“Ariadne” significa “aranha”. Como a
aranha, Ariadne é produtora de um fio: o “fio de Ariadne”. Enquanto as Moiras
tecem urdiduras com o férreo fio do
Destino, e são elas que também cortam o fio da vida para assim trazer a morte,
o fio de Ariadne é meio para quem
quer inventar novos caminhos, novas tramas. O fio de Ariadne tem a cor
vermelha. Ele se desprende de um novelo tal como o sangue se desprende do
coração que o bombeia. O fio de Ariadne não nasce de um ponto e termina em
outro, como as linhas traçadas com régua. O fio de Ariadne nasce de um novelo
do qual é puxado. “Novelo” significa: “novo elo”. O novelo é um ventre potencial para novos elos.
Quem tem dentro de si um tal novelo nunca fala e age só com o ego, mas sempre a partir de uma ancestralidade
cheia de vozes unida a um berçário de falas novas que ainda nem sabem balbuciar
idiomas. Não que nesse novelo tudo já esteja dito: ao contrário, é esse novelo
que nos faz ter o que narrar e dizer. Esse novelo é fonte para um “afloramento
de falas”, diria Manoel de Barros. Riqueza não é ter dinheiro ou propriedades,
riqueza é achar dentro de nós esse novelo
para com ele criarmos novos elos; e assim vencermos, quem sabe, esse
funesto destino nos quais as Moiras de hoje querem nos ver atados e presos.
Ariadne tinha um par: Dioniso. Ao
contrário do Minotauro , a “besta” do
labirinto que aprisiona , o labirinto de Dioniso era produzido de seu deambular sempre criador de direções
novas. É por isso que de seus caminhos não há mapa ou estradas prévias, como
todo caminho libertário . Somente o fio
de Ariadne traça e acompanha a liberdade de caminhos de Dioniso-Nômade-Andarilho.
Certa vez, Teseu quis entrar no
labirinto para matar o Minotauro. Teseu representa a racionalidade masculina
que teme a vida e quer dominar os instintos à força, já Minotauro simboliza as
pulsões que ameaçam a nós mesmos quando ficam presas e reprimidas. A “sede de
sangue” do Minotauro não vem do
herbívoro touro, essa sede de violência vem
da parte humana acéfala, essa sim a “besta”. A luta de Teseu contra o Minotauro simboliza o
confronto entre uma cabeça teórica sem corpo contra um corpo sem cabeça. Nessa
luta, quem sempre
perde é a vida que está no homem, seja pela neurose , quando a cabeça
vence, seja pela barbárie , quando quem vence é o acéfalo.
Ariadne simboliza o fio da Vida ;
Dioniso, o avançar da arte. A composição de ambos cria linhas de fuga que
transmutam as energias pulsionais em impulso para a vida avançar sempre mais.
“O andarilho abastece de pernas as
distâncias.” (Manoel de Barros)
Obs.: A palavra latina "occursus" que aparece na capa do livro aqui acima tem sua origem na "Ética" de Espinosa . “Occursus” foi traduzida como "encontro". Espinosa dizia que existem os bons e os maus encontros. Os bons encontros nos potencializam, enquanto os maus nos entristecem e despotencializam. Mas a palavra "occursus" também significa "circuito". E esse sentido talvez explique ainda melhor o que é um encontro em Espinosa: o bom encontro cria um circuito onde energias passam, ideias fluem, afetos são partilhados, ações são construídas juntos; já o mau encontro é , literalmente, um curto-circuito que ameaça a nós mesmos.
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