Eu tinha cerca de 12 anos e fazia o
antigo ginásio. Era uma época difícil, sufocante...A ditadura militar censurava, perseguia , prendia e torturava quem pensasse diferente
do poder autoritário dominante.
Quando cresci e estudei história ,
aprendi que esses perseguidos pelo terror eram pessoas que sentiam que o mundo
precisava ser mudado , e agiam para isso. Mas ainda criança, eu também sentia
que o mundo dos homens estava errado , mas não encontrava nos livros lições que
dissessem isso, pois pensar estava proibido.
Àquela época, a escola não era um
espaço de descobertas : a ditadura controlava tudo, e usava as cartilhas e tabuadas como meios de adestramento.
Poesia e literatura? Só eram aceitos
os parnasianos, como aquele poeta elitista autor do Hino Nacional que a gente
não entendia nada da letra , porém nos
obrigavam a cantar em posição militar, rigidamente, batendo continência
para a bandeira, como se ela fosse um general sisudo sobre o Monte Parnaso.
Até que chegou à escola uma
professora nova de língua e literatura. Tudo nela era diferente: a roupa, o jeito , o olhar , enfim, a pessoa. Foi a
primeira vez que entendi de verdade o que era uma educadora e tudo o que a arte
pode em termos de (auto)descoberta .
Em vez de adotar livros parnasianos
para a gente ler decorando datas e palavras que a gente não entendia, palavras
mortas que nada nos diziam a não ser: “obedeçam!”, ela adotou um livro
diferente cujas palavras a serem
interpretadas eram letras de música dos
Festivais da Canção acontecidos recentemente.
Assim , foi como poesia que li , pela
primeira vez, Chico Buarque, Caetano , Paulinho da Viola e Gilberto Gil. Antes
de conhecer a música deles , eu me empoemei , ainda criança, com a poesia sob a forma de letra. Algo em mim se
horizontou e veio para fora: era eu mesmo,
ainda de mim desconhecido.
Foi a primeira vez que experimentei
o que é ler, pois ler é ler-se. Eu não entendia todas as palavras , mas
sentia que eram palavras vivas que me ensinavam
um sentido que eu sabia ser o mesmo que os milicos não queriam que a
gente aprendesse, um sentido libertário da plural e popular poesia.
A querida professora
transformava a sala de aula numa lúdica academia , uma academia livre de
adestradoras cartilhas, onde a gente era
alfabetizado no pensar lendo a poesia de Chico, Caetano, Gilberto Gil e Paulinho da
Viola.
Desde aquelas antigas resistências
poéticas, que devem inspirar as necessárias resistências ao fascismo
teomiliciano de agora, Gilberto Gil já
era membro da Academia Brasileira de Letras Pensantes para cantar !
Viva Gilberto Gil!