O pensar filosófico nasceu antes da
própria filosofia. Esse pensar nasceu com os pré-socráticos. Os pré-socráticos
não eram ainda filósofos, porém já não eram mais poetas, como Homero e Hesíodo.
Esse “entre” a poesia e o conceito, entre a criação e o pensamento, é o lugar
no qual o pensar filosófico nasceu. Os pré-socráticos sempre evocavam as Musas
para inspirá-los a alcançarem a “Aletheia”. “Musa” significa: “conhecimento que
vem das artes”, isto é, da sensibilidade. As Musas simbolizavam a música, o
teatro, a dança, a poesia...Os primeiros pensadores evocavam o auxílio das
artes para que neles nascesse o pensar criativo. A palavra “Aletheia” vem de
“lethes”, que era um rio cujas águas produziam esquecimento em quem bebia de
suas águas. “Aletheia” é : “não-lethes”, isto é, “não esquecimento daquilo que
não pode ser esquecido” . A Aletheia era uma força que nascia dentro do
pensador, tornando-se pensar ativo que vencia o esquecimento do que era a
justiça, o homem, a natureza, o cosmos, o amor...Aletheia era a lembrança de
que essas realidades não existem se não forem criadas. Assim , o pensar
filosófico evocava as Musas para nascer dentro dele uma força criativa como
instrumento potencializador da vida, ao passo que a “doxa” ( ou opinião) é a
palavra destrutiva que nasce da boca daqueles que se embebedaram com lethes,
também conhecido como “o rio da morte”, morte enquanto esquecimento daquilo que
nos faz humanos.
Os pré-socráticos escreviam sob a
forma de poemas. Mas o conteúdo desses poemas já não era Zeus, Atena, Hermes, Poseidon,
o Olimpo...O conteúdo era a Terra, a Água, o Fogo, o Ar, enfim, a Natureza, o
Cosmos. Quando a filosofia nasceu com Platão, a razão masculina veio tomar o
lugar das Musas, porém não as exterminou . As Musas são Imortais. A filosofia
ortodoxa abandonou a forma do poema e adotou a forma da prosa. Ao invés de
evocar as Musas, Aristóteles evoca a fria Lógica.
Mas o pensar poético-filosófico não
morreu. Subversivo, ele aprendeu a colocar alma poética na forma da prosa, para
assim criar novas lógicas e novos pensares não falocráticos, trazendo de volta
a potência libertária das Musas. Quando lemos Plotino, Nicolau de Cusa,
Giordano Bruno, Espinosa, Nietzsche, Deleuze, Foucault...reencontramos aquele
pensar poético inaugural, mas que agora reinventou as Musas como devir-terra e
devir-feminino.
Poesia não é a mesma coisa que poema.
Poema é uma forma, já poesia é um conteúdo que pode até mesmo vestir-se de
prosa, para assim potencializar o conceito e as ideias. Tal como entre os
pré-socráticos, o desafio hoje ainda é o mesmo, porém muito maior: reinventar
Aletheia, vencer as forças obscurantistas da doxa , para assim não esquecermos
daquilo que nos torna o que verdadeiramente somos.
“É preciso transver o mundo.” (Manoel
de Barros)
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