sábado, 5 de abril de 2025

A flor do ipê

 

Ela se chamava Maria Madalena. Nasceu na favela Nova Holanda, de pai desconhecido. Aos 13 foi abusada,  ficando grávida do traficante do lugar. Mas pouco viveu o recém-nascido: secou a semente antes do broto desabrochar.

Aos 15 Maria Madalena foi viver na rua, sendo usada como   put4 por  muitos que só a queriam explorar : seguranças, policiais... vários se aproveitavam dela   sob a máscara de fingir ajudar;  havia ainda os autointitulados “homens de bem” , que tinham prazer  em a apedrejar.

Aos 18 ela parecia ter 30 a mais: enquanto a anestesiavam etílicos sonhos, vinha o tempo feito um ladrão roubar seus anos, sem dó , sem pena.

Padres, pastores, pais de santo, ungidos...todos diziam que a poderiam recuperar.

Um chegou a  dizer que sua vida era castigo, culpa de outra vida, karma a lhe pesar.

Maria Madalena pegou de novo barriga, novamente a perdeu. Seu corpo era todo ferida, mas lhe doía mais a alma que enlouqueceu.                                    

Numa fria madrugada, ela caiu junto a um ipê perto da Lapa, entre sacos de lixo e urina de cão.

Ela caiu perto da raiz, e só a aurora testemunhou sua transmutação: o ipê a sorveu para dentro de si, a limpou de toda sujeira mundana, sarou-lhe as feridas insanas, a alimentou com seiva até  Madalena com o ipê se fundir.

Naquela manhã , uma nova flor  de vívida cor púrpura  o ipê ao céu fez florir.

 

( A flor do ipê é uma das poucas que floresce durante todo o ano, mesmo no inverno. O ipê nos ensina que é possível ser resistente, sem perder a beleza.

Nossos indígenas diziam que o ipê protegia Pindorama, a ancestral Mátria. Na mitologia tupi-guarani, um dos sentidos de Pindorama é: “terra onde os maus são vencidos” .  

Os colonizadores tentaram acabar com o ipê, porém não conseguiram. Então, descobriram que podiam ganhar dinheiro sangrando uma árvore chamada pau-brasil, cuja resina avermelhada corre no tronco da árvore como em nossas veias o sangue.

Foi a partir do comércio dessa resina cor de sangue que a terra explorada ganhou novo nome, sendo então chamada de “Brasil” pelos seus algozes.

Na boca dos pseudonacionalistas  de hoje , “Brasil”  continua sendo  o nome da vítima explorada , como a  “Madalena”  da história, oferecida por eles  ao colonizador-patriarcal  da hora: Trump.

Nada contra o verde e amarelo, mas prefiro  a bandeira da autêntica independência e resistência que os ipês pintam   em púrpura, rosa, branco e amarelo, as cores ancestrais de nossa Mátria-Pindorama)


"Se o homem é formado pelas circunstâncias, 

é necessário formar as circunstâncias humanamente."

  (K. MARX E F. ENGELS, A Sagrada Família )