Futuro, presente e passado são nomes
que não traduzem totalmente o sentido existencial do amanhã , do hoje e do
ontem. O passado e o futuro às vezes ficam bem longe do presente, porém nunca
se afastam do hoje o ontem e o amanhã . O ano de 1800 e o ano de 2200, por
exemplo, representam um passado e um futuro muito distantes do presente, e
ninguém que hoje é vivo viveu aquele passado ou viverá aquele futuro. Já o
amanhã e o ontem estão sempre próximos ao hoje, dando-lhe sentido. Ontem é um
tempo vivido, o amanhã é um tempo que se espera viver, enquanto o hoje é o
acontecimento de estarmos existindo. Só existe ontem para quem hoje está vivo,
e assim se recorda dele. Recordar é “re-cordis”: “trazer de novo ao coração”.
Mas um passado remoto é lembrado apenas na data fria dos livros. Dizem que os
deuses vivem num Presente Eterno, porém não os inveja quem segue o conselho do
poeta : “carpe diem” ( “aproveite o hoje”) .O passado , o presente e o futuro
do calendário são apenas números . Porém o ontem, o hoje e o amanhã são
sentidos que preenchem nossa temporalidade existencial . Passado, presente e
futuro são tempos da narrativa histórica, ao passo que o ontem, o hoje e o
amanhã compõem a duração viva das narrativas novas que podemos construir agora
. Mas dessas três dimensões da temporalidade viva, a mais necessária é o
amanhã. Não quando ele é visto daqui de hoje, como pura possibilidade ainda, e
sim quando ele está para nascer. Ontem, hoje e amanhã são advérbios de tempo.
Desses três advérbios, porém , apenas o amanhã é capaz de fazer-se também verbo
: amanhecer. Não existe “ontear” ou “hojear”, porém existe amanhecer. O
amanhecer é o amanhã que está vindo a ser. Não apenas o amanhã amanhece , pois
o amanhecer é verbo que empresta seu sentido a tudo aquilo que se renova:
quando os olhos veem de forma nova , os olhos amanhecem. Quando aprendemos uma
ideia diferente, é a nossa própria mente que amanhece. Mesmo da noite pode
amanhecer um sentido novo, quando suas estrelas são pintadas por Van Gogh.
Quando achamos uma direção, o caminho amanhece; quando vencemos a resignação, a
ação amanhece. Nada é mais antagônico a esse amanhecer do que o “future-se” a
serviço do passado ditatorial que durou 21 anos.
O amanhecer de um dia é o sol que
traz. Mas o amanhecer que muda o sentido de um dia é a criatividade questionadora
quem faz.
“O meu amanhecer vai ser de noite.”
(Manoel de Barros)
Nenhum comentário:
Postar um comentário