quarta-feira, 31 de dezembro de 2008
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
Mínimas XXXIII
Aumentei meu corpo,
embora diminuindo-lhe a sombra,
pois por dentro fiz crescer a luz da alma também.
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Minha alma é o espelho
no qual se mira o amanhã , sem rosto ainda.
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No armário do ontem
permanece ainda guardada
a ação que a vontade não ousou vestir.
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O futuro é um trem que ao presente chega,
mas sem ter o passado vê-lo partir.
***
Uma facada me deu a saudade:
do meu coração sangrou Cartola.
sábado, 4 de outubro de 2008
No avesso da palavra
pode-se ver qual sentimento cerziu suas tramas .
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Pela eternidade não se espera,
tampouco pode ela passar.
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A memória da cor
nunca se esquece do que torna eterno
os dias felizes.
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Sorrimos nos retratos em agradecimento ao tempo,
que deixou conosco um instante seu ficar.
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Só quando passa o tempo é que vemos
a quais palavras nossas ações foram fiéis.
***
O holofote da lua
sempre me acha ,
sobretudo quando em mim mesmo fico no escuro.
Máximas XXXII
Melhor sabe despertar
quem pela manhã abre os olhos
como se fosse pela vez primeira.
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Os erros são o melhor adubo
para quem aprende para além de si crescer.
***
Dentro da criança se esconde o anjo;
dentro do adulto se esconde a criança;
dentro do idoso se esconde o adulto;
e de dentro do idoso voa o anjo,
pondo fim à brincadeira.
***
Enquanto lhe estendia a mão direita,
com a esquerda me agarrei onde a morte não alcança,
para assim levantar nós dois.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
Mínimas XXII
Ando necessitado de cores,
mais do que de arroz e feijão.
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Nutre-nos mais o poema
que junto se fez com o pão .
***
O Destino não deixa a alma escolher o caminho sozinha.
O Acaso diz que é igual qualquer caminho que a alma escolha.
Mas só a Arte dá ao Acaso do caminho o andar que se fez Destino.
terça-feira, 19 de agosto de 2008
segunda-feira, 4 de agosto de 2008
segunda-feira, 28 de julho de 2008
terça-feira, 22 de julho de 2008
Mínimas III
Nietzsche acreditava nas estrelas como divindades:
a luz que emanam bendiz todo caos.
O Deus de Descartes era a Régua:
no altar da Retidão,como vítima,
ele queria que fosse sacrificado o coração .
Platão invejava os pardais:
e como tais assobiou na palavra.
Como criança assaz curiosa,
Aristóteles queria desmontar toda a natureza,
ao preço de se perder o divino brinquedo.
Espinosa dava aulas sem dizer palavra:
de coração a coração se falava e se escutava.
Mínimas II
As ações são obras que se perdem
se nos detemos muito no esboço delas.
O bom livro é para ser lido com o ouvido.
Ao sutil vê quem é amigo das cores.
Não guarde palavras em sua alma:
são bagagens que limitam a viagem.
No desenho da criança
o inconsciente nos fala seu idioma.
Esquecer é aprender a viver de novo.
Ao seguirmos os passos do tempo na areia,
o tempo é o mesmo vento que apaga os passos atrás.
O melhor conselho é ação que se dá de presente.
Vive mais quem sabe ver as horas no coração.
MÁXIMAS MÍNIMAS
Mínimas I
O dia amanhecendo
na criança sorrindo se espelha.
A melhor maneira de ver no escuro
é mantendo a alma acesa.
A maior força não nasce do músculo,
mas do invisível impulso que pôs o coração a bater.
Pelo aroma da flor
a terra se transubstancia em alma.
Os sonhos são fronteiras que se apagam
assim que as atravessamos.
A insubmissão como meio;
a arte como fim;
o coração como princípio.
Só deve frutificar na boca
a palavra cuja semente na ação se plantou .
Amadurece-se não só na vida,
mas também na forma de expressão.
Há mais estrelas que mil vezes mil
todos os grãos de areia.
Estenda a mão como uma corda caída do céu.
O sol não tem memória do brilho que ontem fez.
O caminho para ir e o caminho para vir
não conhecem os mesmos pés.
Só as idéias que em visita passam pela nossa alma
podem nos trazer notícias de onde se esconde o Ser.
Quando um amigo lhe abre a casa
somente a entre se na porta deixar toda arma.
Ver seu próprio rosto na face do estranho
torna próximo o mais distante.
Os dias, os meses e os anos passam...
Mas nunca passa a eternidade.
sexta-feira, 27 de junho de 2008
quarta-feira, 25 de junho de 2008
DOS AFETOS
O amor de Pigmaleão dera vida à estátua;
o medo dos homens faz os fantasmas baterem à porta;
a inocência da criança torna a bola do tamanho da terra azul.
A alegria de Espinosa punha Deus em todas as coisas;
a desconfiança de Descartes supunha o fel no beijo das moças;
a modéstia de Epicuro era cega para a coroa que lhe ia sobre a cabeça.
A confiança da rosa, quando se abre, torna amiga a natureza inteira;
a generosidade da mangueira dobra até mesmo a mais avara terra;
a fragilidade da orquídea faz divina a sua feminina beleza.
sábado, 21 de junho de 2008
As maiores verdades não são ditas
em palavras:
a cor, não a forma,
diz pela manhã a saúde da hora.
O tempo não é um velho,
mas uma criança:
dentre os seus vários brinquedos,
o sempre novo é a esperança.
Sabe-o quem com generosidade observa:
a parte da casa onde os deuses moram
não é a sala,
mas a janela.
Ao estender a mão para ajudar,
mantenha-a aberta para o cumprimento:
quando aquele que sofre a pegar,
puxe até pô-lo de pé diante do sofrimento.
quarta-feira, 11 de junho de 2008
O GATO E O ECLIPSE
Somente o gato,
misterioso que é ,
compreende o eclipse
e sob ele constitui sua fé:
enquanto os homens vêem no eclipse a lua ocultada,
no mesmo eclipse o gato vê a terra revelada:
naquela tela branca , em meio ao breu,
ele também encontra sua morada.
Livre, vagabundo, marginal ,artista...
acompanha o gato apenas sua própria sombra esguia:
esgueirando-se, malabarista, pula o gato da terra à lua,
e para todo o universo , seu único dono, ele mia.
sábado, 7 de junho de 2008
sexta-feira, 30 de maio de 2008
O UTILITARISMO
A lua se foi.
Se volta, não disse a ninguém...
Desde então, choram as crianças por terem nascido;
enquanto os poetas, para escreverem,
não encontram motivo:
sofre o amor, cada vez menos vivo.
Dizem que a lua se foi magoada.
A magoou a humana empreitada
que , após pôr os pés sobre ela,
nela afixou a placa:
“Vende-se essa pedra que não serve para nada”.
quarta-feira, 28 de maio de 2008
O TERREMOTO
Por onde andava, não posso mais andar.
O que eu via se desfez.
A estrada reta fez-se curva:
e sinuosa, serpenteando, se quebrou.
O sólido fez-se pó a sumir.
A fruta não caiu, voou daqui.
Meus pés dançaram e não havia música.
Meu coração disparou sem eu estar a correr.
O horizonte mais parecia um muro a cair,
enquanto tudo a fugir soltava sua raiz do chão:
as rezas não eram mais ouvidas,
pois o próprio Deus tapou os ouvidos,
para não ouvir a terra rugir feito um leão.
Mas em meio a tanta desolação,
quando menos se esperava,
o inimigo me estendeu a mão,
e como irmão me ajudou a reconstruir
a casa.
terça-feira, 27 de maio de 2008
FIM DA INSÔNIA
A luz do quarto estava apagada,
mas não a da preocupada alma:
de um lado para o outro na cama eu rolava,
enquanto as horas pingavam da torneira do tempo.
De repente,
como se viesse por si própria,
e não porque eu a evocasse,
a vida vivida retornava:
o passado vinha dar sentido ao meu presente.
Abertas as portas da memória,
dela primeiro saiu pepita,
tal como era:
a pequena cadela ,
preta e amarela,
deitou-se aos meus pés
e me acalmou.
Depois, veio minha avó:
trazia um prato com feijão
que só ela sabia fazer para me curar.
Vieram as ruas de minha infância,
os campos de pelada,
e até mesmo a extinta chuva ressuscitou
para de novo sob ela eu brincar.
Novamente, vi Rosinha na janela...
Queria confessar-me a ela,
mas passei fingindo que não a via:
quando me virei, ela para mim sorria.
Por fim, duas mãos suaves se puseram
sobre meus olhos.
E com os olhos do preocupado adulto
assim fechados,
quando por fim as mãos do sono se retiraram,
foram os olhos do sonho que enfim abri.
O QUE DIZEM OS FILÓSOFOS
( e que não está nos livros)
Kant dizia que o sangue, antes de passar pelo coração,
vem carregado de impurezas que somente a amizade pode filtrar.
Platão acreditava que é somente quando a alma se procura no espelho do céu, e neste se reflete, que ela se pode ver mais bonita.
Aristóteles ensinava que no amor os braços se movem à semelhança de asas,
o que comprovaria a tese de que um dia o homem voou.
Espinosa dizia que somente o artista, quando ao novo cria, compreende o desejo de Deus.
Pascal professava que quem não sabe rir de si mesmo jamais entrará nos templos do céu.
Nietzsche escreveu com o dedo, nas areias da praia , a única verdade em que acreditou:
soube o mar , antes de todos, a tal verdade ( e, lambendo-a, para si mesmo a guardou).
Heráclito dizia que só devemos crer nas crianças.
E aprender com elas que a brincadeira está não só no criar,
mas também no destruir,
desde que no coração somente haja inocência.
AS ESTRELAS E OS VAGA-LUMES
Quando nadam sob as águas,
tendo acima uma noite estrelada,
por vezes os peixes olham para cima .
Refletidos na tona d’água,
tremeluzem os distantes astros,
atraindo a atenção dos peixes que os observam.
Pensando se tratarem de vaga-lumes,
pois assim lhes cegou o costume,
os peixes sobem para abocanhar fantasmas.
Cego assim também é o homem,
quando reduz o mistério infinito
à humana medida nascida no avesso do seu olho.
segunda-feira, 26 de maio de 2008
Abriu-se a janela.
Mas antes da janela,
estava aberta a porta.
Antes da porta,
estavam abertas as mãos.
Antes das mãos,
estavam abertos os olhos.
Antes dos olhos,
estava aberto o coração.
E através dele,
mansamente,
um pardal em mim entrou:
colheu as sementes do meu sonho,
e para suas crias,
no ninho,
retornou.
o concurso público
CONCURSO PÚBLICO PARA DECÊNCIA SUPERIOR
Estou prestando concurso público para pombo.
Acho que tenho sérias chances de aprovação,
pois a banca é composta apenas por anjos,
e sempre tive queda para voar,
mesmo com os pés no chão.
A prova teórica consiste em:
dissertar assoviando acerca dos limites da razão.
A prova prática consiste em:
ir buscar no céu o que sinceramente quer meu coração.
O ESTÓICO
Marco Aurélio,
do alto do seu Império,
certa vez desviou um exército inteiro
para não pisar em uma formiga.
Ele bebia com seus escravos
e com estes aprendeu a rir.
E um menininho mestiço,
sempre por ele aos cuidados,
por diversas vezes era visto com seu cajado
― e de ser Rei , com o Rei, brincava.
Marco Aurélio escrevia à noite;
e ,de manhã ,seus olhos vermelhos
freqüentemente denunciavam que o Rei não dormira.
No meio de uma batalha,
por vezes acompanhava, com os olhos,
pássaros a voar para longe.
Imediatamente largava então a espada
e corria à tenda para anotar uma reflexão.
Dizia que seu maior escudo era o coração
e que enquanto permanecesse atrás dele
nenhuma batalha estaria perdida.
Ouvia como um amigo;
falava como um simples;
agia como um sábio;
e escrevia como quem sara uma ferida.