quinta-feira, 29 de novembro de 2012

o fio de Ariadne






Teseu representa a racionalidade simbolizada pelo homem como padrão.Teseu anda sempre firme, não dá um passo sem planejar antes onde pisa e como pisará.Teseu teme o imprevisto, e evita tudo o que não cabe em uma forma. Teseu quer a tudo dominar com régua e compasso. Seu caminho é feito de estradas retas , às vezes curvas.Mas raramente ele salta ou sai para “andar atoamente”, como diria Manoel de Barros.Um dia, uma vontade nasceu em Teseu: matar o Minotauro. Este era um ser híbrido: nem homem e nem touro, mas a soma dos dois, cujo todo fazia nascer um ser diferente do que a mera soma das partes.E era isso que o fazia um monstro: ele não era uma coisa ou outra, porém as duas ao mesmo tempo, e esta coisa que ele era não se podia classificar segundo um conceito.Um ser assim somente podia morar em um labirinto. Onde todos se perdem: era aí que o Minotauro se sentia em casa...O labirinto é um lugar que se entra, mas do qual não se sai, embora ele não seja infinito. No labirinto vira-se à esquerda ou à direita indistintamente, o que fere a lógica da direção. O labirinto é o fragmentar de uma reta, e é por isso que ele choca. Ele é o fragmentar infinito de uma mesma reta que não leva mais a nenhum lugar.É por isso que o centro do labirinto não é como o centro de um círculo ou como o centro de uma caverna, uma vez que ele não é um centro que abriga ou protege; ao contrário, nunca se sabe quando se chega nele, pois isso equivaleria a conhecer a própria ignorância. Contudo, conhecer a própria ignorância já é vencê-la. O labirinto não nos permite conhecer para aonde se vai ou de onde se veio. Há apenas o desejo de se sair dele, sem se saber os meios. Pois o que poderia ser um meio para dele se sair, pode ser um meio para nele entrar e se perder, sem se saber se se está no meio dele ou perto de sua saída. O Minotauro mora no centro do labirinto.Quem descobre o centro do labirinto, encontra o Minotauro, e desse encontro não há sobrevida: é a loucura, o absurdo da vida.Ligados umbilicalmente, um homem e uma besta, um homem e uma fera. E os dois formam um só. Isto devora e nos devora: devora o que em nós é homem. É a isto que Teseu não tolera: este um feito de contrários, pois isso impediria, segundo ele, a distinção do Bem e do Mal, do Racional e do Animal, enfim, da Lei e da Força.Mas o que Teseu desconhece é que tanto ele quanto o Minotauro são um aspecto da vida: o animal fundido com o homem, com o predomínio daquele; o racional junto ao animal, com aquele reprimindo este. Teseu pensa que pode vencer o Minotauro, e de fato o poderia se o encontrasse em céu aberto, sob a luz do sol da Razão. Todavia, Teseu ignora que não pode vencer o labirinto.O impede de vencer o labirinto exatamente a arma da qual ele extrai seu poder: o conhecimento retilíneo, racional.Para entrar no labirinto , Teseu teria que se despir de sua lógica. Entretanto, se isto ele fizesse, ficaria Teseu sem seu escudo e sem sua arma.
Então,salva-o um terceiro aspecto da vida: Ariadne. Em grego, Ariadne provém de um termo que significa “aranha”. A teia da aranha é uma espécie de labirinto onde a aranha aprisiona suas presas. Assim, Ariadne é uma produtora de labirintos. É por isso que ela o conhece bem, pois conhecer uma coisa é ser capaz de produzir a idéia que nos permite conhecê-la. Ariadne não está presa dentro de um labirinto, tal como o está um prisioneiro dentro de uma cela, sobretudo se esse prisioneiro ignora a prisão e imagina que a cela o torna forte pelo fato de ninguém conseguir sair dela, tal como acontece com o poder do Minotauro, que é o mero poder da destruição; tampouco Ariadne vive o labirinto como se fosse um meio externo que a limitasse . Artista, ela conhece como se produz um labirinto, e sabe que para vencer um labirinto é preciso um fio, uma linha. Não uma linha que se traça com esquadro ou régua, mas uma linha que se desprende de um novelo, e que permanece ligada a este, tal como permanece ligado o produto ao seu produtor, o raio à fonte de luz, os atos ao seu autor, o rio à sua nascente. O novelo é uma virtualidade da qual a linha nunca se separa, o que faz dela uma linha de fuga, como diriam Deleuze e Guattari. Novelo significa: "novo elo". Um novelo é feitos de elos, virtuais agenciamentos, e não linhas retas que começam e terminam em pontos, em egos.Entre o racional de Teseu e o irracional do Minotauro está Ariadne como expressão da Arte. É com o fio de Ariadne que Teseu, desperto, entra no labirinto e mata o irracional enquanto este dorme. O fio de Ariadne, fio do Amor, permite a Teseu entrar e sair do labirinto, sem morrer ou enlouquecer. Porém, Teseu apenas seduzira Ariadne, pois logo a abandona quando consegue lograr seus intentos neuróticos. Todavia, por muito tempo não chorou Ariadne , logo a desposa Dioniso, o Deus cujo nome seu poder revela: Di-oniso, “aquele que nasceu duas vezes”,onde o segundo nascimento, que é em verdade um renascimento, explica e dá sentido ao primeiro nascimento.Enquanto não se renasce, renascer nesta vida onde nascemos e não noutra, o primeiro nascimento permanece obscuro, sem sentido, um mero viver ao sabor do que acontece.O renascer não é uma outra vida: mas potencialização da Vida que nasce, renovada, de si mesma.

sábado, 24 de novembro de 2012

holos





Holístico procede de "holos", que significa, em grego,  "todo" ou "completo". Em uma época de especializações e conhecimentos compartimentados como a nossa, o pensamento holístico se apresenta como um antídoto a tal proceder esquizóide ( esquizo: o que vive à parte).Assim, o completo é aquilo ao qual nada falta.O holismo não é alcançado pela junção de partes, parte a parte, como num quebra-cabeça. O holismo se expressa na relação de cada parte com o todo, numa relação íntima, e não mediante determinações exteriores.Somos completos na medida em que nos sabemos como partes do que é Completo. Cada parte se torna completa quando expressa o todo em seu íntimo, em seu desejo.Integrada ao todo, cada parte se compõe com a parte que lhe é exterior, uma vez que o próprio exterior não é exterior ao todo: o exterior é uma maneira de apreender o que não tem fora, posto que não pode ser limitado ( o que pode ser limitado não é completo). Tampouco o todo existe como um todo à parte, tal como rezam certos misticismos ascéticos. Assim, o holismo não é um materialismo ou espiritualismo, mas a integração de ambos em um todo que não é cinza, mas integração de todas as cores e seus matizes, bem como suas combinações ainda por descobrir:todas as vozes  dizem o Completo  quando cada uma é completamente parte dele, polifonicamente.Em Espinosa, a Natureza é o Completo: cada parte do Completo é completa, uma vez que o Completo não pode nascer da soma de incompletos.O Completo não existe à parte de suas partes singulares, e é isto o que as torna completas, mesmo sendo partes.Assim, cada parte se sabe completa quando se sabe parte do Completo.O Completo não é o que está pronto, mas aquilo cuja essência é Produção Absoluta: é produção não porque seja incompleta, e sim porque é completamente Produção.







quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A natureza em Espinosa


Certa certeza ao certo me levará
ao acerto certo com a natureza.
Walter Franco   
                                                                                                    



 
Etimologicamente, "natureza" provém de natus, "nascido", mais urus, que significa "gerar", "produzir".Assim, natureza é "o nascido a partir de uma força geradora", força esta imanente ao próprio nascido."Natividade" e "natal" ( lugar onde se nasce) guardam proximidade com o sentido de natureza.Desse modo, a natureza é sempre força que gera ou faz nascer, nunca força que destrói ou mata.Na vida cotidiana, em meio a acontecimentos que nos fazem sentir temor ou dor, sobretudo quando nos imaginamos ameaçados,acabamos por ver o destruir em tudo, como se o destruir pudesse ser uma causa, como um "demônio" ou personificação do "Mal" . Sob tal imaginatio, muitos maldizem a vida como um "vale de lágrimas". Todavia, a natureza é sempre um fazer nascer: mesmo no que pensamos ser morte há um (re)nascer  que ignoramos.
Em grego, natureza se diz  physis. Todo ser finito, após nascer, vive a vida como um afastar-se desse acontecimento ( o nascer), e chama a esse afastar-se de crescimento. Assim, de criança o homem passa a adulto, e deste a idoso, o último termo do processo de afastamento da força que faz nascer.Dessa maneira, a vida aparece aos olhos do homem como um contínuo afastar-se do nascimento, como um rio que se perde da fonte,culminando com um ir para fora da natureza, para assim adentrar na "sobrenatureza" onde viveria o divino.Somente aí, dizem, a vida verdadeiramente começaria: longe da natureza.
Para Espinosa, porém, não existe sobrenatureza, a não ser como imaginação nascida do desejo de negar a natureza, isto é, o nascer.O idoso não é a criança que morre, mas o conservar na Vida uma vida que nasceu. O que pensamos ser a morte, é um conservar de outra maneira o que nasceu.Segundo Espinosa, a atividade da natureza para fazer nascer e a atividade para conservar o nascido são as mesmas, sobretudo porque a natureza é seu próprio fazer nascer: é deste que nasce o nascido.A natureza nasce dela mesma e se conserva como o nascido que traz em si o nascer.A natureza conserva o nascido no fazer nascer, de tal modo que a natureza nunca se afasta dela mesma, ela que é potência de produção da vida. Espinosa nos ensina que é possível, mediante a intuição , entrarmos em contato com essa força que faz nascer, para assim a apreendermos em nós mesmos , enquanto nascidos. Essa experiência sempre re-genera, nos faz nascer de novo, independentemente do quanto já tenhamos vivido, uma vez que o fazer nascer é a própria eternidade, e não algo que somente encontraríamos após morrermos.Em versos, Fernando Pessoa parece querer dizer o mesmo, quando diz que o poeta é sempre renascido quando vê/sente a "eterna novidade do mundo".