O filósofo Deleuze ensina
que pensar é prática que se faz em conversação. Essa palavra vem de “con-versa”, cuja raiz é o termo “verso”. O
sentido original de “verso” é : “voltar-se para”.
Assim, “verso” significa
algo que não existe sozinho, pois está umbilicalmente ligado a outra coisa, tal
como o verso de uma página ou o verso de uma moeda, cujo existir implica a existência do outro lado delas,seuanverso .
No poema, a palavra se torna verso porque seu anverso
é a sensibilidade que pensa e sente. Verso é palavra que nunca existe sozinha , pois ela é o corpo cujo anverso é o sentido que uma alma sentiu , pensou eexpressou por intermédio dela. Lendo ou escrevendo , quem poetiza
conversa consigo, com os outros, com a língua, com o cosmos...
Palavra que é verso nunca
é apenas palavra: ela é o lado visível cujo anverso devemos encontrar dentro de
nós, em nossa sensibilidade intensificada. Por isso, o sentido de um verso
nunca está apenas nele mesmo, seu sentido está também em nós que o lemos, lendo-nos.
Con-versar é : “voltar-se
para o outro.” O outro em sua diferença como parte do sentido que construímos
agenciados, cada um sendo verso e anverso do outro. Conversar não é só saber
falar, tambémé saber escutar, sobretudo
os silêncios.
A conversação interna, sem a qual não há
autoconhecimento, é prática de devirmos outro, para assim sermos, ao mesmo
tempo, a página na qual se escreve e autor que escreve na página, sempre procurando
escrever um sentido novo.
Em toda conversação se concorda
ou discorda das ideias apresentadas , pois a conversação argumentada é a base não só da
educação emancipadora ,ela também o é da convivência democrática.
“Concórdia” e “discórdia”
têm por raiz a palavra “córdis”: “coração” ( no sentido amplo da palavra).
Assim, concordar é manter nosso coração, enquanto sede do Afeto, unido a uma
ideia que partilhamos com o outro. Discordar, ao contrário, é retirar nosso
coração de junto de uma ideia que outra pessoa defende.
Discordar não é a mesma
coisa que odiar. O ódio é mera destruição, ao passo que a discórdia nasce
quando separamos nosso coração da ideia que outra pessoa
professa, sem que isso signifique destruição ou agressão ao coração do outro.
Já o ódio é a vontade reativa de destruir não só as
ideias, mas sobretudo o coração do
outro enquanto núcleode sua existência.
Os autênticos amigos não
só concordam, eles também sabem discordar
sem ferir o coração do outro.
Nas relações pessoais e
sociais não autoritárias ou monologais, não só a concórdiatem sua razão de ser, também o tem a
discórdia.
Não há aprendizado do
conviver democrático apenas concordando sem nunca discordar, pois na convivência não
tóxica das diferenças pode haver discórdias, sem que disso nasçam ódios.
"Sobretudo o verso é
o que pode lançar mundos no mundo."(Caetano Veloso)
O poeta-filósofo Lucrécio faz uma
distinção entre alma (anima) e espírito( animus). A alma percorre todo o corpo
, ela é o princípio vital; já o espírito é o responsável pelos pensamentos e
pelos afetos, estando localizado no
peito.
O espírito está no peito porque, segundo
Lucrécio, não podemos separar o
pensamento e o afeto: tudo o que a gente pensa tem seu afeto correspondente, e
todo afeto sentido gera pensamentos.
Com isso, Lucrécio critica os
racionalistas gregos que, separando pensamento e afeto, tornaram a filosofia
uma prática abstrata de ideias supostamente localizadas apenas na cabeça.
Para Lucrécio, não só a poesia está
no peito, também está a filosofia, ambas perto do coração.
Poesia e filosofia, as duas metades
do espírito,existem para intensificar,
pensando e sentindo, o fluxo vital da alma que circula por todo o corpo e com
ele forma uma unidade, um concílio.
( o livro de Clarice é uma sugestão
de leitura, pois poucos chegaram tão perto desse pensar originário mencionado
por Lucrécio, um pensar que também se sente, na dor ou na alegria, quanto
Clarice)
Mefistófeles: “-Vim cobrar aquilo
que, por contrato, você me prometeu dar em troca dos meus favores."
Fausto :“- Mas o que lhe prometi? Assinei sem ler...”
Mefistófeles:“- Fique tranquilo, quero apenas uma parte de
sua alma: quero seu caráter. Você poderáficar com seu ego : sei como soprardentro delepara inflá-lo. Também
vou lhe ensinar a como usar as palavras para fazer suas mentiras parecerem‘Verdade’. Sou o Pai ardiloso das ‘fake
news’.Vou lhe ensinar essas e outras
artimanhas, mas seu caráter será meu...”
Fausto: “- Serei então um ‘sem
caráter’?”
Mefistófeles: “- Por que o espanto?
Sabe aquele banqueiro ricoque explora
muitos e os tem namão? Pois é ele que
está nas minhas mãos e ainda as beijaem
agradecimento pelos meus préstimos . Sabe aquele ex-juiz que posa de moralista
? Esse sonsonunca davauma sentença sem me consultar, ele também é
meu. Sabe aquele religioso que prega dentro de um imensotemplo de ouroediz se
ajoelhar diante de Deus? Mentira, é diante de mim que ele se ajoelha. E esses
políticos que se elegem usando o nome de Deus , Pátria e Família são os que
mais servem a mim. O Centrão eu comprei a lote, pois no Brasil o presidente é
um empregado meu, comprei deputados e senadores por intermédio desse comprado.
Por que você resiste? Por que insistir com esse heroísmo ético !? Abandona a
filosofia e a ciência que eufarei de
você o 'Oráculo' e 'Guru' de muitos que lhe dirão 'amém'em tudo, como dizem a um discípulo meu
chamado ‘Olavo’ ( cujo luto decretado pelo genocidapor sua morte é , na verdade, uma homenagem a
mim, verdadeiro Mestre de todos os negacionistas-terraplanistas). Comigo você
ficará rico, terá fama e poder....Desde que seu caráter seja meu.”
Fausto: “- Mas e Margarida? Não quero
perdê-la, estamos noivos...”
Mefistófeles: “- Vou comprá-la
agora!”
Mefistófeles encontra então Margarida
e oferece tudo o que pode oferecer para assediá-la. De Margaridaele ouve apenas uma palavra , porém dita com
firmeza: “NÃO”.
Derrotado, com o rabo entre as pernas
, foi-se embora o mercador de almas...
(na mitologia germânica, “Margarida”
é um dos nomes da “Alma”, assim como “Psiquê” em grego. “Mephisto” é um filme
que mostra como o nazismo ascendeu na Alemanha comprando/seduzindo mídias, parlamentos, mercados , igrejas e
partes tolamente crédulas
do povo. “Mephisto”,ou “Mefistófeles”, é um dos nomes do Diabo ).
Ontem à noite eu conversava com um
amigo que está muito triste, recluso em casa e dentro de si mesmo, assim
ficando por pensar nas “espurcícias do mundo”, conforme
diz o poeta Manoel de Barros.
Solidário a ele, tentei confortar o
amigo, embora eu mesmo às vezes também precise me confortar por ter os mesmos
pensamentos acerca do Brasil e dos
homens.
Hoje bem cedinho eu estava lendo o
poeta-filósofo Lucrécio. Parece até que ele havia ouvido minha conversa com meu
amigo e , solidário, nos oferecia uma resposta sob a forma de filosofia em
versos, como se fosse mão estendida. Lucrécio diz mais ou menos o seguinte:
“Não há aurora que se siga à noite, nem
noite que se siga à aurora, sem que escutemos, ao mesmo tempo, o choro da
criança que nasce para a novidade do mundo e o choro triste de alguém que parece desistir do mundo. Os dois choros, o da alegria
e o da tristeza, soam juntos . Se o choro da tristeza nos parece soar mais forte , é preciso partejar também em nós ouvidos que ouçam o choro das coisas
que nascem. Quem apenas tem ouvidos para
ouvir o choro da tristeza, torna-se surdo às coisas que nascem; mas naquele que
são partejados ouvidos para ouvir as
coisas que nascem, nascem igualmente palavras
e ações para lutar não contra os tristes, mas contra as causas da tristeza.”
Segundo Lucrécio, filosofar e poetar nada
são se não forem, antes de tudo, o partejar de ouvidos que ouçam o choro de
tudo o que nasce, e que , por ter
nascido, requer a perseverança constante de nossos cuidados.
"Quando as lágrimas são de tristeza,
elas caem como chuva de uma tempestade;
quando as lágrimas são de alegria,
elas revivificam como as gotas matinais dos orvalhos."
Uma das melhores aulas de
minha vida recebi nas ruas de Ouro Preto. Ao sair para conhecer a famosa cidade
histórica, fui abordado por um guri de uns 12 ou 13 anos. Ele
vestia um sapato que já calçara muitos outros pés antes dos pés dele; e sua
calça , também muito usada, estava amarrada com barbante na cintura. Mas quando
olhei no rosto dele, vi a riqueza de um sorriso que expressava uma alegria que
vinha do lugar onde a vida resiste, tal como a alegria de que fala
Espinosa .
Havia nele uma dignidade
na postura e maneira de falar, bem como uma confiança em si mesmo nascida de
uma força que vinha de seu sangue, da luta de seus ancestrais. Pensei que ele
me pediria algo, mas na verdade ele queria me oferecer.
O guri se
oferecia para ser meu "intercessor" no conhecimento da
cidade de Ouro Preto. Enfim, ele se oferecia para ser meu professor
no conhecimento daquele patrimônio histórico. “Intercessor” significa: “aquele
que cria intercessões, abrindo os conjuntos fechados”. O intercessor nos
desabre e horizonta , diria o poeta Manoel de Barros.
Ao olhá-lo , me veio à
mente Chico Buarque e sua música "Meu Guri" , interpretada por Elza
Soares. A letra de Chico fala mais do que de um guri, fala de uma situação
social excludente que rouba dos guris o direito ao futuro. A voz de Elza é
canto de Gaia, voz da Terra-Mãe que chora a dor da injustiça que violenta seus
filhos . Ouvindo-a, revejo o guri de Ouro Preto caminhando ao meu lado, um
pouquinho à frente, feliz por me ensinar. Quem ama o que faz sente alegria, a
potência-alegria de que nos fala Espinosa. Com certeza, esse guri faria a Elza-Gaia
sorrir , assim como me fez.
Eu, “Professor Doutor”,
aceitei ser aluno do guri. Por meio da fala e explicações dele , a cidade
deixava de ser histórica: ela vivia , entrava em devir. Houve um momento em que
olhei para o menino e vi o libertário Zumbi dos Palmares; noutro momento, ele
parecia o poeta Cartola. Ali, o bisavô do menino foi escravo. Mas em seu
bisneto o bisavô se libertava no conhecimento que produz outra história : um
devir-memória dos acontecimentos que a História Oficial não conta.
O guri entrou numa mina
abandonada e me mostrou onde ficava o ouro que agora adornava o trono onde
estava sentado o Papa; ele adentrou numa igreja , subiu ao altar e abriu os
braços em cruz, e o Cristo nele eu vi, com a cor e a face do menino-Zumbi.
Por fim, ele me levou à
torre bem alta de uma igreja. De lá, ele me apontou sua simples casa: o morro
onde o guri morava parecia o Morro de Mangueira... Sobre a majestosa colina,
seu casebre estava mais alto e perto do céu do que todas as torres das igrejas.
Um dos meus versos preferidos de Manoel de Barros é aquele no qual ele diz:
“Poesia pode ser que seja fazer outro mundo”. O coração desse verso é a palavra
“fazer”. Não por acaso, o sentido original de poesia é “fazer” ( “poiésis”).
Infelizmente, nem sempre é ensinada
nas escolas e academias essa relação
umbilical e imanente entre “poesia” e “fazer”. Isso se deve a duas questões que estão interligadas: 1-
certa visão romantizada da poesia; 2- uma concepção estreita do “fazer”, identificando-o com o
mero utilitarismo “objetivista” e “mercadológico” que se diz “neutro
politicamente” , e que só crê ter valor
aquilo no qual se pode pôr um preço.
Porém, não há prática “neutra”, toda
prática é política: por isso, sempre são úteis aos piores poderes as práticas que se dizem “apolíticas”.
Desse utilitarismo rasteiro,
inclusive, nasce uma ideologia
tecnicista que, de mãos dadas com os negacionistas
da política, estão sempre ameaçando com suas cicutas a vida pensante que ainda
lhes resiste nas escolas e academias.
Mas poesia é prática não só de criar
versos, ela também é ação de produzir novos modos de vida. E todo modo de vida
pressupõe uma terra. Não há modo de vida concreto que se construa esperando por
outra vida no “Céu”, pois todo modo
de vida pede uma terra aqui e agora para ser ocupada , vivida e cultivada, para dela ser extraído não só o pão que alimenta o corpo, mas
igualmente o pão que alimenta o
espírito.
“Companheiro” vem de “com-panis”:
"aquele com quem dividimos o pão ( panis)". Tornam-se companheiros
aqueles que aprendem a dividir os "dois pães": o pão que vem do trigo
cultivado na terra e o pão que nasce do
afeto partilhado nas lutas coletivas por dignidade, arte e educação . Esse
último pão cresce e se multiplica quanto mais nele pomos o fermento da
consciência social crítica , ativa e solidária.
Como mostra o belo livro “Sem terra
com poesia”, a luta pela terra também se faz com poesia. Não há como fazer
outro mundo, outro mundo em todos os sentidos, mundos sociais e subjetivos, sem
compreendermos que a poesia autêntica é
sempre construção de mundos: mundos que sejam, antes de tudo, uma
terra plural sem cercas , uma terra horizontada.
Em sua Poética, Aristóteles define a poesia como “imitação”: a poesia imita a vida. Logo, segundo ele, a poesia não é a vida, pois o que faz da poesia poesia, isto é, arte-ficção, é que ela não é a vida. Somente a filosofia, argumenta Aristóteles , pode conhecer e pensar a vida. O poeta imita a vida por intermédio de imagens, ao passo que o filósofo pensa-conhece a vida por meio de conceitos.
Mas acontece algo curioso e que dá o que pensar nessa referida obra de Aristóteles. Quando ele se refere aos pré-socráticos, Aristóteles reconhece que eles escrevem em versos, porém os versos dos pré-socráticos não são poesia, seus versos não são como os de Hesíodo ou Homero.
Os versos dos pré-socráticos não são imitação da vida, eles querem pensar a vida, mas sem empregar os conceitos. Ou melhor, nos pré-socráticos a imagem e o conceito caminham umbilicados .
Porém, Aristóteles não considera os pré-socráticos poetas ou filósofos , ele os chama de “fisiólogos”: algo acima do poeta, contudo abaixo do filósofo.
"Fisiólogo" vem de "physis": a "natureza" enquanto potência inesgotável que fontaneja. O fisiólogo é aquele que fia e tece a palavra que desdobra o sentido que brota na e da natureza.
Não por acaso, Nietzsche, Deleuze e Heidegger retornam aos pré-socráticos para renovarem a filosofia desfazendo a opinião aristotélica de que a filosofia está acima da vida. Esse colocar-se acima da vida é, na verdade, um negar a vida, o corpo e a existência.
Nos pré-socráticos, portanto, há poesia. Mas não é poesia enquanto forma literária. A poesia dos pré-socráticos é um “poetar originário”: experiência singular nascida da indiscernibilidade entre a arte e a vida.
A poesia dos pré-socráticos não imita a vida: ela é a vida pensando a si mesma, sentindo-se. Vida que é, ao mesmo tempo, a realidade primeira a ser pensada e os meios expressivos desse pensar uno, porém aberto e afirmativo do existir múltiplo.
Segundo Espinosa, quanto mais o corpo
e a sensibilidade são afetados de muitas
e diversas maneiras, mas a mente enriquece sua compreensão da realidade,
nascendo igualmente nela um pensar diverso
e múltiplo.
Corpo, afeto e sensibilidade não
atrapalham ou diminuem o pensar da mente; ao contrário, corpo, afeto e
sensibilidade potencializam o pensar da mente fazendo despertar nela,
igualmente, ouvidos, tato, gosto e olhos para compreender a vida concretamente.
É por seguir essa lição de Espinosa
que sempre coloco imagens e música acompanhando os textos que posto aqui para
as amigas , amigos, alunos e ex-alunos.
Há sentidos que música e imagem
expressam melhor do que a palavra escrita, e toda palavra escrita diz mais do
que mera palavra quando o que ela diz também podem dizer , de formas
diferentes, a música e a imagem, tanto a imagem da pintura como a imagem-movimento
do cinema.
Quando apenas a mente aprende, fica
só a teoria; quando é apenas o corpo, nada há senão técnica.
Mas quando mente e corpo aprendem
juntos e em “concílio”, como diz o poeta-filósofo Lucrécio, compreendemos então que pensar, sentir e agir são inseparáveis , como também são
inseparáveis a ética, aestética, a política
e a educação, quando libertárias.
Quando mente e corpo participam
juntos de um aprendizado, o que se aprende não é apenasteorizado ou reproduzido mecanicamente, e sim
vivido e partilhado.
Espinosa assim ensina: “Ninguém sabe
tudo o que pode um corpo”, isto é, ninguém sabe tudo o que pode a potência de
um corpo e sua capacidade de
resistir,agir, perseverar.
Ninguém sabe tudo o que pode um corpo
até que o corpo , agindo , nos ensina a criar. E quando a mente agencia seu pensar com
o corpo, também a mente ninguém sabe tudo o que ela , pensando, é capaz de
criar.
O corpo de que fala Espinosa não é
apenas o nosso corpo individual com seus
braços e pernas; o que ele diz também se aplica ao corpo da palavra( cuja alma é
a ideia que faz pensar), ao corpo do som
( cuja alma é a música que afeta) , ao corpo das tintas (cuja alma é um ver que
potencializa nossos olhos) , enfim, o que ele ensina também se aplica ao corpo
social ( cuja alma é a resistência democrática pela vida coletiva digna).
“Poesia é para escrever com o corpo.”(Manoel de Barros)
(Imagem: “Espinosa”, cuja paleta é
multicor)
-Este filme de Wim Wenders sobre Pina nos faz compreender aquele
ensinamento de Espinosa: “Ninguém sabe tudo o que pode o corpo”:
O poeta-filósofo Lucrécio inicia seu poema evocando Vênus. Na mitologia, Vênus é , ao mesmo tempo, aquela que guarda a semente de tudo o que nasce e a terra na qual as sementes são lançadas, de tal modo que Vênus também vive e floresce nas sementes que nela são plantadas.
Os átomos não são pedras inertes, eles são a semente de tudo. Pois tudo o que existe vem de uma semente: nenhum existente pode nascer do nada, ou ao nada retornar.
“Do nada nada vem”, afirma Lucrécio. O nada não faz parte da natureza, tampouco pode negá-la ou limitá-la. Pois como poderia o nada, sendo nada, impor limites ao que é?
A morte desfaz a composição de um ser, mas ela não destroi os átomos : eles se tornam novas sementes para outras vidas nascerem.
O nada é uma projeção feita pela mente supersticiosa sobre a natureza. O nada é a sombra que o medo e a ignorância lançam sobre a existência. Fanatismos religiosos, niilismos, necropolíticas...são formas com as quais a mente ignorante tenta negar a natureza.
Além dos átomos-sementes, Lucrécio também nos fala do vazio. O vazio não é o nada, pois o vazio não é negação da realidade. Ao contrário , é graças ao vazio que os átomos podem mover-se.
O vazio não é apenas algo exterior aos átomos, pois nos corpos compostos também há vazio. Quando o fogo aquece a água, o fogo penetra na água porque na água há vazio, de tal modo que a água aquecida é fogo e água existindo juntos, graças ao vazio de que a água também é feita. O ar entra dentro de nós e enche nossos pulmões de vida porque somos feitos também de vazio. O vazio não se opõe à vida, pois a vida é feita de átomos-sementes e vazio.
A Vênus-Natureza não é apenas a semente, ela também é o vazio sem o qual as sementes não germinam (tal como o vazio do útero , sem o qual não pode brotar e crescer a vida nova que a esse mesmo vazio vem preencher).
Lucrécio também ensina que há duas Vênus. A primeira delas é apenas “mito”, isto é, delírio antropomórfico projetado na natureza. A Vênus-mito sente raiva, faz intrigas, tem inveja e se vinga, tal como fez contra Psiquê, por não aceitar que essa fosse amada por Eros, o Amor.
Essa Vênus-mito não é a Vênus que Lucrécio evoca. A Vênus de Lucrécio é poético-filosófica : ela é a própria potência inesgotável da natureza. Ela não é só o corpo, ela é corpo , alma, semente, terra e vazio. Ela é o amor que ama, unindo-os, alma e corpo em concílio.
A Vênus do Lucrécio-Semeador não é mito que nega a natureza, ela é Potência Germinativa que afirma a variedade e pluralidade das infinitas sementes da natureza, cujo germinar ela parteja .
E nada , nem mesmo a ignorância dos homens detém seu semear , por mais que tentem.
Segundo a mitologia , Acalântis era
uma jovem que desafiou as Musas , deusas das artes. O desafio não foi por mera
vaidade ou pretensão. Acalântis não as desafiou xingando ou ameaçando,
ela as desafiou cantando.
Toda criação artística potenteé um desafio que o artista lança à arte e a
si mesmo, para assim reinventararte e
vida, poisnada de novo se cria sem
desafios.
As obras de Van Gogh são um desafio
lançado à pintura ; os solos de sax de John Coltrane são um desafio lançado à
música; os versos de Manoel de Barros são um desafio lançado à poesia.
Com sua arte, o artista desafia a
matéria e o espírito ase amar paraserem um único ser na obra que nasce, como um
ser vivo.
Essa união singular entrecorpo e espírito para formarem um único ser
vivo, seja gente ou obra de arte ,o
poeta-filósofo Lucrécio chamava de “concílio”.
Acalântis cantava estando feliz ou
triste, amando ou desgostando, fosse primavera ou inverno. E quem a ouvia era
acalantado: aumentando aalegria ,
diminuindo a dor.
Embora deusas das artes, as Musas se
surpreenderam com a arte de cantar de Acalântis.Além da beleza, havia também calor no canto
de Acalântis, como se dentro dela brilhasseum sol.
Então , para que o canto de Acalântis
ganhasseasas e pudesse ir longe,as Musastransformaram Acalântis em um passarinho canoro: o pintassilgo,
conhecido como “o passarinho cujo canto acalanta”.
“Acalantar” significa :contagiar com calor, com vida. O pintassilgo
acalanta não só aos ouvidos com seucanto , eleacalanta também o
serinteirode quem sabe achar no canto um ninho.
A arte não é sócanto de alegria , elatambém pode serclínica e nos auxiliar a curarador , tanto as físicas quanto as psíquicas.
O pintor acalanta com suas cores, a cantora
acalanta com sua voz ,o poeta acalanta
com suas palavras-assobio : para que não morramos do frio desses dias sombrios.
Para quem as sabe ver , ouvir e
sentir, cor , voz e palavra também são ninhos.
“Os raminhos com que arrumo as
escoras do meu ninho
são mais firmes do que as paredes dos
grandes prédios do mundo.” (Manoel de Barros)
(bem cedinho, todo dia sou acordado pelo canto deum bem-te-vi . Elefez ninho numa árvore perto de minha janela.
Mal nasce o dia, o bem-te-vi já estácantando . Nem mesmo um carcará imenso que ronda por aqui mete medo no
bem-te-vi. Ao ouvi-lo cantando, pensei: “Hoje chove, chove, chove...Mesmo assim
ele persevera com sua arte.” Fuià
janela : assim que o vi , ele voou atravessando a fina chuva e pousou no galho
mais alto.Ele então cantou eapareceu outro bem-te-vi , ambos dividindo o
mesmo galho. Olharam para o horizonte, tomaram corageme para lá voaram... Foram eles que me
lembraram hoje“Acalântis” )
O maior sábio da Grécia
não foi Sócrates, Platão ou Aristóteles. O maior sábio foi Tirésias. Ele não se
tornou sábio competindo para ser o “Dono da Verdade” ou querendo ter opinião acerca de tudo. Tirésias se tornou sábio a partir de algo que ele viu e viveu .
Assimaconteceu : atrás da casa de Tirésias passava
um rio. Do rio vinha a água que ele bebia e o alimento que pescava. Até que um
dia Tirésias se fez uma pergunta: “De onde vem esse rio? Onde fica seu
minadouro?”.
Tirésias resolveu
entãoir contra a corrente no esforço
para achar a nascente. Somenteindo
contra a correntese pode acharnascentes, de rio ou de ideias . A fonte nunca
vive no “acostumado” , no “mesmal”.
Não demorou para
alcançarpartes onde o rio, embora o
mesmo, já não lhe era conhecido : viu em suas margens flores que nunca tinha
visto, ouviu passarinhos dos quais não sabia o nome.
Enquanto prosseguia, não
via trilhas ou pegadas. Sentindo-se correndo riscos, Tirésiashesitou, quase abortando sua “linha de
fuga”. Até que ele olhou à frente e viu alguém a se banhar na fonte da qual o
rio nascia. Era Atena, a deusa da sabedoria. Ela estava nua...
Asabedoria precisa às vezes se banhar em fluxos para reinventar-se nova. Nas academias, a sabedoria se veste deteorias. Ela nunca se mostra nuanesses lugares. Quem a conhece apenasvestida podeaté se tornarum teórico , mas
nunca seráum pensador-poeta que sabe chamar Atena pelo seu verdadeiro nome: Sofia.
Tirésias então percebeu
que ao se despir das teorias é como poesia que a sabedoria se mostra a
quemteve que se perderpara achá-la.
Aautêntica sabedoriaé fonte que renova a si mesmapara que em nósnão seque a vida.
“A palavra abriu o roupão para mim:
ela quer que eu a seja.” (Manoel de
Barros )
“A filosofia deve ser ensinadajunto com a poesia, para assim agirmos como o
médico cuidadosoque , visando melhor curar seu paciente, misturao remédio amargo junto com o mel.”
(Lucrécio)
( Quando Espinosa morreu, religiosos fanáticos invadiram o lugar onde o filósofo
morava em busca dos muitos “livros perigosos” que, segundo eles, Espinosa teria
escrito com o “Diabo”. Eles queriam
tacar fogo nesses livros. Porém, no quarto modesto do filósofo, alugado na casa de uma família simples, os intolerantes
encontraram
poucos livros. Um deles estava aberto sobre a mesinha de estudos de Espinosa,
era o livro “Sobre a natureza das coisas”, do poeta-filósofo Lucrécio. Do livro
saiu uma luz potente, luz do conhecimento libertário, que pôs para correr os
obscurantistas ignorantes...)
- Acabou de ser lançada esta edição bilíngue . Na Apresentação do livro, intitulada “Ver com
Lucrécio”, Brooke Holmes escreve: “[Lucrécio] ataca o cerne da política do medo
que está por trás dos nacionalismos racializados e dos fascismos genocidas.” E
no Prefácio (“Lucrécio, nosso contemporâneo”), Thomas Nail afirma: “voltamos a
Lucrécio hoje (...) como se ele fosse um sopro de vida nova na vanguarda do
século XXI.”
Quando Lucrécio nos ensina sobre os
átomos, ele compreende essa realidade primeira de forma muito diferente do mero
mecanicismo. Para Lucrécio, o que explica os átomos não é eles serem unidades
mínimas da matéria, como se fossem indivíduos ou egos isolados. Para falar dos
átomos, Lucrécio emprega as expressões "corpos generativos", isto é,
corpos que têm a potência para gerar, e "sementes das coisas", pois
os átomos não são pedras , eles são sementes. Na mitologia, a protetora das
sementes, para que essas nunca sequem ou percam sua fertilidade, essa protetora
é Vênus, uma das manifestações do Feminino Ancestral. Quando começa o poema,
Lucrécio pede o auxílio a Vênus, para que essa, dando-lhe as mãos, o auxilie a
percorrer os caminhos infinitos da Natureza, sem se perder, e para "na
imensidão viajar em espírito e mente" ( verso 74 do poema). Assim, de mãos
dadas com Vênus seguem Epicuro,
Lucrécio, Espinosa... oferecendo a mão libertária deles também para nós.
Para Lucrécio, e esse é o primeiro
dos Princípios da Natureza, algo real não pode ter vindo do nada, pois do nada
nada vem. O nada não tem dimensão real, o nada é a projeção do medo que nasce
da mente que não compreende.
Assim, tudo o que é real vem de uma
semente, e a própria mente se torna uma semente, uma semente da qual germinam
ideias, quando compreende a natureza e a si mesma, pois não há como a mente
compreender a natureza sem compreender, ao
mesmo tempo ,a si mesma.
Além dessas sementes das coisas, Lucrécio
também nos fala do vazio e do clinâmen. Sementes-átomos, vazio e clinâmen: eis
os princípios dos quais tudo nasce.
O vazio não é a mesma coisa que o “nada”.
O nada se opõe ao ser, ao passo que o vazio é co-presente ao ser , aos
átomos-sementes. É no vazio que os átomos-sementes se movem.
Ao se moverem , os
átomos são capazes de pequenos “desvios”. Esses desvios são mudanças na direção
sem que nada da direção antiga possa explicar. Nesses desvios de trajetória, o átomo-semente
desabrocha nova direção , encontrando-se com outro átomo-semente que se movia
num trajeto diferente, de tal modo que esse desvio produz um corpo composto cujo
movimentos passam a ser comuns e coordenados. Todos os corpos compostos têm na
sua origem um desvio originário, e não um plano prévio ou cartilha .
Os átomos são como sementes, o vazio é
o terreno no qual os átomos-sementes são lançadas, ao passo que o
desvio-clinâmen é o germinar da semente da qual aflora toda vida complexa e múltipla que nossos olhos veem e nossa sensibilidade toca, ao ser também tocada pela Natureza-Vênus, ao mesmo tempo Natura Naturante e Natura Naturada.
___
O livro de Lucrécio foi escrito em
versos, ao mesmo tempo filosofia e poesia. Na forma, o livro lembra a
"Odisseia", de Homero. Mas na odisseia filosófica de Lucrécio o personagem
não é Ulisses, e sim Epicuro, o filósofo atomista que ensinava em jardins.
Sempre me lembro de Epicuro quando ouço o verso de Caetano :"Os átomos
todos dançam🎵..."
Algumas pessoas me perguntam no facebook por qual
motivo coloco sempre a folhinha verde🍀 ,
o girassol 🌻, as mãos enlaçadas ( infelizmente, o blog não possui esse símbolo) e uma rosa vermelha 🌹 em
minhas respostas às amigas e amigos quando, gentilmente, comentam em minhas
postagens .
A folhinha verde simboliza, para mim,
a “arruda”: para pedir proteção e sorte aos que não se resignam e agem . Poesia
e filosofia também podem serarruda
para aproteção e clínicada nossamente.
O girassol ,por sua vez,simboliza Van Goghe o poeta Manoel de Barros : “Um girassol se
apropriou de Deus: foi em Van Gogh” , diz um verso do poeta. O girassol
comofé inabalável na criação e na arte
, apesar de tudo que nos ameaça.
As mãos enlaçadas simbolizam a
necessidade de fazermos agenciamentos e criarmos elos .
Já a rosa simboliza para mim a
intençãode Espinosa ao colocara imagem de uma rosa para ilustrar seu livro
intitulado “Ética”. Abaixo da rosa Espinosa escreveu a palavra latina “caute”,
que significa “cuidado”. “Cuidado” não no sentido de medo ou receio, e sim
enquanto ação de cuidar, protegere
potencializartudo o que é digno e
libertário.
Tudo aquilo que é frágil necessita de cuidado.
“Frágil” não é o mesmo que “fraco”. Frágil é toda realidade que guarda em si
uma virtualidade ou potencialidade a desabrochar . Essa virtualidade é uma
“reserva de futuro”.
A criança é frágil nesse sentido;
frágeis também são as ideias que ensinam, ideias que trazem potencialidadedentro. Fraco, ao contrário , é tudo aquilo
que precisa de armas e força bruta para se impor.
As ideias são frágeis, porém fraca é
a mente ignorante de ideias. Frágil é tudo aquilo que, para existir ,precisa ser criado e mantido com perseverança
e cuidado; fraco é o que só possui o poder da destruição.
Sobretudo nesses dias em que as
mentalidades doentias da política agravamas tragédias sociais e sanitárias, que em 2022 não nos faltem proteção ,
saúde, agenciamentos , força e arte.
“As intensidades do girassol são
forças do tempo.” ( Cláudio Ulpiano)
( Também gosto muito deste“Girassol” , de Klimt: é um girassol
feminino , que parece proteger, com cuidado, as muitas flores que, em plurais
cores, florescem em sua base).
Esta montagem grotesca está sendo
propagada em meios obscurantistas como
panfleto para a “campanha eleitoral” de 2022. Como “cabo
eleitoral teológico-político”, vê-se um
“Jesus ariano”, loiro e de olhos claros,
como se estivesse de mãos dadas
com o genocida.
A esquerda, os humanistas, os
educadores , as feministas, as minorias, os indígenas, os pretos e pobres que
se inspiram emDandara e Zumbi, os
trabalhadores que se reconhecem como trabalhadores ( e desconfiam do termo
“colaborador” )...todos esses seriam “comunistas” :seguidores do “Demônio”.
A Bíblia não descreve como teria sido
Jesus fisicamente. Segundo a teologia cristã, Cristoassumiu a forma humana. Porém,por qual razão Cristo escolheria assumir aparência
ariana seele nasceunomestiço Oriente Médio?
Além disso,se ele queriafalar como um irmão aos marginalizados e
explorados, não fazia sentido Cristotomar a forma física com o mesmo tom de pele clara dos imperadores
romanos.Cristo tinha que ter o mesmo
tom de pele dos povos perseguidos e explorados, inclusive explorados pelas
autoridades religiosas de Israel.
Sabe-se que , àquela época, o povo
judeu era semelhante ao que hoje é o povo árabe. O povo judeu foi
“embranquecendo” devido às muitas diásporas que , ao longo da história, os
espalharam até às terras dos povos eslavos, francos e germânicos.
O “Jesus ariano loiro de olho azul”,
que tanto agrada à mentalidade casagrandista,nasceu por exigência dos reis de origem germânica, que exigiam ver em
Jesus um espelho deles.
Quando Maria e José fugiram para o
Egito, com o menino Jesus no colo, assim o fizeram porque sabiam que não lhes
seria difícil se passarem como membros do povo egípcio , isto é, um povo
africano.
Escavaçõesfeitas recentemente na terra onde Jesus
nasceuencontraram restos mortaisde seres humanos contemporâneos seus.
Presume-se que Cristo, ao assumir a forma humana, tomou a aparência de um ser
humano semelhante aos seus “conterrâneos”.
Programas de computador
conseguiramrecriar como teriam sido os
judeus daquela época. Eles não eram altos, deviam ter a média de altura do típico
nordestino do Piauí, Pernambuco ou Ceará, sendo a cor da pele também
semelhante, pele exposta ao sol por gerações.
A Bíblia não descreve Jesus, porém relata que
o homem do povo daquela época usava barba e cabelos curtos, ambos pretos e
crespos .
Então,o judeu daquela época, do qual Cristo tomou a
aparência, não era alto, tinha cabelos e barba curtos ( cresposepretos)e pele semelhante à
dopovo que vivesob o nossoensolaradocéu doNordeste brasileiro.
Ou seja, se Maria e José vivessem hoje no Brasil e fossem perseguidos pelo
Herodes-miliciano, e Jesus fosse ainda uma criança precisando ser protegida, eles não iriam para
Santa Catarina ou Paraná, eles iriam para o sertão nordestino.
“O conhecimento
nos ensina que nenhum terror dura para sempre. E o mesmo conhecimento também
nos ensina que quanto mais os seres humanos que agem pela justiça e
dignidadefortalecerem seus vínculos de
amizade, mais breve será a duraçãodo terror.”( Epicuro)
Em sua Poética, Aristóteles define a
poesia como “imitação”: a poesia imita a vida. Logo, segundo ele, a poesia não
é a vida, pois o que faz da poesia poesia, isto é, arte, é que ela não é a
vida. Somente a filosofia, argumenta Aristóteles , pode conhecer e pensar
a vida. O poeta imita a vida por intermédio
de imagens, ao passo que o filósofo pensa a vida por meio de conceitos.
Mas acontece algo curioso e que dá o
que pensar nessa referida obra de Aristóteles. Quando ele se refere aos
pré-socráticos, Aristóteles reconhece que eles escrevem em versos, porém os versos dos pré-socráticos não são poesia, seus versos não são como os de Hesíodo ou Homero.
Os versos dos pré-socráticos não são
imitação da vida, eles querem pensar a vida, mas sem empregar os conceitos. Ou
melhor, nos pré-socráticos a imagem e o conceito caminham umbilicados .
Porém, Aristóteles não considera os pré-socráticos poetas ou filósofos , ele os chama de “fisiólogos”: algo acima do poeta,
contudo abaixo do filósofo.
Não por acaso, Nietzsche, Deleuze e
Heidegger retornam aos pré-socráticos para renovarem a filosofia desfazendo a opinião aristotélica de
que a filosofia está acima da vida. Esse colocar-se acima da vida é, na
verdade, um negar a vida, o corpo e a existência.
Nos pré-socráticos, portanto, há
poesia. Mas não é poesia enquanto forma literária. A poesia dos pré-socráticos é
um “poetar originário”: experiência singular nascida da indiscernibilidade entre a arte e a vida.
A poesia dos pré-socráticos não imita
a vida: ela é a vida pensando a si mesma, sentindo-se. Vida que é, ao mesmo
tempo, a realidade primeira a ser pensada e os meios expressivos desse pensar uno, porém aberto e afirmativo do existir múltiplo.