sábado, 30 de novembro de 2024

Linhas de fuga...

 

Uma pessoa me perguntou certa vez o que era a “linha de fuga” ensinada por Deleuze , Guattari e Cláudio Ulpiano. Tentei responder da seguinte maneira:

Uma linha de fuga não é exatamente fugir ou escapar de algo, mas fazer fugir algo que está aprisionado, cerceado , sufocado. O importante mesmo é a linha, pois muitas vezes é a linha que se encontra presa, limitada. Antes de tudo, linha de fuga não é uma ideia teórica, linha de fuga é uma prática :algo que só existe se for criado, feito, produzido, ousado.

Dei então o seguinte exemplo: Arthur Bispo do Rosário vivia preso não apenas entre as paredes de um hospital psiquiátrico, pois ele também estava cerceado dentro dele mesmo, como num labirinto.

No hospital, vestiam seu corpo com um uniforme, uma vestimenta padrão que igualmente vestia os outros internos, homogeneamente. Até que certa vez Bispo do Rosário ficou nu, tal como um recém-nascido, e começou a desfazer a forma do uniforme que o poder lhe vestiu.

Ele desfez a forma que dava ao uniforme um significado específico e determinado. Ele destruiu a forma porque ele queria encontrar a linha, a linha que estava presa naquela forma-uniforme, assim como ele mesmo estava preso na incomunicabilidade da exclusão radical.

Nietzsche dizia que “Só podemos destruir sendo criadores.” Bispo do Rosário destruiu a forma-uniforme porque queria criar algo com a linha-fio de que o uniforme era feito.

Ele também desfez as toalhas, os cobertores...até achar o fio do qual tudo é feito. Ele enrolou então os fios até formar com eles um novelo colorido. Depois, pegou um lençol branco que até então cobria seu corpo sofrido como se fosse uma mortalha, e fez desse lençol branco uma tela para nela bordar , com os fios, uma história, a sua história, que é também a história dos explorados, dos injustiçados , enfim, a história daqueles que a História dominante apaga e torna invisível .

Os fios puxados do novelo se assemelhavam ao fio de Ariadne que vence labirintos tidos por invencíveis. Arthur Bispo do Rosário desfez o uniforme padrão para dele fazer fugir uma linha para bordar sua diferença e singularidade, que assim conquistou uma fala.

Com sua bordadura clínica-artística, ele criou  uma linha de fuga que é inspiração para  necessárias e urgentes outras  linhas de fuga , por maior que seja o labirinto que nos cerca , por maior que seja a ameaça dos que idolatram uniformes  e fardas.


"Minha casa pegou fogo, o teto ruiu...Nada me esconde mais a deslumbrante lua. " ( Koan japonês)

 

( este filme é apenas uma sugestão)



 



                                        ***   ***   ***




Os jornais têm noticiado que o “Mercado” anda nervoso, zangado, furioso, irritado...

O tal “Mercado” ficou quietinho, com um silêncio conivente, enquanto o milici4no do governo anterior torturava o orçamento público para fins eleitoreiros.

Aliás, a palavra “Mercado” não é boa, pois quando o povão a ouve imagina que o tal “Mercado” é o dono da quitanda, da padaria, da farmácia...Ou seja, de gente que lida com coisas concretas, com alimentos e remédios.

O tal “Mercado” que hoje faz terrorismo especulativo  frente  ao governo por este não chicotear os pobres , esse mercado tem um avô: o mercado de escravos.

“Capital” vem de um termo latino que significa “cabeça”, porém  uma cabeça que parece ser oca por dentro, que no lugar de cérebro  tem apenas uma ideia fixa: juros, juros, juros...

O Capital é uma cabeça desconectada de   braços que produzem e trabalham, embora digam que o Mercado possui “mão”, porém é uma “mão invisível” que apenas sabe contar dinheiro, e nunca se estende para apertar a mão e socorrer  gente de carne e osso.

O Capital não é o metal da moeda, tampouco o papel de que é feita a nota. O Capital é apenas o número abstrato que está na moeda e no papel, ele não é autêntica riqueza.

Pois riqueza de verdade é o níquel de que é feito a moeda, níquel que veio do seio da terra; riqueza é o papel de que é feita a nota, papel cuja origem são as florestas. 

“Política” vem de “pólis”. Costuma-se traduzir essa palavra por “cidade” ( “Petrópolis”: “cidade das pedras”). Mas pólis também é “organização”: tal como em “própolis”, “a favor da organização”, pois a colmeia é uma organização, um “organismo vivo”.

A economia e o Mercado são partes da organização social , eles não são os donos e nem os senhores dela, embora pareça existir  neles a nostalgia atávica da Casa-grande...

Por isso, a economia deve ser sempre vista sob a ideia de uma “economia política”, cujos afetos catalizadores devem ser a justiça, a dignidade, a igualdade, enfim, afetos sociais de solidariedade e empatia .

São  inadequadas expressões tais como "capital cognitivo", "capital afetivo", "capital simbólico", expressões sempre na boca dos atuais "influencers midiáticos"...O “Capital” tem por lógica  a acumulação e a exclusão, ao passo que o pensamento e o afeto , quando emancipadores, são  potências produtivas da cooperação, da partilha e da generosidade.

                      
                                                            (Imagem: Banksy)

 

 

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Literatura e filosofia: Proust e o aprendizado.

 

“Em busca do tempo perdido” fala do mais necessário dos aprendizados, um aprendizado tão necessário quanto difícil. Não é um aprendizado a ser feito por crianças a serem educadas , tampouco por  adultos que pouco estudaram.

O aprendizado de que trata a obra  deve ser buscado por  alguém que sabe usar as palavras e se formou aprendendo  teorias, mas que se dá conta que as teorias já conhecidas e sabidas às vezes já não dizem nada, nada ensinam.

Esse aprendizado , portanto, não é sobre palavras , ele é um aprendizado sobre o tempo. Mas não se trata do tempo preso na gaiola  abstrata  do relógio , e sim do tempo concreto ,  duração  intensiva  da vida e do mundo.   “Perdemos o tempo”  mais do que o vivemos, enquanto ignorarmos seu aprendizado. 

Esse aprendizado não é comandado pela Inteligência e seus Conceitos, mas pelos signos. Em Proust, signos não são apenas as palavras. As notas de uma música, um perfume, um gosto que se desprende de um simples biscoito, podem ser um signo. Esses signos não representam uma realidade exterior , eles expressam algo que neles está ausente, como os “signos mundanos”, ou que neles está  enrolado  como “pequenas almas” ou “Essência”, como os "signos da Arte".

O primeiro aprendizado vem acompanhado da angústia em perceber que o “tempo que se perde” somente sabemos dele depois que ele passa : o “mesmal”[1] do viver resignado nos faz perder presentemente o tempo, sem disso nos darmos conta. Esse aprendizado tem por suporte os “signos mundanos”: signos vazios, dissimulados, “máscaras”...

O segundo aprendizado pode vir  das relações afetivas, enquanto  projetos em comum de futuro. Quando esses projetos de futuro comum malogram e não vão em frente, tornam-se tempo perdido que , apesar de passado, ainda pesam no presente. Essa vivência  do “tempo perdido” não se faz sem decepção e dor. É por isso que o caminho da aprendizagem pode ser , no seu início, doloroso. Porém, os signos amorosos são ainda reféns de “associações subjetivas”. O ciúme, por exemplo, se mantém na subjetividade associando ideias, mesmo que equivocadas e delirantes. O associacionismo  de ideias subjetivas impede que se capte a Essência  que está envolvida nos próprios signos.

Até que pode advir um terceiro aprendizado : o do “tempo que se redescobre”. Aqui quem nos auxilia é  uma memória artista e clínica . Essa memória pode nos ensinar  que no passado vivido havia realidades  que  não vimos, talvez porque nos cegassem o ciúme , a insegurança ou o desejo de posse.  No seio do tempo perdido a memória não ressentida redescobre lição nova. Não podemos mudar o passado, porém podemos evitar que ele seja um peso para o nosso presente. Aqui , o aprendizado tem por suporte os signos enquanto qualidade que os objetos portam, como o sabor que o biscoito liberta. Mas esse tipo de signo ainda possui uma certa opacidade que impede a plena expressão do sentido ou essência que se enrola nos signos.

A última etapa da aprendizagem é o “tempo redescoberto”. Esse tempo é redescoberto aqui e agora, e não no passado. Ele não é futuro planejado , ele é o amanhã criado a partir de agora, como antídoto à perda presente do tempo  e libertação do tempo que passou .

No sentido bem amplo da palavra, e dito de maneira simples, o tempo redescoberto é a descoberta da arte em seu sentido existencial, enquanto potência (re)criadora da própria vida, pessoal e coletiva.

O tempo redescoberto nos ensina que redescobrir o tempo é redescobrir a nós mesmos, pois no tempo que se perde e no tempo perdido somos nós mesmos que nos perdemos. Não é a memória o agente desse aprendizado, mas o próprio Pensamento. Os signos da arte não são opacos, eles são diáfanos: é diáfana a tinta que produz o percepto-girassol, é diáfana a palavra literária-poética na qual uma Essência, enfim, se desenrola e expressa. Sobretudo, é em nós mesmos que o aprendizado se potencializa, quando aprendemos que o “logos” do sujeito, seu ego, aprisionavam, tornavam cativa, a nossa própria Essência singular. 

Em Proust, porém, a Essência não é uma realidade etérea e transcendente  vivendo fora do espaço e do tempo, como as Essências platônicas.  A Essência é uma Diferença, uma Perspectiva. Não uma perspectiva sobre o mundo, mas Perspectiva da qual nasce um mundo, um mundo nunca antes visto. Como ensina Manoel de Barros em sua original Perspectiva: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”.

Tempo que se perde , tempo perdido , tempo que se redescobre e tempo redescoberto : esse é o caminho do aprendizado cujo meio são os signos, e tem por mestre  o tempo.

O filósofo Gilles Deleuze assim resume a lição mais importante desse aprendizado: "O aprender vem antes do ensinar.”



[1] “Mesmal” é uma expressão do poeta Manoel de Barros. O “mesmal” é a antipoesia.






quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Espinosa , poeta do pensamento

 

Na Terceira Parte de sua  Ética, para ajudá-lo  na explicação sobre  os “afetos”, Espinosa cita  um poeta. Embora ele não o nomeie , o poeta em questão é Ovídio, que diz :  


“Nós, amantes, vivemos da esperança e do medo;

É de ferro quem ama o que o outro abandona.”


 Não é raro Espinosa se agenciar com poetas para , em diálogo com eles, filosofar e explicar suas ideias.

Quem lê Espinosa mais do que com  a mente,  também com a sensibilidade,  percebe que ele não apenas cita poetas, ele próprio é um : um poeta do pensamento. A maneira como Espinosa descreve os afetos, expressando suas cores e sombras de tão perto, só mesmo em grandes escritores e poetas  se pode encontrar algo igual.

Lendo a Ética, sobretudo a Terceira Parte, vemos um rico e multifacetado material afetivo  , o mesmo com o qual são feitas a literatura , a poesia e  as artes que afetam e fazem pensar.  

No texto filosófico de Espinosa se  podem ver, em rascunho, tragédias e comédias, dramas e odisseias, líricas e epopeias do corpo e da mente. Tudo cuidadosa e esmeradamente argumentado  sob a forma de um  discurso  geométrico singularíssimo, que dá forma racional ao pensamento, mas sem reprimir ou castrar  o conteúdo dionisíaco-pulsional, esteio da vida. 

Os personagens que vestem as roupas e vivem os cenários  criados por Espinosa-escritor-poeta  não são os da ficção, os personagens somos nós mesmos em nosso mais íntimo cotidiano, em nossas relações com o outro e conosco. Por isso, o texto de Espinosa também é clínico, sem deixar de ser social e político.

Espinosa não descreve os afetos (pré)julgando-os; ao contrário,  ele nos conduz, “como que pela mão”,  à compreensão de sua necessidade e razão de ser. Ele não demoniza e nem santifica os afetos, ele lança luz sobre eles, luz potente que esconjura  a ignorância e a superstição , das quais se aproveitam  os tir4nos propagadores do medo, do ódio e da servidão.

 Na Quinta  Parte de sua Ética, Espinosa também oferece o remédio para os afetos que nos despotencializam e entristecem, mas sem propagandear esse remédio como uma panaceia milagrosa.

Na verdade, esse remédio não é como uma vacina que, tomada uma única vez, nos imuniza para todo sempre; o remédio se assemelha mais a uma pílula que devemos tomar, perseverantemente, todo dia pela  manhã.

Espinosa nasceu num dia 24 de novembro, e continua mais vivo do que nunca. Este texto é apenas uma pequena homenagem ao filósofo-poeta-pensador cujo nome traduz o que ele ensina: “Benedictus de Espinosa”, nome e sobrenome que podem ser traduzidos/interpretados assim: “aquele que bem diz, ou diz o bem, apesar dos espinhos”.




( O livro cuja capa coloquei aqui abaixo  é apenas uma sugestão. A referência do texto que escrevi é o corolário da proposição 31 da Terceira Parte da Ética)






domingo, 24 de novembro de 2024

As Graças...

 

Na mitologia, as Graças eram três irmãs que nunca se separavam. Delas vêm “gratidão” e “gratuito”. As outras divindades se tornavam ainda mais potentes e generosas quando buscavam a companhia das Graças.

Quando Atena, a deusa da sabedoria , andava na companhia das Graças, o conhecimento que vinha dela não  instruía  apenas teoricamente , também  deixava quem aprendia  em graça, aumentando a potência da vida.

Eros também buscava a companhia das Graças quando queria que o amor que ele dava fosse também um estado de graça: afeto que se dá e recebe , sem cobranças.

E quando os deuses queriam saber quem entre os seres humanos era grato, eles ofereciam seus dons junto com as Graças, e assim sabiam quem, aos recebê-los, ficava agradecido . Pois quem é agradecido é confiável, nada tendo de in-grato.

As Graças não são exatamente a alegria ou a felicidade, pois elas vêm antes desses estados, e muitas vezes são as Graças que nos amparam nos momentos de tristeza e infelicidade.

As Graças são o contrário das Moiras, que também eram três irmãs. Enquanto as Moiras querem nos impor um Destino férreo que se paga com o preço da m0rte, as Graças ofertam mais  vida de graça, mesmo quando nos julgavam vencidos e m0rtos. E por esse sopro de vida a mais as Graças nada cobram, apenas esperam  que  nos tornemos gratos. Pois daquilo que se recebe de graça ninguém é o dono ou proprietário: o que se recebe das Graças é para ser partilhado.

Certa vez, Orfeu acordou de manhã e percebeu que Eurídice, seu par, já estava desperta. Ela estava diante de uma penteadeira penteando-se, enquanto cantarolava baixinho uma canção. Ela não cantava a canção inteira, apenas o ritornelo, o refrão.

De repente, Eurídice viu, pelo espelho,  a expressão de Orfeu a olhá-la. Admirado, parecia que o poeta via uma obra de arte a qual não faltava nada.

Eurídice  perguntou: “O que foi!?” E o  poeta pediu: “Não pare, faça de novo o que você estava fazendo!...” “Mas o que eu estava fazendo?” “Você estava se olhando, mas sem se julgar ou comparar; você estava cantando sem razão ou motivo, mas como fazia sentido o seu cantar!” “Ah, então era isso!? Farei de novo...”

Porém, por mais que Eurídice tentasse fazer de forma calculada  o que fizera de maneira espontânea, ela não conseguia repetir o que vivera de forma gratuita e com graça, sem distanciamento com a vida.

Na Grécia , “Eurídice” é um dos nomes da Alma, assim como “Psiquê” e “Pneuma”. Quando o poeta  canta a vida em graça, é porque  sua Alma-Eurídice foi despertada   à vida pelas  próprias  Graças. 

O contrário da vida não é a m0rte. O contrário da vida é uma existência sem-graça que atrai e produz des-graças, como a quadrilha chefiada pelo inelegível, agora  indiciada.

Como ensina Espinosa, “somente os seres humanos livres e dignos são gratos uns aos outros.”



                                        ( imagem: "As três Graças"  / Delaunay)

 


“(...)uma soberana liberdade, uma necessidade pura em que se desfruta de um momento de graça entre a vida e a morte, e em que todas as peças da máquina se combinam para enviar ao porvir um dardo que atravesse as eras...” (Deleuze & Guattari, O que é a filosofia?)


Platão, por sua vez, dizia que não se pode ser filósofo sem quatro aspectos conjugados : memória do que não pode ser esquecido, desejo de aprender sempre mais, coragem para agir e graça.  Ou seja,  a condição de filósofo  requer graça, pois  a ignorância , em suas diversas formas, é a pior das des-graças...




 

"Graças à vida que me deu tanto

Me deu dois olhos que quando os abro

perfeito distinguo o preto do branco

E no alto céu seu fundo estrelado

E nas multidões o homem que eu amo

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o ouvido que em todo seu alcance

Grava noite e dia grilos e canários

Martelos, turbinas, latidos, aguaceiros

E a voz tão terna de meu bem amado

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o som e o abecedário

Com ele, as palavras que penso e declaro

Mãe, amigo, irmão

E luz iluminando a rota da alma do que estou amando

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu a marcha de meus pés cansados

Com eles andei cidades e poças d'água

Praias e desertos, montanhas e planícies

E a sua casa, sua rua e seu pátio

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o coração que agita seu marco

Quando olho o fruto do cérebro humano

Quando olho o bom tão longe do mal

Quando olho o fundo de seus olhos claros

 

Graças à vida que me deu tanto

Me deu o riso e me deu o pranto

Assim eu distingo alegria de dor

Os dois materiais que formam meu canto

E o canto de vocês que é o mesmo canto

E o canto de todos que é meu próprio canto."


( "Gracias a la vida"/ Violeta Parra )


 

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O ovo da serpente...

 

O filme “O ovo da serpente”, de Bergman, mostra a ascensão do n4zismo na sociedade alemã. O nome do filme compara o surgimento do n4zif4scismo com o que fazem certas serpentes traiçoeiras e venenosas : a serpente escolhe um momento de distração da ave dona do ninho e coloca seu ovo entre os ovos já postos pela ave.

Metaforicamente, não é qualquer ninho que tem a possibilidade de chocar o ovo da b4rbárie. A serpente autoritári4 escolhe pôr seu “ovo” em ninhos onde já são chocados o “ovo da intolerânci4”, o “ovo do preconceito contra minorias”, o “ovo do f4n4tismo religioso”, o “ovo da desigualdade social” provocada pela perversidade financeira-capitalista  que leva milhões de excluídos a rejeitarem a política e esperarem por um “Messi4s”...

É em ninhos onde já existem tais ovos que a serpente n4zifascist4 aproveita para pôr dissimuladamente o seu ovo, que é então chocado por parte da sociedade incauta, ingenuamente crédula.

Quando a serpente nasce, a primeira coisa que faz é começar a devorar quem a fez surgir , inoculando seu veneno na sociedade onde encontrou condições para ser chocada. E tudo o que nos enfraquece enquanto sociedade democrátic4,  faz a serpente-f4scist4  crescer. 

 A serpente protof4scist4 que saiu do ovo em 2018 nos ameaçava não só com seu veneno, ela também agia usando constrição para nos provocar sufocamento . A ignorância, a idiotia , o preconceito...são alguns de seus venenos ( além do agrotóxico do agro-ogro ,  seu cúmplice ).

A serpente ainda tentava nos sufocar infiltrando milicos no Estado, aparelhando o Ministério Público e o Judiciário, cooptando a polícia e a PM, fortalecendo o poder das milíci4s, militariz4ndo as escolas e acumpliciando teológico-politicamente a Bíblia ao revólver ;a serpente também nos sufocava cultuando o obscurantismo negador da ciência, reduzindo o valor da vida a nada, para fazer da destruição e da m0rte a sua política de governo. A serpente-f4scist4 assim procedia para nos roubar o ar aos poucos, querendo paralisar em nós a capacidade de ação.

E sua última perversid4de foi tentar envenenar a democracia, nas pessoas do Lula, do Alkmin e do Alexandre de Moraes.

Unidos, somos maiores do que a goela covarde dessa serpente oca. Não devemos temê-la. O indiciamento da serpente é só o começo, mas já é um pouco de ar...

 

(Amigas e amigos, fiz esta postagem em 2018, logo após a vitória da serpente-f4scist4. O texto de agora possui alguns acréscimos/atualizações. A referência a Espinosa é nosso ar e antídoto ao veneno teológico-militar-político)

 


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Fortalezas...

 

Em sua Ética, Espinosa dá especial importância a uma virtude: a fortaleza. Em latim, “fortitudo”. Alguns traduzem “fortitudo” como “força do ânimo”.  A palavra “ânimo” expressa a unidade da mente e do corpo.

“Virtude” significa “força”. Não a mera força física ou bruta, mas a força potencial . Originalmente, “virtu” designava a força que nasce de uma fibra , fio ou corda, quando são tensionados e “vibram”.

 Por exemplo, o violão somente produz música se suas cordas forem vibradas; o arco só pode lançar suas flechas longe se sua corda  for tensionada ; o próprio coração , ao pulsar, faz suas fibras vibrarem para impulsionarem o sangue por todo o corpo.

Da mesma maneira, ideias que fazem pensar levam a mente a vibrar, abrindo-se. Coragem, indignação, generosidade, solidariedade, empatia, senso de justiça...são virtudes que , para virarem ação sobre o mundo, requerem  fibra naqueles que as sentem, para que neles elas vibrem.

Segundo Espinosa, a fortaleza é o ninho que dá guarida a todas as virtudes e as protege, como um escudo. Sem fortaleza, não há filosofia, ética, conhecimento, vida digna. A fortaleza-virtude é  força, mas não é violenta; ela tem potência, porém não é soberba; ela é firme, sem ser rígida.

 Uma fortaleza não precisa de muros ou cercas: a flor de lótus  desabrocha e persevera sendo ela mesma a despeito de  ao redor dela  predominar a lama. A fortaleza da flor de lótus  é a força que lhe é imanente, e que a lama não turva ou toca. Na sabedoria oriental, a flor de lótus é considerada  o símbolo da sabedoria prática.

Epicteto foi feito escravo em Roma , como aqui Dandara e Zumbi . A filosofia foi, para Epicteto, a sua Palmares: quando o poder quer nos  agrilhoar ( simbólica ou fisicamente ),   são Quilombos que precisamos edificar, dentro e fora da gente.

Não por acaso,  na língua banto “fortaleza”  é  “quilombo”.




 







domingo, 17 de novembro de 2024

Ócio e filosofia

 

Há uma ideia muito equivocada que se atribui a filosofia ao ócio, como se o estudo da filosofia dependesse do ócio. Esse equívoco vem de certa interpretação anacrônica das condições segundo as quais a filosofia grega era ensinada e praticada em suas escolas.

Na verdade, o tal “ócio” filosófico  significa : “dispor de tempo livre”, isto é, de tempo livre para se dedicar à filosofia , e não de tempo livre para não fazer nada ou se entregar à preguiça. Os que buscam o ócio para a preguiça, e associam o ócio a não fazer nada, esses jamais agenciarão sua vida à filosofia, uma vez que o estudo da mesma requer esforço e dedicação .

Epicteto, por exemplo, nasceu sob a condição de escravo, e mesmo ele encontrava tempo para se dedicar à  filosofia. Aliás, o primeiro efeito da filosofia em nossa vida é exatamente não perdemos tempo , como ensina Proust, com coisas que nos roubam tempo ( e esse mundo digital está repleto de ladrões assim, ladrões que nos roubam com nosso consentimento voluntário...).

Mas aquele que quer  realmente  dispor de seu tempo, descobre que dispor do tempo é, primeiramente, dispor da própria vida, conquistando autenticidade e autonomia. 

Vejam o caso da poeta Carolina de Jesus: mesmo vivendo em condições materiais extremamente difíceis , ela conseguia tempo para se dedicar ao estudo e à leitura. O tempo que assim se conquista também serve de resistência anímica , já que ele não se mede em termos quantitativos do relógio que afere o tempo mecânico do trabalho, mas em duração qualitativa e intensiva.

Não é o ócio a condição da filosofia, e sim o saber dispor do tempo, evitando desperdiçar o mesmo em práticas que nos roubam exatamente o tempo.

Assim compreendido, o tempo de que dispomos é como a água de uma cisterna. Alguns a desperdiçam lavando calçada,  e imaginam assim fazer bom uso dela; mas há os que a reservam para matar a sede e satisfazer a necessidade  , sem esquecer de  regar  as flores e manter viva a beleza.

sábado, 16 de novembro de 2024

Os dois "manoéis"

 

O poeta Manoel de Barros dizia que havia dois “manoéis”: o Manoel  feito de corpo e alma, e que viveu  amizades, alegrias, amores, esperanças...Mas que igualmente conheceu  preocupações, tristezas, angústias, decepções... Enfim, esse primeiro  Manoel viveu na vida  afetos e situações que a maioria de nós também já viveu.

Mas  há ainda o “Manoel-letral”. O Manoel-letral é aquele para o qual “a palavra abriu o roupão para ele, e o deixou sê-la.”

O Manoel-letral é pura alma cujo corpo se tornou o corpo da palavra ,  para que a palavra escrita por ele  seja mais do que palavra: seja também vida metamorfoseada em poesia, para assim fazer parte da nossa vida e potencializá-la.

No último dia 13, fez 10 anos que o primeiro Manoel nos deixou. Talvez   a saudade que sentimos do primeiro Manoel   possa ser minorada pelo encontro com o Manoel-letral  que vive no coração de seus versos,  onde está cada vez mais vivo, sempre mais novo, extemporâneo: “Na ponta do meu lápis há apenas nascimento”, escreve Manoel.

Para reencontrar Manoel , reli  hoje pela manhã  o poema “O guardador de águas”. No poema , Manoel  descreve o seguinte acontecimento ( que aqui interpreto) :

Sob um monturo formado por  restos de folhas amarelas  que já foram verdejantes na primavera, de cacos de vidro que já foram garrafa de vinho a brindar um Ano Novo e de farrapos desbotados que já foram trajes  de festa , sob tal monturo que a natureza recolheu sem lamentar-se pelo que já foi e passou , uma semente que ali estava sufocada despertou, pois furou a noite do monturo um raio de sol que ali entrou, transformando o monturo de túmulo em casulo.

"Poeta é ser que vê semente germinar", ensina Manoel.  Da semente libertou-se um pequeno caule que se enroscou no raio de sol e por ele foi subindo. À medida que subia, do caule nasceu um broto, depois uma folha tateante,  como se fosse mão escavando.

Uma linha de fuga então  foi-se desenhando, na força de uma vida nova a transpassar  o passado de coisas mortas.

Partejando a si mesmo e inventando uma saída, nasceu do monturo um reluzente lírio.

 



 

Trecho do filme "Língua de brincar", de Gabraz Sanna:



quinta-feira, 14 de novembro de 2024

tordos...

 

Hoje me lembrei  de uma belíssima aula do professor e filósofo  Cláudio Ulpiano na qual ele narrava algo extraordinário que fazia não um poeta , um educador ou  um pensador , mas a reunião de um poeta, de um educador e de um pensador   num único ser alado e canoro: o passarinho tordo.

Quando vem o fim da tarde, esse poeta da natureza sobe ao galho mais elevado de sua árvore e canta para o sol que lhe dera um dia. É um canto de resistência  e afirmação da vida, um canto de “Amor Fati”, seja o que for que tenha acontecido naquele dia.  

Quando o sol se põe , na borda do céu perto do horizonte tudo fica colorido de púrpura. O púrpura nasce da composição da cor azul, a cor dos “celestamentos” ( diria   Manoel de Barros) , com o vermelho, cor do sangue ( não enquanto este é derramado na violênci4 e b4rbárie, mas quando corre nas veias e irriga o corpo de oxigênio  e vida ).

É um canto belo e potente, porém misterioso : os biólogos não conseguem explicar por qual razão o tordo canta esse canto. Como um poema, o canto  não tem finalidade utilitária, porém  desperta finalidades mais elevadas; feito uma aula de filosofia, o canto nada serve aos que só se interessam por “fórmulas” e “tabuadas” , uma vez que  ele faz pensar para além das ideias limitadas.

Além disso, quando o tordo assim canta, ele corre riscos. Pois soturnas aves de rapina ficam  à espreita para predar o tordo-pensador-artista. Mesmo correndo  riscos, o tordo não se cala e , cantando, se horizonta ao céu-púrpura aberto e ilimitado. E quem o ouve, se horizonta também.

E  a lição maior do que Cláudio nos dizia , também a encontrei depois sob a forma de versos , quando Manoel de Barros escrevia: “Inventar uma tarde a partir de um tordo”. Inventar uma tarde púrpura e horizontada, uma “linha de fuga”,  sobretudo quando a treva nos circunda.

Hoje, 14 de novembro, é o dia de nascimento de Cláudio Ulpiano . Tive a alegria de ter sido seu aluno . Este texto é uma pequena homenagem  a Cláudio, cujas aulas são  verdadeiros cantos de tordo que  horizontam caminhos.

Como ensinava Cláudio: “Só a boa metáfora pode dar ao estilo uma espécie de eternidade.”

Viva Cláudio Ulpiano!




 

 

sábado, 9 de novembro de 2024

Beatitude

 

Midas era um homem que alimentava por dentro uma ambição desmedida por posses , dinheiro e  poder.

Querendo aparentar ser o que não era, certa vez Midas  ajudou um homem em dificuldades , e a essa ajuda Midas  deu grande publicidade, querendo dela extrair popularidade. 

Parecia que ele se preocupava com o outro, mas na verdade ele estava usando o outro como meio de obter fama, prestígio.

Dioniso viu Midas ajudando o homem em dificuldades , pensou que ele agia por  genuína bondade  e quis recompensar Midas dando-lhe o poder de realizar seu mais íntimo desejo. É no que mais se deseja que cada um revela como é por dentro.

Midas então revelou em seu pedido o quanto era pobre interiormente: seu desejo era que virasse ouro tudo o que tocasse. Midas imaginava que assim teria a felicidade.

Dioniso compreendeu que Midas não era por dentro como aparentava ser por fora. Mas realizou seu mesquinho desejo, pois sabia que dali viria uma lição, ainda que dolorosa.

Assim, sob o toque ganancioso de Midas viravam ouro  a colher, a mesa, a cadeira, o copo...Mas viravam ouro também , uma estátua de ouro, alguém  que ele abraçava, o cão que ele afagava, o passarinho que vinha pousar na sua  mão...

 Para seu desespero, igualmente  virou estátua de frio ouro seu filho  pequeno que ele pegou no colo . Depois, viravam ouro  a água, o arroz, a carne, a maçã, o pão...antes que Midas pudesse matar a fome e saciar a sede.

Sentindo-se o mais miserável dos homens, Midas  então chorou, e de longe eram ouvidas  suas lágrimas quicando no chão como moedas.

Midas descobria assim  que a loucura por acúmulo é a pior  das carências...Então, ele busca  Dioniso e pede uma  cura para aquela  pobreza de apenas no ouro ver riqueza.

Dioniso conduz Midas até um rio que passava perto de uma aldeia pobre e o lava no fluxo de suas águas.   O rio ficou repleto de pepitas de ouro  que Dioniso partilhou com  os necessitados.  Midas enveredou por  uma estrada e sumiu...

Passou o tempo,  todos pensavam que Midas já   estivesse   morto. Até que um dia ele retorna. Vestia-se parecendo um andarilho, tinha a companhia de um  cãozinho  vira-lata e estava pousado em seu ombro um passarinho como se ali fosse um ninho.

Midas se mostrava  simples por fora, mas por dentro parecia enfim rico. Tal  riqueza vinha da cura que lhe fez Dioniso, que escondeu uma das pepitas no peito de Midas  , e de ouro se tornou seu coração renascido solidário.

Midas agora parecia ter aprendido,  praticando-a, esta lição de ouro de Espinosa: "Nossa suprema felicidade consiste em realizar apenas aquelas ações que o amor e a generosidade nos aconselham". (Ética, Parte Dois, proposição 49, escólio)

 

( Na Ética de Espinosa, recebe o nome de “beatitude” a riqueza que nasce do conhecimento que se partilha para  potencializar a vida. Em  Manoel ,  beatitude é empoemamento ,  poesia emancipadora ) 






 


Riqueza autêntica não é o número estampado na cédula do dinheiro, riqueza verdadeira é   o papel de que é feita a cédula, papel esse que veio da árvore como parte de uma floresta. Riqueza de verdade  não é o número na moeda, mas o níquel de que ela feita, níquel que foi retirado do seio da terra.

Riquezas autênticas são o trabalho produtivo, o conhecimento, o afeto, os rios, os mares, as florestas, o tempo...Na criança que nasce, o tempo é a riqueza da vida futura; no idoso, o tempo é a riqueza da vida vivida.

Os juros são a comercialização do tempo, a vida transformada em negócio financeiro . Ao emprestarem um valor hoje para cobrarem  sobre  ele   15%  ao mês ou 340% ao ano de ganho e lucro,  mês e ano  se tornam a mercadoria que os bancos e financeiras se acham os proprietários. Mês e ano são medidas do tempo. E  tempo é vida. Assim , é da nossa vida que se trata: eles a compram de nós  e eles mesmos a vendem para nós, lucrando abusivamente com esse comércio infame, como no passado no qual seus antecessores históricos  escravizavam seres humanos e os comercializavam.   

Hoje, os bancos e a mídia financiada por eles pressionam o governo por cortes na educação e na saúde, alegando estarem preocupados com a dívida pública. Mas , ao mesmo tempo, pressionam pelo aumento  da taxa de juros abusivamente  , cujo efeito perverso imediato é aumentar exatamente a tal a dívida pública do governo , que se vê obrigado assim a cortar gastos públicos   , para assim pagar a dívida pública da qual os bancos são os principais recebedores...

O efeito calculado disso é tentar inviabilizar o governo, tornar impossível o cumprimento de suas promessas no campo social, o que leva à insatisfação das camadas populares com a política , fazendo crescer a base social das igrejas fundamentalistas , que inoculam nessa mesma população a ideologia da “prosperidade” , que é a mesma ideologia dos bancos, de tal modo que o dogma do carrasco  se torna o mesmo que o da sua vítima...

Como ensinava Espinosa, em situações assim a maior riqueza, a mais necessária, é a indignação, desde que ela saia da reatividade individual-privada e ganhe o  espaço público, tornando-se voz ativa  em ação.


quinta-feira, 7 de novembro de 2024

geofilosofia

 

A ideia de que o Brasil é um país “em desenvolvimento” é sempre colocada em oposição a duas outras espécies de países: os já “desenvolvidos” ( Europa e EUA) e os “subdesenvolvidos” ( África e América Latina, sobretudo).

O Brasil estaria no “meio”, como se o mundo  fosse uma fila :  quem está no meio dela , como nós,  deve olhar para frente, seguir o “líder”, e não olhar muito para quem está atrás, mesmo que sejam nossos irmãos. 

Essa visão nasceu da “ideologi4 do progresso”, que colocou a Europa e os EUA como modelos de sociedade  a serem seguidos.

Essa ideologi4 vende a ilusão de que se seguirmos os líderes um dia chegaremos aonde eles estão.  Mas será que os países que são hoje desenvolvidos um dia foram subdesenvolvidos?

O que caracteriza os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos é que eles foram objeto de exploração colonialista, incluindo  a escravidão.  Já a maioria dos países chamados  desenvolvidos foram aqueles que exploraram, como colônia,  os que hoje são subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Os EUA foram colônia no passado, mas os explorados eram sobretudo os negros que lá viviam.  

A visão de que a história das sociedades é uma fila rumo a uma realidade  na qual  a Europa e os EUA já estão, essa visão aliena os povos da América Latina de se verem lado a lado e ameaça a existência dos povos indígenas ( cujas terras são  um obstáculo à exploração econômica , impedindo o tal “progresso”).    

Devemos suspeitar da história euroestadunidense centrada  e redescobrir a geografia política. Ou, como diz Deleuze, a geofilosofia.

A geofilosofia  nos põe  diante do plano horizontal de  nossas vizinhanças, e nos faz  ver que não temos futuro se extinguirmos nossos ancestrais e suas florestas .

 Os países desenvolvidos não são nosso futuro, na verdade alguns deles são aqueles que nos roubam a possibilidade de  um futuro, o nosso e o de nossa vizinhança.  Inclusive,  o tal líder do “mundo desenvolvido”  colocou um muro farpado medieval  em suas fronteiras  para manter seus vizinhos pobres à distância...

 A geofilosofia nos mostra que a ideologi4 do progresso euroestadunidense centrada, hoje reforçada  pelo culto fundamentalist4 da  “prosperidade”, essa ideologi4 sinistr4   escamoteia um presente predador que ameaça o futuro  do próprio planeta  .

 Creio que a resistência a esse quadro passa  pela formação de blocos-alianças e agenciamentos de países    e povos que se reconheçam vizinhos na construção de um mundo  pluri e multipolar.

Nossa referência não deve ser EUA ou Europa, mas as aldeias dos nossos  povos originários como espaços integrados à Natureza, a mesma de que fala Espinosa.


Acordei hoje me lembrando desses versos de Maiakóvski:

“Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.
Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?

O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las.
Rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.”

 

( este livro é apenas uma sugestão)






Trecho do filme "O declínio do império americano":






Trecho da música : “Com Deus do nosso lado” ( de Bob Dylan):


“O país do qual eu vim

Se chama Meio Oeste

Fui ensinado e criado lá

Para as leis obedecer

E a terra em que eu vivo

Tem Deus do seu lado

 

Oh,os livros de história contam

Eles contam isso tão bem

O ataque da cavalaria

Os índios que caíram

O ataque da cavalaria

Os índios que morreram

Oh,o país era jovem

Com Deus ao seu lado.

 

A Guerra Hispano-Americana

Teve o seu dia

E a Guerra Civil também

Logo se foi

E os nomes dos heróis

Que fui obrigado a memorizar

Com armas em suas mãos

E Deus ao seu lado.

 

A Primeira Guerra Mundial,rapazes

Ela veio e se foi

A razão para a luta

Eu nunca consegui entender

Mas eu aprendi a aceitá-la

Aceite-a com orgulho

Pois você não conta os mortos

Quando Deus está do seu lado.

 

A segunda Guerra Mundial

Chegou ao fim

Nós perdoamos os alemães

E então,nós éramos amigos

Embora eles tenham assassinado seis milhões

Nos fornos que eles fritaram

Os alemães agora também

Tem Deus ao seu lado.”

 


segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Os afetos em Espinosa

 

                                     OS AFETOS EM ESPINOSA[1]

 

Segundo Espinosa, são três os afetos originários: o desejo, a alegria e a tristeza. Depois Espinosa acrescenta mais dois afetos básicos: o amor e o ódio. O amor e o ódio vêm depois porque eles são afetos que dependem de objetos, ao passo que alegria e tristeza são processos internos ( por isso , são chamados “paixões”: paixões alegres e paixões tristes). O desejo, a alegria, a tristeza , o amor e o ódio: esses são os afetos principais dos quais todos os outros afetos decorrem . Alegria e tristeza, amor e ódio formam pares antagônicos, porém o desejo é único, ímpar.

Espinosa também diz que “O desejo é a essência do homem.” Essa essência varia aumentando ou diminuindo , se potencializando ou se despotencializando, conforme a existência que levamos. A essência ( o desejo) expressa nossa singularidade, enquanto  que nossa existência se traduz nos encontros que fazemos. Amor e ódio são afetos nascidos dos encontros , encontros esses que aumentarão ou diminuirão o nosso desejo, a nossa essência. Os bons encontros geram amor e alegria: o desejo se intensifica;  os maus encontros acarretam ódio e tristeza: o desejo se enfraquece. Como o desejo é vida, é a vida que é aumentada ou diminuída conforme os encontros que fazemos. A tristeza e o ódio não fazem parte da essência , pois a essência é o desejo.

Porém, como a essência em Espinosa não vive apartada da existência ( como acontece em Platão e no restante da filosofia), a tristeza e o ódio podem enfraquecer a tal ponto o desejo que este pode até mesmo desejar se submeter à tristeza e ao ódio, como se esses fossem sua essência, gerando assim a servidão. Contudo, Espinosa não demoniza a tristeza e o ódio, tais afetos fazem parte da existência humana, eles não são “pecados” , nem mais fortes que a alegria e o amor. A tristeza e o ódio fazem parte da existência humana tal como os relâmpagos e as tempestades fazem parte da existência do céu.

 Mas o céu não é só relâmpago e tempestade, o céu também pode ser de azul claro e translúcido: o céu também pode ser  de alegria. Em latim, “desejo” é “cupiditas”: “relativo a Cupido”. Diferentemente do “Eros” grego, que abandonou  Afrodite (o corpo) para ficar apenas com  Psiquê ( a alma), o Cupido latino é , ao mesmo tempo, alma e corpo ( e os une).

O amor não é a ausência do ódio, nem a alegria é a ausência da tristeza.  O ódio é a despotencialização do amor, sua ausência em relação a si mesmo, o seu colocar-se do avesso. A  tristeza é  a despotencialização da alegria tendo como causa o enfraquecimento do desejo. São a alegria e o amor que explicam a tristeza e o ódio, pois a tristeza e o ódio não se explicam por si mesmos.

Segundo ainda Espinosa, somente um afeto afirmador da vida pode vencer um afeto que a enfraquece. Os raciocínios são importantes, porém não é racionalizando a tristeza e o ódio  que se pode vencê-los, pois os afetos também se enraízam no corpo, e o corpo é infenso a raciocínios.

Quando a gente compreende as razões de existirem a tristeza e o ódio ( e compreender é mais do que racionalizar,  teorizar ou julgar), dessa compreensão nasce uma alegria que vence a própria tristeza que nos impedia de pensar e agir.



[1] Texto elaborado pelo prof. Elton.



Este livro é apenas uma sugestão: