O filósofo Leibniz dizia que se a
gente prender uma semente na mão, com o
tempo ela apodrece. Mas se a gente plantar a semente, cuidar e cultivar, dela
nascerá uma árvore. Da árvore nascerão incontáveis frutos : dentro de cada um,
uma nova semente. Se a gente plantar essas novas sementes, delas nascerão
outras árvores, cada uma com inumeráveis frutos, cada fruto grávido de novas
sementes. Naquela primeira semente havia virtualmente uma floresta inteira ,
uma floresta-potência, assim como em uma
criança está a humanidade à espera de crescer. Pois humanidade não é uma
quantidade numérica afim a rebanhos,
mas uma potencialidade inseparável de nossa singularidade, e que se cultiva com educação, afeto e liberdade . Para uma potencialidade
florescer, da semente ou de uma criança, é preciso um exercício de cuidado e um
espaço aberto livre de estreitezas. Quem descobre tal floresta dentro de si não
aceita viver limitado por cercas : como diz Manoel de Barros, mundos por criar desabrem dentro e saltam
para fora . Na imanência de uma ideia libertária há sempre outras ideias, infinitas ideias,
pois toda ideia libertária é plural e
múltipla, já nos ensinava Espinosa. Educadores plantam ideias-sementes,
obscurantistas se armam com motosserras.
Reduzindo a vida a mero negócio, esses obscurantistas só aceitam sementes que possam manipular
como se fossem moedas. Quando as plantam, tais sementes se tornam tão
fracas que, para se manterem vivas, precisam de veneno, de muito veneno, que mate as outras vidas diferentes delas .
Então, os obscurantistas derrubam as
heterogêneas e múltiplas florestas , deixando no lugar apenas morte e deserto .
Depois cobrem esse deserto com soja
homogênea parecendo um rebanho vegetal , para assim virar óleo e fazer as engrenagens do Capital
girarem , ou então farelo que só aos
porcos engorda.
Ao falar da semente descobrindo-se floresta,
Leibniz se refere simbolicamente à educação e ao seu papel crítico, criativo e
emancipador. Dentro da semente não está
a floresta com suas árvores já prontas e individuadas, pois a floresta que
existe dentro da semente é uma floresta em rascunho, uma floresta-embrião, que
somente nasce se a semente for plantada em terra fértil e horizontada.
Essa floresta-potência existe não como
quantidade determinada, mas como intensidade de uma vida que nasce de si mesma
e frutifica , ao mesmo tempo singular e plural.
“Poeta é ser que vê semente germinar.
Nas fendas do insignificante ele
procura grãos de sol.” (Manoel de Barros).
“O grande segredo do regime autoritário e seu interesse vital consistem em
enganar os homens, travestindo o medo com o nome de religião , com o que se
quer sujeitá-los; de modo que eles combatem por sua servidão como se se
tratasse de sua salvação.” (Espinosa)
“Com a sentença dos Anjos, com o consentimento de Deus [...] nós Excomunhamos, apartamos, amaldiçoamos e praguejamos a Baruch de Espinosa [...]. Maldito seja de dia e maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar e maldito seja em seu levantar, maldito ele em seu sair e maldito ele em seu entrar; não queira Adonai perdoar a ele, que então semeie o furor de Adonai e seu zelo neste homem e caia nele todas as maldições escritas no livro desta Lei. E vós, os apegados com Adonai, vosso Deus, sejais atento todos vós hoje. Advertindo que ninguém lhe pode falar oralmente nem por escrito, nem lhe fazer nenhum favor, nem estar com ele debaixo do mesmo teto, nem junto com ele a menos de quatro côvados (três palmos, isto é, 0,66m; cúbito), nem ler papel algum feito ou escrito por ele”. Trecho do “Herem” (“Censura” ) aplicado ao jovem Espinosa (23 anos ele tinha à época) , como parte de sua excomunhão. Detalhe: em 2012 , cientistas e filósofos israelenses se reuniram para elaborarem um documento solicitando que as autoridades religiosas israelenses suspendessem, enfim, o “Herem” ( que ainda continuava em vigor!). Mas as autoridades religiosas indeferiram o pedido alegando que a pessoa de Espinosa morreu, porém seu pensamento ainda continua vivo.
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