Segundo o filósofo Espinosa, a pior
fase da vida é a infância. Não em razão de haver algo ruim em ser criança. A
infância é uma fase difícil porque é
nela que mais dependemos da qualidade dos adultos e instituições que nos
cercam: se o adulto for um tolhedor, correm sérios riscos de serem amputadas as
asas com as quais toda criança nasce. E às vezes essas asas são cortadas antes
mesmo de se abrirem...
O adulto pode fugir dos maus
encontros, mas as crianças são mais vulneráveis a esses maus encontros, de tal modo que o tolhedor
pode passar para dentro da criança, fazendo
crescer nela um adulto ressentido
de tesoura na mão também.
Mas se os adultos e instituições que
cercam a criança potencializam e encorajam seus voos e descobertas, ser criança
se torna a experiência mais rica que pode existir, e dela nascerá de fato um
adulto que não deixará morrer seus devires-criança, devires esses que são
incapazes de viver os adultos infantilizados pelo Poder Autoritário, Pai e
Padrasto dos ressentidos e vingativos.
O filme “A língua das mariposas” fala
do encontro de um menino com a educação que lhe abre e potencializa as asas.
Como o filme é espanhol, nessa língua “mariposa” é o que nós chamamos de
“borboleta”. Dessa forma, o título correto é “A língua das borboletas”.
Às vezes a sensibilidade da criança
está enrolada dentro dela como a língua
da borboleta enrolada em torno de si mesma. Assim como a língua da borboleta se desenrola quando se vê
diante do néctar, a sensibilidade da criança se desenrola e se torna
exploratória do mundo quando é apresentada ao néctar das ideias.
Pois as ideias que abrem a criança
para o mundo são também ideias para
serem sentidas, provadas, saboreadas. Não por acaso, “saber” e “sabor” são
palavras primas com origem comum : aprender
é “tomar gosto” pelo conhecer.
O filme se passa durante a ascensão
do fascismo na Espanha. E a ascensão do fascismo é igual em toda época e lugar
: lá como aqui, coturnos do ódio ameaçando pisotear os jardins onde crescem as
flores multicoloridas e seus néctares. Mas antes de pisotearam os jardins, os
coturnos da ignorância ameaçam os jardineiros, que são os artistas, os
pensadores, os educadores, os libertários.
A primeira vez que passei esse filme foi num
curso para formação de professores que ministrei tempos atrás. Era uma turma só
com professores aprendendo a ensinar. Como diz Deleuze, “o aprender vem antes
do ensinar”. Poucos filmes nos ensinam tanto acerca da potência libertadora da
educação. E também poucos filmes
nos mostram com tanta indignação e
dor o horror que se torna a face fascista quando ela se encarna na face
cotidiana do vizinho, do parente, enfim, de quem se diz “homem de bem”.