que nasce a autêntica autoconfiança.
Mesmo na arte a imaginação depende também de
signos externos. Aqui, porém, os signos não são externos no sentido de algo
objetivo, pois é a própria imaginação que cria os signos por intermédio dos
quais irá expressar-se. Na vida cotidiana, a imaginação pode alucinar e criar autoenganos, ao passo que na arte a imaginação cria um real que expressa variados
tipos de realidade: realidade do sonho,
realidade do desejo, realidade da própria imaginação. Ou seja, a realidade da
arte é inventada ou criada, sem que isso seja um delírio ou alucinação, mas uma
forma de conhecimento de realidades não conceituais. Na vida cotidiana, a
imaginação pode se deixar tomar por “delírios mórbidos”, já na arte a
imaginação se torna ato de pensar por imagens: ela cria “delírios ônticos”, como
na ´poesia de Manoel de Barros. Na arte,
o ato de imaginar cria signos para o amor , para o ódio e para todos os outros
afetos, seja na tinta do quadro, no som da música ou no corpo do ator, de tal modo que, pela arte, conseguimos compreender
esses afetos que tanto podem gerar sofrimento e incompreensão na realidade cotidiana. Compreendê-los
não para fugir deles ou reprimi-los, mas para vivê-los em sua verdade:no caso do amor, não esperar apenas recebê-lo, mas também saber ofertá-lo e partilhá-lo; no caso do ódio, não deixar que ele nos cegue.