terça-feira, 14 de julho de 2020

interpretação e mensagem


“Interpretar” é uma das atividades mais importantes dentro do processo de ensino e aprendizagem. A prática da interpretação também tem uma dimensão política, revelando o modo como alguém se posiciona diante da realidade que o cerca. Certos modelos conservadores de ensino querem  fazer da tabuada e da cartilha  os únicos conteúdos a serem ensinados. E quem assim pensa, como o atual ministro da educação,  quase sempre tem em uma das mãos a tabuada ou a cartilha, enquanto a outra mão  segura uma palmatória , literal ou simbólica, para punir os insubmissos aos adestramentos. Em filosofia da educação há uma diferença entre “instruir” e “educar”. “Instruir” se faz com cartilhas , inclusive cartilhas que querem  subordinar o ensino  ao “Mercado”, ao passo que a educação é prática de , entre outras coisas, dotar o estudante da capacidade de interpretar.Interpretar é saber ler  não apenas livros. Interpretar também é saber ler a realidade de forma ativa: não apenas criticamente, mas também criativamente.
A interpretação é prática que se aplica sobre “mensagens”. “Mensagem” não é a mesma coisa que “informação”. Por exemplo, “dois mais dois é igual a quatro”, essa frase é uma informação, não é uma  mensagem . “O número é a alma das coisas (Pitágoras)”, esse é um exemplo de mensagem . Embora fale do mesmo objeto que o da informação, a mensagem transforma  esse objeto em questão  a ser pensada , sentida, enfim,  interpretada : “O que Pitágoras quis dizer ao afirmar que o número é a alma das coisas?” Não basta apenas saber matemática para interpretar essa mensagem, é preciso se indagar também acerca do que é uma alma.
Em grego, “interpretação”  se escreve “hermenêutica” : “ arte  de Hermes”. Na mitologia, Hermes é o “deus mensageiro, o deus que guarda e transporta mensagens”. Mas Hermes não é “neutro”. Certa vez, quando Dioniso foi despedaçado por seus carrascos, uma das versões desse acontecimento diz ter sido Hermes que salvou  e guardou o coração de Dioniso , o deus das artes. Hermes guardou o coração de Dioniso não como alguém que guarda tesouro em  cofres para torná-lo inacessível. Hermes  guardou o coração de Dioniso ao modo como a terra guarda a semente , ou o ventre ao feto: para mantê-lo vivo. Quem escreve ou lê uma informação não mostra ao outro a  pessoa que é (ao contrário , pode até mesmo esconder-se...).  Mas quem escreve  mensagens sempre coloca o coração que tem naquilo que escreve, assim como quem lê uma mensagem sempre a interpreta conforme  o coração que tem.

“Quem descreve não é dono do assunto, quem inventa é.” (Manoel de Barros)

(Manoel se formou em Direito, porém exerceu por pouco tempo a advocacia. Seu último cliente foi um comerciante acusado de roubar no peso das mercadorias. Na primeira e última conversa que teve com o comerciante, Manoel perguntou: “é verdade o que dizem: que você é desonesto?” O  acusado respondeu: “ é verdade, mas vamos inventar uma mentira que me inocente. Fique tranquilo : pago bem.” Manoel se despediu do mau comerciante e foi imediatamente falar com o dono do escritório: “ estou abandonando o caso...A invenção de que gosto é outra”, disse o poeta)


( Obs.: A atividade da interpretação, porém , deve ser precedida pelo esforço da pesquisa. Assim, melhor se interpreta um mito quanto mais se pesquisa/estuda acerca da mitologia como um todo. Não apenas a mitologia grega, mas as diversas mitologias dos povos diferentes. Mas apenas a pesquisa não garante a boa interpretação, assim como o mero condicionamento físico não faz a boa bailarina. Uma boa bailarina sempre é bem condicionada fisicamente, porém não é o bom condicionamento apenas que a torna uma boa bailarina. É por isso que interpretar não é apenas uma técnica, também é uma arte)




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