terça-feira, 28 de maio de 2019
domingo, 26 de maio de 2019
os jardins de epicuro
Há três modelos de educação: a
Academia, o Liceu e os Jardins. Foi Platão quem inventou a Academia. Na porta
da Academia Platão afixou a seguinte placa: “Só pode entrar aqui quem for geômetra”. Assim, na Academia de
Platão somente eram ensinadas
coisas exatas: fórmulas, dogmas,
gramáticas . Os poetas eram proibidos de
entrar lá. Já o Liceu é obra de
Aristóteles. Este queria mostrar que há ordem não apenas na matemática, a ordem
também existe na própria natureza. Para
provar isso, Aristóteles recolhia flores
de uma mesma espécie e dizia: “apesar de
cada indivíduo ser diferente, todos nasceram de um mesmo molde : tudo o que
existe se explica por uma Identidade-Padrão". Quando um aluno mais curioso ia
explorar o mundo e aparecia com uma flor
diferente, uma flor única e rara,
Aristóteles mandava jogar a flor fora, alegando que a diferença é um erro da
natureza que nos afasta da Razão. Foi Epicuro que aprendeu a fazer dos jardins
salas de aula: como espaço aberto
à natureza multivariada. E as flores diferentes que a Razão homogeneizante desprezava ,
Epicuro as acolhia em seu jardim, as plantava e regava. Ao invés de tabuada e gramática, cantos e
cores. No lugar de moral e cívica, ética e artes . Não apenas a alma dizia “presente” na hora da chamada, também dizia “presente” o corpo, com a vida
intensificada. A ideia de “jardim” sobreviveu ao tempo e às perseguições , e sua semente ainda vive nos nossos “jardins de infância”. Havia
algo da infância nos jardins de Epicuro, como (re)invenção de um devir-criança , feito a “não velhez” do poeta
Manoel de Barros . Hoje, a academia se tornou sinônimo de universidade, isso é
fato. Os fascistas querem que nela se
ensinem apenas cartilhas e tabuadas, ordens exatas que adestrem para o “mercado”.
A universidade é composta de bibliotecas
, laboratórios , refeitórios, isto é,
coisas físicas, e mais os educadores e
estudantes, a sua parte viva. Quando
educadores e estudantes se unem para proteger e intensificar essa vida, mostrando ao povo que o saber ali produzido também faz parte de
sua vida, a universidade então sai dos
muros da academia, ganha praças e ruas, e se torna novamente Jardim de Epicuro:
conhecimento unido à vida.
quinta-feira, 23 de maio de 2019
as infâncias do poeta
Quando o poeta Manoel de Barros fez
80 anos, um editor lhe pediu três memórias: da infância, da vida adulta e ,
principalmente, da velhice. Passado algum tempo, o poeta enviou o primeiro
livro: “Memórias da primeira infância”. Meses depois, outro livro o poeta
enviou: “Memórias da segunda infância”. Mais um tempo depois, o poeta fez
nascer outro livro: “Memórias da
terceira infância”. E não enviou mais nada... Até que o editor criou coragem e
perguntou: "Manoel, cadê a memória da vida adulta e da velhice?" O
poeta respondeu mais ou menos o seguinte: "só tive infância. A velhez
nunca me pegou. A velhez não é uma idade, a velhez é quando os dias vividos se
tornam um peso, não importando a idade que se tenha, e se teme pelo amanhã com medo de não se
suportar seu peso. Eu nunca carreguei peso: sempre fui andarilho . A única
coisa que carrego é meu chapéu. Eu moro debaixo dele, e sobre meu chapéu mora um casal de pardais que nele
fez um ninho. Há ovos no ninho sendo chocados, como dentro de mim dias
novos”.
quarta-feira, 22 de maio de 2019
artigo : manoel, o clínico
( trecho do artigo)
A poesia de Manoel de Barros é mais do que uma
poética, ela é uma empoética. Sua
terapia literária enseja uma terapêutica da linguagem e de nós mesmos,
empoemando-nos. Empoemar-se é estender o poético para além dos meros versos, e
é isso que faz Manoel em sua obra, incluindo entrevistas, cartas e mesmo seus
desenhos. São esses os componentes de sua Oficina
de Transfazer Natureza, para assim inventar comportamento.
link para o artigo completo:
os dois manoeis
link para artigo:
(trecho)
MANOEL E O MENINO
( por Elton Luiz Leite de Souza[1])
O homem seria metafisicamente grande
se a criança fosse seu mestre.
Kierkegaard [2]
O fundo da arte, com efeito, é uma espécie de alegria,
sendo mesmo este o propósito da arte. Não, não há criação triste.
Gilles Deleuze
- Os dois manoeis
Eu sou dois seres.
O primeiro fruto do amor de João e Alice.
O segundo é letral.
(...)
O primeiro está aqui de unha, roupa, chapéu e vaidade.
O segundo está aqui em letras, sílabas, vaidades e frases.
E aceitamos que você empregue o seu amor em nós.[3]
O poeta se diz “dois seres”. O primeiro “é fruto do amor de João e Alice”, seus pais. O segundo tem uma natureza “brincativa”[4], ele é “letral”. Sua poesia nos mostra que o Manoel-letral , que sempre nos recebe generosamente em seus versos, não é menos vivo que o Manoel que há pouco nos deixou, o filho de Seo João e Dona Alice. Talvez a saudade que sentimos deste último possa ser minorada pelo encontro com o Manoel que vive sem distância com seus versos, e nestes vive cada vez mais vivo, sempre mais novo, extemporâneo: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”[5].
O “letral” não é apenas letra morta, sintática: “nossas palavras se ajuntavam uma na outra por amor e não por sintaxe”[6]. O “letral” é o devir-poético conquistado por Manoel: “a palavra abriu o roupão para mim, ela quer que eu a seja”[7].
O primeiro Manoel faria 100 anos em 2016, se vivo estivesse. O segundo Manoel, o letral, quantos anos tem? Quantos anos faz? Talvez não se possa medir sua existência em anos. O Manoel-letral é só nascimento, invenção, como possibilidade poética de renascimento através de nós, que nos reinventamos também através dele. Sempre múltiplo, já descoberto e ainda por descobrir: como “afloramento de falas”[8].
Muitos desejam conquistar títulos, fama, prêmios, fardões. Manoel desejou tão somente se tornar totalmente letral: “pelos meus textos sou mudado mais do que pelo meu existir”[9]. O autêntico devir-letral nunca é solitário ou sozinho. Manoel se torna letral para nos tornar também. Ser letral é ler, na letra, mais do que a letra. É se deixar ler também por ela, buscando outras relações na existência que não sejam apenas aquelas governadas pela sintaxe econômica, utilitária, academicista.
A imagem do primeiro Manoel fixou-se no velhinho sorridente e simpático, cuja vida findou aos 97 anos. Quanto ao Manoel-letral, que imagem fazer dele? Difícil fixar uma.... Cada pessoa que o lê pode formar a sua imagem desse Manoel-letral, pura virtualidade que vive no sentido que o poeta inventou. De minha parte, o Manoel-letral é um menino: "inventei um menino levado da breca para me ser”[10]. Esse menino, afirma o poeta, é “a criança que me escreve”. O tal menino disse ao poeta enquanto o poeta o inventava: “sou eu que te invento poeta, enquanto você me inventa”.
É esse devir-menino que vejo também no velhinho que sorri brincativo nas fotos e capas de livros. “Não, não há criação triste”[11].“Tristeza”, aqui, deve ser entendida no sentido de Espinosa. As paixões tristes diminuem nossa potência de existir, já as paixões alegres aumentam nossa potência de existir. É sempre a existência o critério para distinguir tristeza e alegria. O Manoel que viveu 97 anos certamente experimentou tristezas, como todos nós. Mas o Manoel-letral não é fruto daquelas tristezas, e mesmo estas são transfiguradas pela criação poética, e se tornam poesia, isto é, canto da palavra: “Sei também a linguagem dos pássaros – é só cantar”[12]. Pela alegria que a criação é, o Manoel-letral conquistou mais do que muitos anos de vida, ele conquistou a eternidade do seu devir-menino :
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo de um pássaro
botando ponto no final da frase.[13]
[1] Filósofo, professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e autor do livro Manoel de Barros: a poética do deslimite ( Rio de Janeiro, Faperj/7letras, 2010).
[2] Epígrafe escolhida por Manoel de Barros na Primeira Parte do livro Menino do mato.
[4] “Nossa linguagem não tinha função explicativa, mas só brincativa” (versos do livro/poema Escritos em verbal de ave).
[6] Menino do mato, p. 11.
[7] Livro sobre nada, p. 70
[8] “Uma didática da invenção”, Livro das ignorãças, p., 7.
[9] “Biografia do orvalho”, Retrato do artista quando coisa, p. 81.
[10] Poema “Invenção”, Memórias inventadas - as infâncias de Manoel de Barros. São Paulo: Planeta, 2010.
[11] Gilles Deleuze, A ilha deserta , p. 174.
[12] Poema “Línguas”, Ensaios fotográficos.
terça-feira, 21 de maio de 2019
o zero e o um
A zeroidade é o plano de imanência do pensamento.
Deleuze
Quando eu era bem criança, antes mesmo de saber ler e escrever , fiz uma rica descoberta que não cabe no que ensinam cartilhas e tabuadas: aprendi que se podia brincar também com o pensamento. Foi assim: após aprender a contar de zero a dez, descobri que o zero nem sempre é zero, isto é , nada. Ele é nada quando é visto sozinho, isolado, como se fosse um ego ensimesmado. Mas se engana quem acha que o zero é só isso. Pois quando o zero é colocado para fazer companhia ao 1, e este aceita a companhia do zero, o 1 vira 10. Como pode o zero fazer o mero 1 se tornar dez “uns”, isto é, dez unidades dele mesmo? E essa interrogação levava a outras: colocando dois zeros , o 1 cresce ainda mais, sem deixar de ser 1, mas ao mesmo tempo já não sendo : ele se torna 100! Colocando mais um zero, nasce o 1.000! Descobri então que o zero não é um “nada”, a não ser que se o reduza a isso. Mas se a gente coloca o zero na companhia de outro número dele diferente, do encontro nascem outros números, como se dentro dele existissem potencialidades que a gente só conhece quando ele “desabre” ( “desabrir” é prática que nos ensina o poeta Manoel de Barros) . O zero precisa do 1 para se saber mais do que zero. É a diferença, o outro, que o enriquece. Quando o zero conhece a si próprio, ele vê então o que ele é de verdade: não um nada , mas um “ovo”, uma realidade cheia de potencialidades. Depois de fazer essa descoberta, ainda bem criança, sempre que alguém perguntava minha idade eu respondia: “Tenho mais de 1.000 anos!”, e os adultos riam achando que eu não sabia contar os anos. Mas na verdade eu queria dizer , brincando, que o pensar faz a alma aumentar em mil seu tamanho. Depois aprendi com poetas e filósofos libertários que o pensar só é autêntico quando faz a gente agir para sair do ovo . E quanto mais gente sair ( mil, milhares, milhões...) , mas difícil fica para o poder nos reduzir a nada.
( imagem: livros como escudos, lápis
como lanças. Foto compartilhada da
página A Casa de Vidro)
sábado, 18 de maio de 2019
os mitos também fazem pensar
O movimento em defesa da educação foi
um alento, em todos os sentidos. Foi inspirador ver os estudantes com cartazes
e livros nas mãos como bandeiras. Mas vi um cartaz que gostaria de “corrigir”, com todo cuidado e carinho . O cartaz dizia : “O conhecimento destrói mitos”, numa alusão aos simpatizantes do bozo
que o chamam de "mito". No passado , porém, essa mesma frase foi empregada pelos positivistas dogmáticos com a intenção de desqualificarem a mitologia e a poesia, pois eles consideravam a poesia uma
forma de “mito”, uma mera “fantasia”
deturpadora da “realidade verdadeira” , acessível apenas à ciência exata
. Contra a poesia e os mitos, os positivistas pregavam “Ordem e Progresso”. Então, de minha parte,
acho mais educativo distinguir, no seio dos mitos, quais de fato representam o
bozo (ao invés de criticar os mitos como um todo). O bozo nada tem de Zeus,
Hermes, Eros ou Dioniso , mas ele lembra muito os "Ciclopes" , que eram seres de
um olho só na testa simbolizando “estreiteza de visão”. Os Ciclopes eram
inimigos de Zeus, o deus da ética e da justiça, e de Eros, o deus do amor. Outro mito que parece simbolizar o bozo são as
“Eríneas”, deusas do ódio e da vingança. Foram elas que despedaçaram “Orfeu”, o
poeta que cantava a vida e a arte. As Eríneas despedaçaram Orfeu pelo seguinte motivo: quando Eurídice morreu,
o poeta Orfeu parou de cantar. Eurídice era o par de Orfeu. Para os gregos,
“Eurídice” também é um dos nomes da alma, assim como “Psiquê” e “Pneuma”.
Então, as Eríneas queriam que Orfeu esquecesse a alma e servisse à destruição,
cantando assim a guerra , o ódio e a vingança, para espalhar tais vilezas pelo mundo. Como Orfeu se recusou a usar sua
arte para servir à barbárie, as Eríneas o despedaçaram ( tal como as Eríneas de
hoje que despedaçaram a placa de rua com o nome da Marielle...). Mas as Eríneas não conseguiram vencer totalmente o poeta , pois seu filho de nome “Museu”,
poeta como o pai, recolheu os fragmentos
que Orfeu se tornou e os reuniu novamente, fazendo surgir assim a
primeira exposição do mundo, na qual
Orfeu reencontrou sua alma-Eurídice renascida, expressa em sua arte. Por
mais que a barbárie tente, ela nunca vai vencer totalmente os que cantam a vida, enquanto cultivarmos
ouvidos para escutá-los . Os mitos também promovem a educação e o conhecimento, além de serem o
capítulo inicial da própria filosofia.
quinta-feira, 16 de maio de 2019
evento
Informações gerais:
Local: Espaço da Bibliomaison, Médiathèque da Maison de France
Av. Presidente Antonio Carlos 58, Centro, RJ, 11º andar.
Av. Presidente Antonio Carlos 58, Centro, RJ, 11º andar.
Data: 30 de maio (quinta-feira)
Horário: das 19:00 às 20:30h (podendo se estender até 21h)
terça-feira, 14 de maio de 2019
sábado, 11 de maio de 2019
a praça e a rua
Os gregos inventaram a “ágora” ,
a praça pública, como espaço-símbolo da democracia. “Ágora”
vem de “agon” : “conflito” ou “disputa”. Na ágora aconteciam
disputas travadas com palavras. Os romanos, por sua vez, inventaram
as ruas. Não como espaço político, mas como meio de travessia
para além dos muros das cidades: as ruas atravessavam
espaços livres e não povoados. Impérios e cidades desaparecem destruídos por guerras
ou catástrofes: com eles, desaparecem também as praças. Mas as ruas que atravessam campos e espaços abertos nunca
desaparecem totalmente : se ninguém mais passa por elas, as ruas se integram à
natureza , tornando-se trilhas em esboço que somente os andarilhos nômades
sabem achar.
A Revolução Francesa se inspirou
no ideário da praça como espaço de poder a se contrapor aos templos da
intolerância religiosa e aos castelos dos senhores feudais. Surgem então
os “parlamentos”: lugar onde se “parla”. Radicalizando ainda mais a ideia
de democracia, Espinosa dizia que mais importante do que a praça é a rua
como espaço comum onde a multitudo se move e age. “Multitudo”
é mais do que a mera “multidão” ou “massa” : multitudo é o agir
instituinte de uma multiplicidade ativa. A multitudo nunca cabe totalmente no
espaço centrípeto das praças, pois somente no espaço centrífugo das ruas cabe o
existir em movimento da multiplicidade política, cuja potência excede o poder
de governos e Estados: enquanto a força destes é a da mera polícia,
a potência da multitudo é o desejo comum por justiça, igualdade ,
liberdade , democracia, vida. Da praça
nasceu o parlamento para se opor aos templos e castelos. Mas quando o próprio
parlamento se torna sucursal do templo teológico-político e de
mentalidades medievais encasteladas, somente as ruas podem nos
restituir a liberdade que nos roubaram as urnas algemadas. As praças
simbolizam o centro das cidades, porém as ruas são rizomas que alcançam também as margens,
conectando aqueles a quem o poder centralizador exclui e marginaliza.
terça-feira, 7 de maio de 2019
a aula
Anos atrás, um professor que trabalhava na mesma
faculdade onde eu lecionava, uma faculdade de direito, me perguntou se eu
aceitaria dar aula de filosofia para seus dois filhos, um de 10 anos e outro ainda
mais jovem. Aceitei. O curso era para durar 1 mês, acabou durando 1 ano. O mais
velho se chamava Alexandre, carinhosamente rebatizado Xandinho. Certo dia , ele
e o irmãozinho estavam brigados. Aproveitei para dizer ao Xandinho: “você sabia que ‘Alexandre’ significa
‘protetor da humanidade?’”. Ao ouvir isso, ele olhou para o irmãozinho
e, sem dizer nada, o abraçou com cuidado . Naqueles encontros, eu
“ia até à infância e voltava”, como diz Manoel de Barros, e aquele que ia não
era o mesmo que retornava. E o que voltava vinha de lápis de cor na mão, e
aprendia que as ideias que valem a pena ensinar se deixam desenhar com lápis de cor. Algumas ideias eu ensinava
falando, outras eu desenhava para eles colorirem: a forma era minha, mas as cores eram eles que
escolhiam para pintar, com as mãos livres . E eles coloriam sempre multicoloridamente,
nunca em preto e branco.
Perto do fim do ano, houve um
feriadão. Toda a família desse professor viajou para Londres, incluindo os dois
meninos. No retorno, assim que entrei no apartamento, o pai pediu para o
Xandinho me narrar o que aconteceu em
Londres, mas o menino saiu correndo,
como se tivesse feito uma arte, uma “peraltagem”, diria Manoel de Barros . Eles foram ver,
entre outras coisas, a cerimônia na qual a Rainha da Inglaterra passa à frente do público, e
todos se ajoelham em reverência, olhos no chão. Então , o pai mesmo me contou o que aconteceu: quando a
Rainha , cheia de pompa e ouro, passou diante deles, todos se ajoelharam diante
de seu poder, exceto o Xandinho. Ele ficou em pé, de braços cruzados, firme, olhando
diretamente para a Rainha, que virou a cabeça para olhar , espantada, o pequeno insubmisso. Quando a mãe indagou ao
menino porque ele não se ajoelhou como todo mundo, ele respondeu : “Não ajoelho
diante de quem é igual a mim”. Ao ouvir isso, a mãe disse ao pai: “acho que já
está na hora de nosso filho parar de ter aulas de filosofia...”. Nesse mesmo
dia em que ouvi o relato, dei minha última aula aos garotos. No fim, o menino da
peraltagem me perguntou: “Vai ter
prova?”. Respondi: “Não , você já está aprovado. Com dez.”
domingo, 5 de maio de 2019
sábado, 4 de maio de 2019
4 de maio
Meu caro 4 de maio,
já posso te chamar de amigo?
Creio que já o somos,
e não desde agora.
Não demora chega o dia 5,
sei que você já precisa ir embora.
Agradeço-lhe como me acordou hoje:
com a mesma novidade de quando nasci,
apesar de já serem muitos os dias de aniversário.
Amo rever-te,
saiba disso, amigo raro.
Espero te ver de novo,
no próximo ano,
logo ao abrir de maio.
Desejo ainda muito te receber,
sei lá ainda por quantos encontros.
Não te peço nada,
nem te faço promessa.
Nunca olho para suas mãos quando chega,
nelas não indago por presentes .
O que gosto é de apertar a mão da gente,
e mais uma linha na palma escrever, sem pressa.
Sou muito grato pelo seu retorno ,
que seja sempre assim o seu chegar: novo.
Contigo aprendo a perdoar o que passou,
reabrindo no peito o horizonte que sou.
Já reparou: tudo se enfeita de azul para te ver chegar,
e mesmo o sol egocêntrico esquece seus dezembros,
para em plácida luz nos aquecer e renovar.
Meu amigo 4 de maio,
sei que te escondes nessa data,
qual máscara a cobrir teu verdadeiro rosto, o tempo.
Não cobro teu retorno,
tudo farei para merecê-lo,
seja qual for minha idade.
Leve minha eterna gratidão a teu pai,
cujo nome é eternidade.
DE PÉ
já posso te chamar de amigo?
Creio que já o somos,
e não desde agora.
Não demora chega o dia 5,
sei que você já precisa ir embora.
Agradeço-lhe como me acordou hoje:
com a mesma novidade de quando nasci,
apesar de já serem muitos os dias de aniversário.
Amo rever-te,
saiba disso, amigo raro.
Espero te ver de novo,
no próximo ano,
logo ao abrir de maio.
Desejo ainda muito te receber,
sei lá ainda por quantos encontros.
Não te peço nada,
nem te faço promessa.
Nunca olho para suas mãos quando chega,
nelas não indago por presentes .
O que gosto é de apertar a mão da gente,
e mais uma linha na palma escrever, sem pressa.
Sou muito grato pelo seu retorno ,
que seja sempre assim o seu chegar: novo.
Contigo aprendo a perdoar o que passou,
reabrindo no peito o horizonte que sou.
Já reparou: tudo se enfeita de azul para te ver chegar,
e mesmo o sol egocêntrico esquece seus dezembros,
para em plácida luz nos aquecer e renovar.
Meu amigo 4 de maio,
sei que te escondes nessa data,
qual máscara a cobrir teu verdadeiro rosto, o tempo.
Não cobro teu retorno,
tudo farei para merecê-lo,
seja qual for minha idade.
Leve minha eterna gratidão a teu pai,
cujo nome é eternidade.
DE PÉ
Quando na manhã me levanto,
pelos meus olhos acorda outro
diferente daquele que ontem se foi deitar.
Fui dormir árvore,
desperto broto,
de novo a vida a germinar.
Fui dormir árvore,
desperto broto,
de novo a vida a germinar.
Levanto-me como se levanta Espinosa
em cada página de sua obra:
sem lamentar o que foi,
sem temer o que será,
bem-dizendo o que é.
sem lamentar o que foi,
sem temer o que será,
bem-dizendo o que é.
Feito a vida em seu esforço,
pronta a começar de novo,
pondo-se de pé.
pondo-se de pé.
a arraia
No poema
“Agroval”, Manoel de Barros narra o que faz uma imensa arraia quando as águas do pantanal secam e
põem a vida em perigo: a arraia abre suas grandes asas e pousa no barro, retendo parte da água
abaixo de si. No espaço entre seu abdômen e o chão úmido o coração do pantanal é transplantado para perseverar ainda vivo.
Generosa, a arraia deixa tudo o que
corre perigo vir morar sob suas
asas, fazendo delas abrigo. Migram não
apenas bichos, instalam-se também sementes
de futuras flores e frutos, de tal modo
que debaixo da arraia tudo o que vive acha um útero. Sob a proteção de tal Gaia, a vida
continua, resiste, fortalece-se; acontecem agenciamentos, contágios,
enamoramentos da vida por ela mesma, una e múltipla. Até mesmo uma festa se
esboça, feito uma kizomba a celebrar a
vida salva pela Vida. Pois quando as águas do pantanal vão secando , aumenta a lama e vai sumindo o
oxigênio. Os predadores sorrateiros lucram com a desolação e ficam à espreita para predar a vida que sufoca
. Mas a arraia é resistente: quando o oxigênio falta às águas, a arraia aprende
a sorvê-lo do ar para partilhá-lo com os
que procuraram teto sob suas asas. Aconteça o que aconteça, nunca a arraia se entrega ou desabraça. Quando as águas novamente
caem do céu e a vida pode recomeçar, a arraia levanta as
asas e parteja os seres que salvou do perigo.
quinta-feira, 2 de maio de 2019
jardins de maio
Para quem no inverno acreditou nas sementes já quase mortas,
e ainda as dividiu com quem não as tinha;
e na primavera as
plantou no ventre das horas,
cuidando para que não as sufocasse a erva daninha.
Para quem no verão não festejou antes do momento,
colhendo verde o que ainda precisava de tempo.
Chegou o outono, maio
já não é só promessa :
com alegria e gratidão,
colha o que nasceu do grão ,
sem pressa.
quarta-feira, 1 de maio de 2019
a aula...
Tempos atrás, para comemorar o Dia
dos Trabalhadores, o Teatro do Oprimido fez uma apresentação na Uerj. O
hall estava cheio, com estudantes de
várias áreas sentados no chão formando
uma roda, uma “ágora”. O Teatro do Oprimido abolia palco e roteiro, acontecendo
o mais próximo possível da realidade
concreta. Augusto Boal , seu criador, foi ao centro da roda e explicou o tema da peça : uma preconceituosa elitista
cujo filho era dependente de
drogas, porém ela desconhecia o fato. Isso gerará uma situação onde haverá um
opressor e um oprimido. Boal se retira , a peça começa.
A cena que abre a peça mostra o filho
entrando escondido no quarto da mãe para
surrupiar um relógio caro para trocá-lo por drogas. Ao se dar conta do furto, a mulher chama pela empregada . Mal a trabalhadora entra,
já a fere um grito: “Cadê meu relógio!?”, sendo acusada de ladra. Por
ter feito faculdade, a patroa não se equivocava nas regras da gramática.
Inclusive, essa destreza com as palavras
tornava a opressora mais cruel no emprego delas como arma. No auge do preconceito, entra o Boal e diz: “parem a cena!”. Ele se
dirige então à plateia e pergunta se alguém
quer tomar o lugar do oprimido para
tentar vencer o opressor. Uma estudante de psicologia levantou a mão,
foi até ao Boal e pegou a vassoura da personagem ( era o elemento cênico a
simbolizar o oprimido). Como não havia roteiro, a estudante poderia interromper
o fluxo verbal da opressora quando quisesse. Porém, a atriz-patroa,
extremamente hábil e agressiva, pôs abaixo com facilidade as táticas
psicológicas da estudante. A aluna pediu
para sair. Outro estudante levantou o
braço , um estudante de direito. Boal passou-lhe a vassoura , recomeçou a
peça. O garoto argumentava bem , era confiante. Mas ele tinha um ponto fraco:
comportava-se mais como um advogado, não
como a vítima de fato. Também não resistiu... Ninguém mais levantava a mão,
fez-se um silêncio.
Então me virei para trás e vi, na
entrada do banheiro feminino, a faxineira de verdade da Uerj espreitando tudo. Ela estava “invisível” a todos. Quando
o Boal perguntou se deixaríamos a opressão vencer, a faxineira
tomou coragem e gritou: “eu vou enfrentar ela!”, e foi atravessando de vassoura na mão por entre
os alunos . O Boal a recebeu com um sorriso, perguntando o nome dela. “Maria da Anunciação ”, respondeu
nervosa. Boal deu-lhe a vassoura da
personagem e Maria passou ao Boal a vassoura que era seu
ganha pão. E as vassouras, a da arte e a da vida, eram exatamente iguais!
Quando a peça recomeçou, a patroa retomou seus fascismos. Contudo ,Maria não se
curvou, tampouco entrou em disputas dialéticas. Ela segurou firme a vassoura ,
seu “ganha pão”, e fez dela também seu
instrumento de indignação: Maria saiu dando vassouradas na opressora
preconceituosa... E batia de verdade! Foi preciso toda a equipe para
segurá-la, Maria era forte, muito
forte.... Explicaram para ela que era tudo de mentira.Maria respondeu:
“Mentira!? É que isso não acontece com vocês!”. Aos poucos ela foi se
acalmando, pediu água com açúcar, já sorria. Todo mundo sorria. E de vassoura
na mão voltou Maria para seu
trabalho passando sorrindo diante da gente como uma professora
que acaba de dar uma excelente aula.
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