sábado, 27 de janeiro de 2024

a semente do filósofo

 

É por volta dos seis  anos que a criança começa a levantar questões: “o que é vida?”, “o que é o tempo?”, “de onde vim?” , “para onde vou?”... Nessa idade, toda criança é uma filósofa em semente.

 Quando aprendeu a andar, a pequena criança pôs-se de pé vencendo a gravidade . Agora, quando começa  aprender a pensar, a  criança também quer   levantar-se e pôr-se de pé, exercendo a compreensão de si e do mundo.

 É de pé que se podem ver  horizontes, tanto os externos quanto os internos : pôr-se de pé  é “horizontar-se” ,  ensina o poeta Manoel de Barros.

Esse impulso para levantar-se é a força da vida se expressando na criança; e a educação nada é se não for um meio para manter esse impulso ainda mais vivo e potente, pois é na singularidade da criança que também se ergue a humanidade, por mais que tiranos a queiram de joelhos.

A criança levanta questões para levantar-se. E mais importante do que as respostas que possamos dar, mais importante é manter vivo esse impulso de questionar , para que a criança, crescendo por fora e por dentro, possa se levantar mais alto do que a gente mesmo que a ajuda a levantar-se : para que o futuro que há nelas também   nos erga.

Quando levanta questões, a criança não quer que a gente a coloque nos nossos ombros  para torná-la dependente  das  nossas pernas adultas cheias de certezas; ela quer se levantar com as próprias pernas, mesmo que seja para depois sair correndo brincativamente numa  linha de fuga lúdica.

E se nossas pernas quiserem alcançar aonde vão as crianças, é preciso criar em nós também um devir-criança.  Pois a própria criança nos ensina que pensar não é reproduzir ou obedecer, pensar é erguer, erguendo-se. E o tamanho conquistado será da amplitude das questões levantadas.

Segundo  o poeta  Fernando Pessoa,   o que nos põe de pé não são pés e pernas, o que nos põe de pé é a coluna  cervical , cujo formato lembra exatamente um ponto de interrogação [? ].  Os pensamentos e quereres nascem na cabeça, porém não chegariam às mãos e pernas, transformando-se em ação sobre o mundo,  se não fosse pela coluna cervical  que transforma pensamentos e quereres em impulso que move o corpo.

A coluna cervical une a teoria à prática, o sonho à realidade, a utopia à efetividade, enfim, o que apenas pensamos internamente  ao que precisa ser feito  externamente , no mundo.

Certa vez , perguntaram ao poeta Sérgio Sampaio o que ele achava do envelhecer e do passar dos anos. O poeta respondeu mais ou menos o seguinte: “Cada ano que passa é um garoto novo que o tempo junta aos outros garotos que ele em mim já criou. Hoje tenho 40 anos : são 40 garotos que sou. Cada um deles me recriou”.


( Escrito há quase 500 anos, este livro   permanece ainda  revolucionário em sua proposta educacional, cuja base é a filosofia e a poesia)


 

(Originalmente, o livro que sugeri é parte desta obra maior de Montaigne)



 




quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

O nascimento da Terra

 

Vi recentemente um vídeo feito a partir da câmera de uma nave que pousou na lua. Com a câmera apontada para o horizonte lunar , o vídeo mostrava um nascimento: não o  do sol, mas o  do nosso planeta  terra, que  se erguia suavemente  no horizonte e irradiava  uma aurora azul.

Nosso  planeta  terra é cerca de 50 vezes mais brilhante do que a lua! Ou seja, a terra ilumina com muito mais intensidade  a lua do que lua a terra. Favorece essa maior luminosidade a imensa superfície dos oceanos  refletindo e ampliando , como um  espelho convexo, a luz do sol.

Nas escolas nos ensinaram , desde pequenos, sobre a luz das estrelas,  sobre a luz do sol , sobre a luz da lua. Mas nunca nos ensinaram  sobre a luz azul da Terra! Luz essa da qual fazemos parte, porém   a ignoramos...  

E a ignoram ainda mais os trevosos que predam e destroem a Terra, sem falar naqueles que a negam  imaginando-a  plana e ainda a desprezam na crença de que nosso verdadeiro lar fica num invisível  “Além”...

Mas se houvesse vida na lua desde o início das eras  , com certeza a luz da Terra seria a mais amada e querida por seus habitantes quando interrogassem , com os olhos, o céu ;  de tal modo que a vida nascida  lá não teria evoluído apenas  inteligente, também se desenvolveria umbilicalmente   senciente e pensante.

A ciência dos homens aqui na Terra teve por patrono o Apolo-Sol, mas que tipo de saber poderia nascer sob a inspiração de Gaia-Terra-Pachamama vista brilhando azul no céu?

Talvez a beleza singular e rara da aurora azul da Terra despertasse por lá mais poetas, mais pensadores ,  mais artistas... Todos movidos pelo desejo de cantá-la, de poetizá-la, de pintá-la , enfim,  de conhecê-la , pois o pensamento seria como  “o telescópio de uma astronomia  apaixonada” (Deleuze).               

 E o sonho de um  Paraíso alimentado  por  alguma  mitologia ou religião que surgisse lá teria na Terra o seu exemplo, destino e lar .



 “Terra, não é isso que desejas:

    renascer em nós, invisível?”

                               (Rilke)

 

 

( Não por acaso, dos livros que tenho este é o que possui a capa de que mais gosto)






 

 

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Espinosa e o ânimo

 

Para Espinosa, não apenas as ideias são modos ou  maneiras da mente, os afetos igualmente  o são. Os afetos também envolvem o pensamento: eles são modos ou maneiras de pensar, um pensar que também  sente.

Por essa razão, há uma diferença entre as ideias e os afetos: enquanto as ideias dizem respeito à mente em seu aspecto intelectual-cognitivo, os afetos expressam a mente enquanto “ânimo”. O ânimo é a mente enquanto unida indissociavelmente ao corpo, isto é, à vida.

A coragem, segundo Espinosa, é a presença do ânimo levando-nos a agir. A covardia e o  medo ,ao contrário, são  uma forma de des-ânimo: enfraquecimento ou despotencialização do nosso ânimo, isto é, de nossa mente e de nosso corpo.

Talvez seja por isso que as tiranias se tornam mais fortes quanto maior for nosso desânimo... E, ao contrário , o ânimo potencializado é sempre o agente de emancipação e dignidade  da vida, tanto a pessoal quanto a coletiva.  O ânimo fortalecido não apenas resiste, ele também luta, persevera,  congrega e cria: no sentido amplo da palavra, educa.

Os filósofos e poetas que mais nos tocam e afetam são aqueles que  escrevem e falam não  apenas com a mente, teoricamente ; eles falam e escrevem também com o ânimo, vitalmente :  para que os leiamos ou ouçamos não apenas com  olhos e ouvidos   , mas com todo nosso ser , que assim se enche de ânimo para agir.

 

( A referência do texto é a obra  “Ética”, Parte 2, axioma 3. O livro de Nise é apenas uma sugestão de leitura. Como ensina Nise inspirando-se em Espinosa, a mão que pinta, esculpe e borda também fortalece o ânimo e auxilia na  conquista de  saúde mental . A mão  que cuida e doa também fortalece o ânimo, ao passo que o adoece a mão que apenas sabe contar dinheiro... )




 



 

domingo, 14 de janeiro de 2024

Espinosa : afeto, ideia e pensamento

 

Para Espinosa, não apenas as ideias são modos ou maneiras do pensamento, o amor e o desejo também o são[1]. Ideia, amor e desejo têm algo em comum: são modos do pensamento. Amor e desejo também são maneiras de pensar. Mas há uma diferença entre a ideia e os outros dois modos do pensamento citados aqui, uma vez que amor e desejo são afetos. Assim, ideia e afetos são modos do pensamento, são maneiras de pensar.

Segundo Espinosa, os afetos nunca se dão sozinhos no pensamento, eles sempre ocorrem com a presença de uma ideia. Por exemplo, para amar algo é preciso haver na mente  a ideia daquilo que se ama; para se desejar uma coisa , é necessário ter a ideia do que se deseja.

Os afetos são referidos por Espinosa ao “ânimo”. O ânimo é a mente compreendida mais do que no sentido meramente intelectivo, uma vez que o ânimo é a mente unida ao corpo , à vida[2].

Apenas a ideia, enquanto modo do pensamento, pode ser concebida pelo pensar sem a necessidade de um afeto do qual dependa. Essa autonomia  da ideia será fundamental para compreendermos a “clínica” de Espinosa como meio para se vencer as paixões tristes geradoras de servidão e impotência. Mas para essa relação entre ideia e afeto ser melhor  compreendida, é preciso tocar em mais um ponto.

Os afetos não são ideias, embora sejam modos do pensamento  (entendido como ânimo) . Os afetos são modos não representativos do pensamento: os afetos não representam coisas, eles expressam, e é preciso sublinhar bem essa palavra,  processos do pensamento. Enfim, os afetos expressam nosso ânimo. Já as ideias são modos representativos do pensamento: elas têm seu “ideado” ( aquilo do qual são ideia) fora do pensamento.

Vejamos isso em um exemplo simples colhido na vida : João ama Maria. João sente o afeto-amor acompanhado da ideia de Maria. Mas a ideia de Maria que João forma em sua mente não é a Maria que existe no mundo, pois há uma diferença entre a ideia, enquanto modo do pensamento, e seu “ideado” ( o ser ou objeto que corresponde à ideia). De igual maneira,  o amor não é Maria, o amor é um modo do pensar que expressa um estado da mente de João, o seu ânimo.

Pode ser que esse amor tenha nascido  sem João conhecer bem Maria, um amor causado por meras aparências ( e não apenas a aparência física). Quando o amor nasce assim , ele se torna tão inconstante quanto as aparências que projetamos sobre os seres externos, podendo assim levar ao sofrimento ou frustrações, caso Maria não sinta o mesmo por João. E o pior: João pode ficar ressentido com Maria por ela não ser como a ideia que ele tinha dela, uma ideia criada mais pela imaginação do que pelo entendimento do real ser de Maria.

Por outro lado,  mais potente será o afeto-amor quanto mais adequada for a ideia que formamos do ser amado; e , ao contrário, mais inconstante e impotente será o amor nascido de aparências ou ideias confusas acerca do objeto amado.  

Enfim, a confusão entre ideia e ideado tem por fundo uma confusão que a antecede : a não distinção entre ideia e afeto, representação  e expressão.   O afeto é um processo que expressa mais a mente do que representa  coisas externas. Se essa natureza expressiva do afeto não for compreendida[3] , o afeto assim sentido será fonte de dor e sofrimento:  amores formados dessa maneira   facilmente passam ao seu contrário, o ódio.  

Um processo clínico de conhecimento dos outros   e autoconhecimento de nós mesmos pressupõe que compreendamos  a diferença entre ideia e afeto, a começar pela ideia que devemos formar de nós mesmos, para  que os afetos sejam fonte de bons encontros com os outros.

Mas esse amor-afeto reportado à ideia das coisas externas será mais confiante e potente se ele for precedido por outra forma de amor, um amor que é acompanhado da ideia de algo que nunca se ausenta, que nunca falta , que nunca muda conforme as aparências: a ideia de Deus ou do Absolutamente Infinito, ou seja, aquilo que Espinosa chama de Natureza.

O afeto-amor  que nasce da compreensão do Absolutamente infinito nunca passa ao seu contrário , nunca se converte em ódio, uma vez que quem compreende Deus compreende igualmente a necessidade de sua existência, e a da nossa própria existência como parte dela, com todos os acontecimentos que ela implica.

Por isso , a compreensão da ideia de Natureza  nunca vem com a ideia sozinha, uma vez que ela faz nascer na mente afetos afirmativos que não dependem da reciprocidade das coisas externas, também nos levando a nos relacionar de forma diferente com as coisas externas, inclusive no afeto reportado a elas.

Assim, quando pensamos nas coisas finitas que nos cercam, as ideias que formamos delas podem existir sem a presença do afeto, embora a ideia adequada das coisas sempre gera em nós, como efeito, o afeto da alegria.  Mas quando formamos a ideia de Deus, dessa ideia nasce necessariamente o afeto-amor. Não o amor meramente subjetivo ou romântico, e sim amor enquanto compreensão da Natureza de Deus.

Segundo Espinosa, há duas espécies de seres: o que existe em si e o que existe em outro. Deus[4] existe em si.  Os seres finitos , incluindo nós mesmos, existimos em outro, isto é, em Deus, e dele dependemos para existirmos  e sermos compreendidos.

Somente Deus  é causa de sua própria existência, uma vez que a essência de Deus é existir. A existência de Deus é idêntica à sua Potência que está sempre em ato. Ou seja, Deus não deixa de produzir algo hoje para fazê-lo amanhã, nem o que ele produz poderá deixar de  ser um dia. Tudo o que Deus produz como modificação ou maneira de ser dele é necessário e eterno.

Cada coisa singular tem por causa imanente Deus, porém compreendido de determinada maneira. E não há como compreender essa determinada maneira que cada coisa é sem compreender Deus, que age de infinitas e diferentes maneiras.

Não só as alegrias e amores que nos nascem em nossas relações com as coisas finitas externas, mas também os ódios e  as tristezas não podem ser compreendidos adequadamente sem compreendermos como é e age a Natureza. Sobretudo no caso dos ódios e tristezas (as paixões tristes), a compreensão adequada das causas que as geram nos auxiliam a não sermos efeitos delas, uma vez que a causa delas não são somente as coisas externas, mas a impotência que pode se instalar no nosso pensar quando não distinguimos adequadamente a ideia e seu ideado, a ideia e os afetos.

Deus é a causa imanente[5] da existência de todas as coisas, mas ele não é a causa de determinada coisa nos provocar ódio ou tristeza. O ódio e a tristeza nascem exatamente de não compreendermos  adequadamente as causas que fazem cada coisa ser como é.

 

 



[1] Ética, Parte 2, axioma 3.

[2] A “coragem” é definida por Espinosa como “presença do ânimo”, ao passo que a covardia é sua ausência. Quando o ânimo se faz presente, agenciando corpo e mente, ele age e afasta o “des-ânimo”.

[3] Essa natureza expressiva do afeto ganha toda a sua potência na arte. Mesmo uma música sem palavras é carregada de afetos : o compositor pôs no som os afetos, fazendo do som uma realidade também expressiva . Quando o poeta fala da lua em seu poema, a lua em questão não é aquela que é o ideado da ideia de lua que o astrônomo forma em sua mente ; a lua do poema é um afeto que o poeta fez sobreviver e transmutou  às  suas afecções pessoais , dando a ela uma matéria igualmente expressiva. Quando lemos o poema, nosso ânimo também é afetado, daí o efeito clínico que pode advir dessa experiência com a arte. Como ensina Deleuze, a filosofia e a poesia nascem de uma “astronomia apaixonada” ( no sentido das paixões alegres que potencializam nosso ânimo).  Os filósofos e poetas que mais nos tocam são aqueles que não escrevem e falam  apenas com a mente, eles falam e escrevem também com o ânimo, para que os leiamos ou ouçamos não apenas com os olhos , com os ouvidos ou com a mente ( teoricamente) , mas com todo nosso ser .

[4] O Deus de Espinosa não é o da religião. O Deus de Espinosa é a própria existência compreendida de forma absolutamente infinita. O cosmos e o universo material são modos de Deus, são maneiras de ele ser. As ideias e o pensamento são igualmente modos de Deus.

[5] Deus não causa/produz  a existência  de cada coisa uma a uma, ele causa/produz a existência de todas as coisas de forma concatenada e eterna. Para existirem no tempo e no espaço, porém, cada coisa singular depende de outra coisa singular com a qual entra em relação ( como "causa próxima", e não como causa imanente). Se essa relação nos favorece e compõe com nossa maneira , temos um bom encontro que gera aumento de potência, isto é , de capacidade de agir e pensar; se a relação for um mau encontro, ela nos decompõe e despotencializa, gerando tristeza e ódio, enfim, servidão. Mas cada coisa que existe não é o "Mal" ou o "Bem" em si, elas podem ser boas ou más conforme combinarem ou não com  nossa maneira de ser. Deus  é a causa imanente tanto de nossa existência quanto à do mosquito. Porém  Deus  não é a causa da dengue, esta nasce de uma relação nossa com o mosquito, uma relação que nos despotencializa. Quando, através do conhecimento, descobrimos uma vacina para a dengue, Deus-Natureza não é a causa da vacina, Deus-Natureza é  causa  de nosso pensamento que é capaz de pensar adequadamente a existência do mosquito, descobrindo como é sua maneira de ser. Conhecer a maneira de ser de cada coisa , sua realidade efetiva, é desdemonizá-la ( a demonização , seja ela qual for, revela  mais a imaginação reativa de quem  demoniza do que  revela a natureza real do ser demonizado).






quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Sócrates, Diotima e o Daimon

 

Sócrates é considerado o maior filósofo de todos os tempos, embora nada tenha escrito. Sócrates filosofava nas ruas e praças, conversando com o povo.  Sócrates nunca diz ter aprendido com mestres,  exceto em certa ocasião em que  afirma ter sido aluno de uma pensadora contadora de histórias: a sábia Diotima. Foi então uma mulher a mestre-educadora do maior filósofo.

 E a lição  que Diotima ensinou a Sócrates é uma das mais necessárias e decisivas à filosofia, à educação  , enfim,  à vida. É uma lição  que ensina que a autêntica sabedoria não é apenas teórica, ela também deve ser  prática e ,   sobretudo, afetiva.

Diotima ensinou a Sócrates acerca de um “Daimon”: o “Eros”. O Daimon não é um deus que mora em altares ou Olimpos, tampouco vive  no submundo, sob a terra. O Daimon é um ser que habita o espaço “entre”: entre o Céu e a terra, entre o eterno e o temporal, entre o imorredouro  e as coisas que nascem e morrem.

O Eros-Daimon não é um deus que exige  cultos, ele é  uma força vital para exercícios de cuidados : cuidados consigo, com os outros e com o cosmos.

Pois Eros não fica parado na fronteira entre o tempo e eternidade, na verdade ele  auxilia na travessia de quem, estando no lado da fronteira onde tudo é inconstante e “líquido”, deseja porém alcançar, ainda em vida,  realidades que não morrem.

Em grego, “Eros” significa tanto “amor” quanto “asas”. Mas as asas de Eros não são como as dos pássaros, e sim como as da borboleta: asas sutis e coloridas, asas que podem viajar longe , nascidas que são de uma metamorfose.

A travessia que Eros conduz não é feita em linha reta que vai de um ponto dado  a outro. A travessia de Eros começa em nossos sonhos, desejos, aspirações, inquietações...e se efetiva quando criamos caminhos entre nossa criatividade pensante e a realidade nova que precisa nascer do nosso agir e criar, individual e coletivamente.

Como ensina o poeta Manoel de Barros: “A reta é uma curva que não sonha”. A borboleta é o sonho utópico da lagarta , um sonho que se tornou realidade efetiva, aqui e agora.

Contrariamente às asas de Ícaro,  presas nas costas  com engodo e sem estarem enraizadas em seu ser (asas que sobem para depois fazerem cair), as asas de Eros nascem nas costas e elevam não só a cabeça , mas todo o nosso ser.

            Esta é a lição que podemos aprender com Diotima:  a filosofia não é , como dizem os homens-filósofos, apenas  “amor teórico à sabedoria”; a filosofia é , ao mesmo tempo, educação autonomizadora  para necessárias  travessias  e política emancipadora que conduz as sociedades em suas travessias democráticas, apesar dos muros  e ameaças  das tiranias.

 



                                               ( este é livro é apenas uma sugestão de leitura)



-Letra-poema de Violeta Parra:



quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

autoconhecimento em Espinosa

 

Estou relendo a Ética de Espinosa. Já perdi a conta ( mesmo porque não estou contando...rs...) de quantas vezes já li essa obra. Mas a cada vez que a releio, é como se fosse a primeira vez, como se eu visse uma paisagem nova. 

Creio que é porque a leio não exatamente com os olhos da memória, e sim com os olhos do pensamento unidos aos olhos do corpo, este corpo que está mais perto dos acontecimentos , no espaço e no tempo, que alteram a vida.

Por isso, de tais (re)leituras sempre vêm ideias e emoções novas, nas quais algo é partejado em alegria.


Segundo Espinosa , todo autoconhecimento visa conhecer a ideia que somos. A ideia  que somos , porém, não pode ser encontrada ou buscada fora de nós mesmos. Pois se a ideia  que  somos estivesse fora de nós mesmos, como saberíamos se , ao encontrá-la fora de nós, tal ideia seria, no entanto, a ideia de nós mesmos?

Ideias que estão em livros entram em nós por nossos olhos , quando as lemos;  ou na voz do professor, quando com ele aprendemos ,  escutando-o. Porém, a ideia que somos não pode estar em livros, por mais instrutivos que sejam, nem na voz do professor , por mais didático que o professor seja.

Então, como encontrar e autoconhecer a ideia que somos? A semente do abacate está dentro da fruta-abacate, e faz da fruta-abacate o que ela é e não outra coisa. A semente que está dentro da fruta-abacate é para ela o mesmo que é para nós a ideia que somos. A  fruta-abacate não precisa sair procurando a semente do abacate fora dela para conhecer-se fruta-abacate.  A fruta-abacate e a semente que está nela não são duas coisas, assim como não são duas coisas, mas uma só ,  a alma e o corpo que fazem ser o que somos.

Assim, conhecer a ideia  que somos é conhecer algo que sempre esteve onde estamos : quando temos dificuldade de sabermos o que somos, essa dificuldade não se deve à ausência da ideia que somos , mas devido à ausência de nós em relação a nós mesmos.

Uma ideia nunca vive sozinha, diz Espinosa. Assim , a natureza de toda ideia, inclusive da nossa, é , quando se acha, no mesmo instante compreender-se unida a outras  ideias diferentes dela, tal como a semente do abacate que , sem perder sua singularidade, liga-se à árvore da qual proveio e  à árvore que nascerá dela. Tal como a semente, a ideia que somos é uma potencialidade[1], e não algo pronto.

E assim como a semente não pode germinar sem uma terra fértil, luz, chuvas, sol, tempo, cuidados...Nossa semente-essência  também não pode germinar sem os outros seres que nos cercam, sem uma sociedade democrática  e aberta e sem um pensar liberto do medo e dogmas servis,  para que o solo de nossas raízes rizomáticas seja o universo inteiro.


 

"Poeta é ser que vê semente germinar."

(Manoel de Barros)

 



[1] Em Espinosa não há oposição entre ato e potência: todo ato é ato da potência, embora nem sempre a potência seja tudo o que pode ( em razão, por exemplo, da tristeza-impotência   provocada pelos maus  encontros). 




terça-feira, 9 de janeiro de 2024

a democracia originária

 

Em muitas comunidades  indígenas também se delibera e vota , e várias dessas comunidades teriam muito  o que ensinar sobre democracia , até aos Gregos!

É um equívoco  imaginar que o cacique é “quem manda”. Nas assembleias dos povos indígenas a democracia é direta: cada um expressa sua própria voz e ouve, diretamente, a voz do outro que também delibera.

Na política representativa um deputado representa ( ou re-apresenta) o interesse de alguém ausente , ao passo que na ágora dos indígenas cada um participa presentando-se , isto é, fazendo-se presença  diante dos outros, seus iguais.

Nas comunidades indígenas  não existe interesse privado superior  ao interesse comunitário. Em grego, “privado” é “oikos”, de onde vem “economia”. Entre os povos originários também não há quarteis  ,   templos ou mercado   querendo se  sobrepor à comunidade.

Assim, entre os indígenas  o que vem primeiro é sempre a política, e não os interesses privados econômicos  ligados a grupos ou  famílias poderosas.

Nas votações e deliberações da democracia  indígena  há apenas uma condição para a decisão  vitoriosa virar regra  .   A condição é: a posição vitoriosa precisa ser unânime. Sendo unanimemente aceita, ela será vista como vitória de cada um. Por isso, tal decisão unânime tornada regra não precisará de polícias  ou repressão  para ser cumprida.

Ela se torna unânime não porque uma parte imponha a outra seu poder, mas sim em razão de precisar haver  uma  compreensão  de que a proposta vitoriosa é boa para a comunidade como um todo. Quando a regra é assim, ela é obedecida sem precisar de ameaças , pois tal regra  não é lei a serviço de elites e castas. E quando  se detectava  índole de tirano em alguém , aplicava-se como punição o ostracismo.

Segundo Lévi-Strauss, entre os indígenas a decisão vitoriosa precisava ser unânime para não gerar derrotados. Pois    derrotados podem guardar  mágoas  geradoras de ressentidas   vinganças (como o Aécio Neves em 2014,   hoje  cúmplice do inelegível que continua a   não aceitar a derrota em 2022  e , diariamente , faz suas ameaças à democracia).

Essa  sabedoria política dos indígenas  evitou que nascessem ódio internos que poderiam gerar divisões da sociedade em castas e classes desiguais, com uns se julgando superiores aos outros ou se achando dono da aldeia e querendo impor “Ordem” à força.

Nas comunidades indígenas, as ocas são amplas  e acolhem muitos em igualdade, elas não são uma “Casa-grande” para  poucos privilegiados.

Nessa democracia originária  não há privilégios, a não ser o privilégio de participar da comunidade e honrar os ancestrais. E os guerreiros não são generais que ameaçam o próprio povo supondo-o “inimigo interno”. Os guerreiros só agem contra as ameaças externas que colocam  em risco a comunidade .

A unanimidade  vitoriosa , desejo comum da comunidade, não era portanto a imposição da vontade de um chefe ou de um “Partido”, ela era construída coletivamente , pois o amor à aldeia era maior do que o apego  de cada um ao  próprio ego. Unanimidades conquistadas assim não são “burras”, são sábias.



-Parte do texto tem por referência este livro:





domingo, 7 de janeiro de 2024

em defesa da democracia

 

Como nos ensina Espinosa, a  democracia não tem por centro altares, como num templo, e nem é feita de  hierarquias rígidas, à maneira da caserna.

Quando os representantes do  templo  e da caserna , extrapolando seus espaços , também ambicionam  poder político, corre perigo  a democracia ameaçada por intolerâncias, negacionismos e  fanatismos  armados com a força  bruta do militarismo a serviço do delírio teológico-político.

A força da democracia não é bélica, a força da democracia  é a das ideias plurais pensadas e realizadas em conjunto , perseverantemente. E também em conjunto e perseverantemente precisam ser defendidas.

 Pois sem  democracia não pode haver educação emancipadora, artes pensantes e filosofia.

 

“A virtude com a qual o homem livre evita os perigos

revela-se tão grande quanto a virtude com a qual ele os enfrenta”.

( Espinosa, Ética, Quarta Parte, proposição  69)




 


Locais e horários dos atos em defesa da democracia que acontecerão neste 8 de janeiro:


– SP – São Paulo – MASP – 17h
SP Botucatu Praça do Bosque 17h30
– RJ – Cinelândia – 17h
– MG – BH – Casa do Jornalista – 16h
RS Porto Alegre- Sindicato dos Bancários 17h
DF Brasília- Eixão 208 Norte 07/01 10h
GO Goiás Cepal do Setor Sul – 9H
– PB – Calçadão da Cardoso Vieira (cidade: Campina Grande)  – 09h
– PB – Parque da Lagoa (cidade: João Pessoa) – 15h
SE- Em frente ao Bingo Palace 8H
CE- Fortaleza- Sindicato da construção Civil –  6h30 (a confirmar)
PE- Recife Monumento Tortura Nunca mais 10H
PR Curitiba Cruzamento rua XV com rua monsenhor Celso
13h00
– MS – Campo Grande – Sinttel – 17h
– BA – Salvador – Plenário da Alba – 9h

sábado, 6 de janeiro de 2024

Espinosa e a multitudo

 

Segundo Espinosa, há dois tipos de seres: o que existe em si , e que só de si depende para existir ( sendo causa de seu próprio existir) , e o que existe em outro,  neste outro que depende só de si para existir. Deus, a Natureza, é o que existe em si, já os outros seres , os que dependem da Natureza para existirem , são modificações , modos ou maneiras de ser  da Natureza.

Deus , ou a Natureza, é o único existente cuja essência implica necessariamente a existência, uma vez que a essência de Deus é existir. Como Deus é único, não existe nada fora dele que possa agir sobre ele,    fazendo-lhe padecer efeitos. Pois todo padecer é uma forma de constrangimento indicando passividade. Assim, todas as modificações de Deus  são ativas: são produzidas por ele mesmo. Essas modificações ( ou afecções) ativas são Deus mesmo,  porém compreendido de certa maneira : não de uma maneira apenas, mas de infinitas maneiras.

Na definição da essência de um modo finito singular, ao contrário,  não está implicada a existência desse mesmo modo, tampouco quanto tempo ele vai durar, isso porque toda existência depende de Deus de forma primeira.

Na definição de Homem, por exemplo, não está implicado em sua essência quantos homens existem , e nem quanto cada um durará em suas vidas. Mas como “Homem” é uma ideia abstrata , o Homem não existe, o que existe é Pedro, Maria, José, Ana...Porém  a existência de cada ser singular , quanto tempo de vida eles terão, não está incluída em suas respectivas essências, de onde se conclui que a existência de cada modo singular vem de fora de suas respectivas essências. Para cada modo singular finito, existir é abrir-se ( ou desabrir-se, como diz Manoel) a um fora. Ou seja, existir é viver relações.

Cada modo singular finito é uma modificação de Deus. Enquanto tal, todo modo singular finito é eterno. Não apenas a essência de um modo singular  finito não pode existir e ser compreendida sem Deus, também não pode ser compreendida, e muito menos existir, a existência desse mesmo modo singular finito. Pois sua existência se explica pela existência de Deus enquanto este se expressa pela existência de outros modos finitos existentes diferentes.

Por exemplo, Pedro é filho de João. A existência de Pedro se explica , de certa maneira, pela existência de João. Mas João não é causa da existência de Pedro. Se o fosse, Pedro existiria em João, e a existência de Pedro só poderia ser/existir e ser compreendida pela existência de João, o que é um absurdo . Assim, a existência de Pedro implica a existência de João enquanto este implica a existência de José, pai de João e avô de Pedro. Ou melhor, a existência de Pedro implica também a existência de Maria e de Ana, sua mãe e avó , respectivamente.

Mas a existência de Pedro, de João, de José, de Maria...implica ainda a existência de seus ancestrais, cuja existência implica a existência da terra, que implica por sua vez  a existência do sol, e a existência deste implica a  do universo, que implica   ainda a existência do infinito. Ou seja, a própria existência de Pedro enquanto modo singular finito , por onde começamos nosso exemplo e raciocínio, implica a existência do infinito, isto é, de Deus enquanto se expressa de infinitas maneiras  , inclusive como outros modos finitos diferentes de Pedro ( João, Maria, Ana, José, terra , sol, estrelas, universo, cosmos...).

Para Espinosa, a existência de qualquer coisa singular finita não pode ser/existir  e nem ser concebida sem a existência de Deus, o Absolutamente Infinito. É por essa razão que, segundo Espinosa, livre e sábio não é quem se isola e busca viver à parte, como se fosse uma divindade . Ser livre e sábio é ir para fora e compor relações . E isso também explica por que o livro principal de Espinosa tem por título “Ética”.

Para Espinosa, por mais que muitos sejam volúveis e não confiáveis, somos nós que não podemos ser volúveis e não confiáveis para nós mesmos em primeiro lugar. Assim, é preferível tentarmos agir buscando composições-agenciamentos , por mais raros que sejam, do que se colocar em altares e , de lá, desprezar aqueles que imaginamos viverem abaixo ( ou, pior ainda, colocar-se abaixo de altares sobre os quais se colocam indivíduos aproveitadores  cujo poder advém de nos apequenarmos...).

E aqui surge   a importância da democracia em Espinosa, não a democracia liberal representativa, mas democracia enquanto conjunto de relações entre os modos finitos existentes ( a multitudo). A democracia não é o lugar de altares, como num templo, e nem de hierarquias rígidas, à maneira da caserna. Tanto altares transcendentes quanto casernas rigidamente hierárquicas impedem o pensar livre e fomentam obediência.

A própria história nos ensina que as sociedades nas quais o altar e a caserna , extrapolando suas funções, também querem poder político, em tais sociedades é imposta uma aristocracia militar  ou teocracia , nunca uma democracia. Mesmo porque uma democracia não pode ser imposta, e sim construída. E onde não há democracia, não pode haver filosofia.



                             ( este livro é apenas uma sugestão)

 

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Júlio Francisco

 

Cristo também foi um prisioneiro político. Os poderosos de então diziam ser Cristo um “subversivo” . Esses poderosos compraram com dinheiro um dissimulado para ser o traidor e acusador de Cristo.

Depois o exército e a polícia da época colocaram   em marcha a vingança ressentida dos poderosos: Cristo foi então  preso e torturado, e os torturadores torturavam Cristo zombando e rindo.

Alguns torturadores de Cristo zombavam de sua dor imitando seus gemidos, tal como recentemente um fã de torturadores imitou, zombando ,  o sofrimento daqueles que a pandemia vitimou.

Antes de ser julgado, Cristo já estava condenado, pois o ódio sempre condena antecipadamente o amor quando vai julgá-lo, sobretudo quando o amor se torna uma prática revolucionária.

Porém , as ações de Cristo , como as de Zumbi e Dandara, continuam vivas naqueles aos quais  os poderosos chamam de “subversivos”, ontem e hoje.

Espinosa foi xingado, ameaçado e excomungado .  E foi no seio de uma comunidade que procurava imitar  as ações de Cristo que Espinosa encontrou apoio e guarida. Essa comunidade se autointitulava “Os Colegiantes” , pois para eles Cristo era o mestre cuja lições pediam um aprendizado diário e constante, um aprendizado realizado através de ações, mais do que pela leitura da Bíblia .

“Jesus” , termo hebraico, é um nome; porém “Cristo” , palavra grega, é uma condição que vai além da questão religiosa, e isso talvez explique porque Deleuze chama Espinosa de “o Cristo dos filósofos”.

Entre os Colegiantes, Espinosa se sentiu de alguma forma parte daquela comunidade,   mas não pelo aspecto religioso, e sim  ético-político . Mesmo porque os Colegiantes  não tinham  igreja, padres, sacerdotes ou pastores.  Eles  procuravam imitar , em ações e não em palavras, Cristo e Francisco. Enfim, era uma comunidade composta por Júlios e Júlias Lancellottis.







quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

a definição-afirmação originária de Espinosa

 

A Ética de Espinosa abre com oito definições, que são afirmações originárias que formam um plano, um "plano de imanência",  para a construção de seu pensamento. A primeira das definições  , da qual todas as outras dependem, afirma:

“Por  causa de si compreendo aquilo cuja essência envolve a existência, ou seja, aquilo cuja natureza não pode ser concebida senão como existente .”

Embora ele  não nomeie, o objeto da afirmação é Deus, que é causa de sua própria existência, uma vez que a essência  de Deus  é existir.

Deus não pode ser concebido a não ser como existente: à maneira de  um artista cuja obra a criar é a si mesmo, Deus é , ao mesmo tempo, o barro , os instrumentos que modelam o barro, a mão que segura os instrumentos , a ideia que orienta o modelar e a mente que pensa a ideia de si mesmo, produzindo-a. Contudo, a imagem da escultura tem seus limites, pois toda escultura  é cópia de algo determinado possuidor de uma imagem , ao passo que Deus não tem  imagem antropomórfica ou semelhante a qualquer outro ser que seja um modo seu. Da face de Deus, diz Espinosa, somente o universo inteiro , tanto o tangível como o intangível, pode ser o espelho. 

Essa afirmação de Espinosa poderia ser um verso, sem dúvida. Um verso de uma poesia do pensamento.

A palavra “definição”, porém,  não traduz bem o sentido dessa afirmação de Espinosa . Pois “de-finir” é “dar fim”, “limite”, ao passo que essa afirmação dá um começo, um começo que sempre recomeça a cada vez que lemos essa afirmação que “desabre” e nos põe em “deslimite”, diria Manoel de Barros.

Essa afirmação não é para ser decorada. Seu sentido nunca se esgota. Não é apenas lógico-analítico  o seu sentido, pois ele também é poético, cósmico, político, clínico, afetivo, existencial.

O Deus de Espinosa não é o Deus da religião, seja ela qual for. Não é um objeto de crença, é uma ideia filosófica cuja evidência, como a luz de um relâmpago,  prescinde de toda forma de crença. O Deus de  Espinosa é a Natureza. E cada coisa que existe é uma modificação ou modo da Natureza.

Deus não criou as coisas do nada, pois cada coisa existe nele como modo ou maneira de ser de sua Potência. E como a essência de Deus é Absolutamente Infinita, dela decorrem infinitas coisas de infinitas maneiras.

A Natureza não é apenas árvores, rios, mares, bichos , plantas, enfim, ecologia; a Natureza também é ideia, pensamento, afeto, ações, linguagem, coração e cérebro, ou  seja, ecosofia.

A definição que abre a Ética  não define tudo, porém ela expressa  o Todo-Potência onde tudo está inserido e existe. Para Espinosa, Deus não criou os seres, uma vez que os seres existem em Deus, e sem Deus não podem existir e nem  serem concebidos, pensados, inteligidos.

A definição que Espinosa fornece não é apenas para ser lida, ela também é para ser sentida, imaginada, intuída e meditada no sentido original de “meditação”: “aplicar a medicação”, “usar o remédio”. Meditar é medicar corpo e mente. E como todo bom remédio, a melhor hora do dia para aplicá-lo é de manhã, para assim despertamos  mais do que abrindo os olhos.

Para quem souber extrair , a cada vez que o ler, o sentido infinitamente variado que vive nessa definição-afirmação de Espinosa, compreenderá que ela não é um mantra, uma oração ou prece. Porém essa definição-afirmação fornece ao pensamento , mais do que qualquer outra coisa, uma força que une, ao mesmo tempo e de forma necessária, raciocínio e criatividade, razão e imaginação, ideia e afeto.