Costuma-se dizer que o pensar é
solitário. É por isso que é tão surpreendente quando nos deparamos com um
pensar agenciado, tal como produziram Deleuze & Guattari . Deleuze tem um
estilo próprio muito singular, porém não menos singular é o estilo de Guattari.
Deleuze & Guattari explicaram certa
vez como escrevem juntos: como dois rios que se juntam para formarem uma
mesma corrente.
Platão dizia que o filósofo é o “amigo da
sabedoria”. Contudo, uma rivalidade pode instalar-se quando um filósofo se julga mais amigo da sabedoria do que outro filósofo , tal como aconteceu com o
próprio Platão e seu antigo discípulo Aristóteles, que rompeu com Platão se
dizendo mais amigo da sabedoria do que seu antigo mestre. Talvez por isso Deleuze
& Guattari expliquem que são amigos um do outro, porém não escreveram
juntos apenas por serem amigos, e muito menos
para pretenderem ser ainda mais “amigos da sabedoria” juntos do que seriam
sozinhos. Para produzir um pensar agenciado, é preciso que do amigo nasça um
“intercessor”. Um intercessor é aquele que “intercede a nosso favor”. Interceder
é colocar-se “entre”, para assim fazer-se porta, abertura, fenda. O intercessor
“nos desabre”, diria Manoel de Barros, tornando-se porta entre nós e o cosmos,
entre nós e as ideias, enfim, entre nós e nós mesmos.
O senso comum diz que é preciso, primeiro, que cada um seja amigo de
si mesmo, pois somente sendo amigos de nós mesmos nos tornamos aptos para autêntica
amizade com os outros. Mas nunca ninguém pode ser o intercessor de si mesmo,
pois um intercessor é sempre um outro : uma diferença. Um intercessor nunca é
quem intercede a favor de si mesmo, mas sempre a favor de um outro que o tem
como intercessor. É o intercessor que
nos auxilia a sermos mais do que amigos de nós mesmos: ele nos ensina um
“devir-outro”, para desegoizarmos a nós
mesmos . Amizades às vezes são desfeitas. Porém nunca é desfeita a abertura
que nos abriu um intercessor, como desterritorialização para criarmos um
território novo. A não ser que nós mesmos , por resignação ou medo, recuemos e
fechemos a porta que o intercessor abriu
. Uma desterritorialização abandonada no meio , diz Deleuze, assemelha-se a um triste
aborto.
Deleuze foi o intercessor de
Guattari, ao mesmo tempo que Guattari foi o intercessor de Deleuze. Cada um
deles foi, para o outro, a produção de um devir-outro. A obra que criaram é um
potente intercessor-desabridor a favor de pensares diferentes , intensos, outros.
O rio amazonas não nasceu rio
amazonas: ele nasceu do agenciamento de seus afluentes. O rio amazonas é o
devir-outro de seus afluentes. Mas o rio amazonas também é um intercessor: ele
abre aos afluentes uma porta para o oceano.
“Os Outros: o melhor de mim sou Eles.”(
Manoel de Barros)
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