domingo, 5 de julho de 2020

o poeta e as desaprendizagens


O poeta Manoel de Barros afirma que às vezes é preciso aprender “desaprendizagens”. Foram os pintores Miró e Paul Klee que ensinaram ao poeta quando o “desaprender” se faz necessário . Foi assim: Miró e Klee já eram famosos e reconhecidos. O  estilo singular deles, antes novo, agora  estava virando “Padrão”  que os donos de galeria queriam ver imitado  pelos artistas novos. Miró e Klee se tornaram “Cânones”, réguas para medir os outros. A diferença que eles inventaram  foi  então embalada como mercadoria  para compra e venda:  virou “clichê”. Perdendo a confiança neles mesmos, empalhados vivos  pela fórmula que se tornaram, eles passaram por uma crise de criação, pararam de criar. Quando tentavam pintar, parecia que a obra nascia de um molde ou fôrma , feito  prisão que represava um  fluxo de cor  que já vivia dentro deles, mas que não encontrava saída.
Até que , de repente, eles começaram a pintar com a mão esquerda: a mão ainda não adestrada, mão de criança.  E assim redescobriram a infância e a eles mesmos:  reinventaram-se num devir-criança. Cada criação  era o criar  de novo nascendo ─ como novidade, experiência e descoberta. Ao desaprender o “acostumado”  da mão direita, os artistas redescobriram  a pintura e a eles mesmos: reencontraram a alegria da criança cujo brincar e inventar é a coisa mais séria e verdadeira.Toda gramática , não importa se linguística , existencial ou política, é sempre da direita ; mas a reinvenção de  poéticas   é ação e arte da  mão esquerda.

“Liberdade não é o que se opõe à necessidade, liberdade é o que põe a necessidade da ação” (Espinosa, “Tratado político”, §11).

( imagem: “O jardim”, de Miró )



- imagem abaixo: "Sonho forte" / Klee:

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