Dispo-me das roupas de cima. Dispo-me das roupas de baixo. Prossigo ainda me despindo da pele, da carne, do sangue, dos ossos, dos nervos... E assim, com a alma nua em pêlo, com frio e saudade, mas sem medo, saio à rua para enfrentar a tempestade.
A
utopia é uma maneira questionante, não passiva, de se relacionar com o lugar. Como
se sabe, "topos" significa, em grego, "lugar". Assim
compreendido, o lugar não é apenas uma parte do mundo físico, pois há lugares mentais, desejantes, incorporais,
nos quais nunca se pode estar, apenas
acontecer, devir. As palavras "estátua", "estático",
"estar" e "Estado" se originam de um mesmo termo latino, stare , que significa
"parada". Como dizem Deleuze e
Guattari (1992), a etimologia é o atletismo do filósofo. Ela é um
exercício do pensamento que nada tem a ver com as semânticas do dicionário,
pois se trata de encontrar o acontecimento que dá origem às palavras, agramaticamente. Desse modo, há lugares
que são de parada, como o é também um túmulo; são lugares de poder e de morte,
enfim. Mas há lugares que são de processos, de devires, de metamorfoses, de
agenciamentos. Os lugares de parada podem ser circunscritos por contornos ou
limites, ao passo que há lugares, lugares
quaisquer, cujas fronteiras são limiares em vizinhança com outros lugares deles diferentes.
É sempre com a utopia que a filosofia
se torna política (..): ela [a utopia] designa etimologicamente a
desterritorialização absoluta (..). A palavra empregada pelo utopista Samuel
Butler, “Erewhon”, não remete somente a “No-where”, ou a parte Nenhuma, mas a
“Now-here”, aqui-agora. (DELEUZE;GUATTARI,1992, p. 130).
A geometria euclidiana pensa o lugar como algo que mora dentro de uma cerca, de um
limite determinável; já o lugar da utopia cresce à medida em que ousamos
habitá-lo: são lugares que crescem conforme crescemos, tendo a liberdade como
tamanho.A utopia compreende um lugar ligado umbilicalmente à Terra,
o infinito. O lugar, o topos, expressa um "aqui"; já o "u"
de "utopia" significa um "agora". Erradamente se traduz
"utopia" como "não-lugar", dando à partícula "u"
a função de negação ou privação. A "utopia" é um "aqui-agora":
de tal modo que é no agora que podemos libertar o aqui de seu imobilismo, mas
também é no aqui que podemos pensar o que desejamos ser a partir de agora , e
não a partir de amanhã...O aqui-agora
não é espera, não é esperança: é liberdade em ato, ato da potência, no espaço e
no tempo. Todavia, não se trata de um espaço meramente físico, ou de um tempo
tão somente cronológico.É um espaço de criação que pede um tempo que é de
ruptura, de inovação.
Do ponto de vista físico, os lugares
são simultâneos: eles estão dados, sem sucessão, em um mesmo presente
histórico, cada um com sua respectiva identidade. Do ponto de vista da utopia,
os lugares são coetâneos: eles
co-existem e se conectam, pela diferença. A coetaneidade dos lugares utópicos:
espaços de rizoma e heterogênese. Do ponto de vista da física social,
estudantes, trabalhadores, artistas, negros, brancos, homossexuais,
heterossexuais, favelados, intelectuais, etc., ocupam lugares euclidianamente
estanques,molares, delimitados que são por contornos
determinados, muitas vezes construídos com arame farpado, dado que um Paradigma
os segmentaliza. Da perspectiva da coetaneidade
da utopia, esses lugares se abrem e se comunicam pela experiência de um agora
que faz do aqui o espaço comum daqueles que, em devir-minoritário, sintagmático, desejam criar agora um outro lugar
que seja aqui, e não em outra vida ou em outro mundo. Como dizem Deleuze e
Guattari, " a revolução é a apresentação do infinito no aqui-agora : a
revolução é a desterritorialização absoluta no ponto mesmo em que esta faz
apelo à nova Terra, ao novo
povo" (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.
131).
Os que nascem em um mesmo lugar se
reconhecem chamando-se reciprocamente de "conterrâneos":os que têm
"uma terra em comum", um mesmo natal.Como
desterritorialização absoluta, a Terra
de que falam Deleuze e Guattari não se confunde com um território ou Estado.
Somente afirmando essa Terra é que
nos tornamos conterrâneos de tudo o que é vivo, e nos reconhecemos pela
Diferença que escapa a toda recognição, uma vez que nosso natal é a terra incognita: esta
terra está onde se afirma uma linha de
fuga. A célebre pergunta de Espinosa, “o que pode um corpo?”, mais do que
pretender uma resposta, ela nos quer pôr diante de uma incógnita.Toda potência
é uma incógnita.
A afirmação da Terra é dupla: ela implica a coetaneidade
dos lugares vividos como lugares de
diferenças em conexão e agenciamento para instituir o comum, e supõe também a
experiência de um devir planetário que nos torna conterrâneos por aquilo que
criamos e ousamos, contra todo fascismo e apequenamento da vida.A Terra
é sempre terra incognita: “o que se estabelece no novo não é
precisamente o novo, pois o próprio do novo , isto é, a diferença, é provocar
no pensamento forças que não são as da recognição, nem hoje, nem amanhã,
potências de um modelo totalmente distinto, numa terra incognita nunca reconhecida , nem reconhecível” (
DELEUZE, 1988, p. 224). Esta terra incognita é a Terra
que nos torna conterrâneos da criação , e que invoca um povo que não deve ser
reduzido a uma realidade pertencente a
um território psicossociológico. O povo
é um agente coletivo que povoa sem padronizar ou segmentar. O povo não é
maioria, ele é um devir-povo sempre minoritário. O filósofo não fala por
esse povo ou no lugar dele, o filósofo fala diante dele, ele “fala na frente”[1].
[1] A
expressão “fala na nossa frente se você tem coragem” , não tem por alvo exatamente
enunciados duvidosos que se quer combater; diferentemente, essa expressão
também expressa o desejo de constituição de um lugar coletivo como coragem de
um devir-verdade.Sobre a “coragem” como virtude filosófica, mais potente
do que a “philia” : Michel Foucault, Le
courage de la vérité, Paris, Gallimard,2009 ( especialmente a referência a
Espinosa , que não define a filosofia como “philia”, mas como “emendatio do intelecto” e “salut”: emendatio, ou correção, do instrumento, o seu perseverante “polimento”,
para que assim alcancemos a salut,
cuja tradução adequada é “saúde”, e não “salvação”, daí o aspecto “crítico e
clínico” que deve acompanhar um modo de vida
filosófico).
- Levante a cabeça.
- Desculpe , não entendi...
- Nunca olhe para o chão.
- Por quê?
- Os olhos podem se acostumar. E olho acostumado ao chão desaprende de ver.
- Mas sempre me vejo indo na direção contrária a que todos vão.
- Não se acha mais sozinho quem aprende a fazer-se companhia.
- E se a pessoa está perdida?
- Se estiver perdida à maneira de uma criança que se afastou dos pais, deve
ficar quieta para ouvir, mesmo que no meio de uma multidão, a voz que a chama
de longe , e que vem dos pais; se estiver perdida à maneira de alguém que não
sabe para onde vai, é a outras vozes que deve aprender a ouvir, e mesmo a voz
de um estranho pode soar familiar.
- E se a pessoa for surda?
- Mas , de certo modo, quem não é?
- Como então ouvir?
- Não raro, a surdez está no ouvir. Há os que somente ouvem as vozes que vêm de
baixo, e ainda há alguns outros, muito poucos, que conseguiram ouvir as vozes
que vêm do alto.
- E qual voz fala com mais sentido? Qual é apenas delírio?
- Isso depende do ouvido que temos. Essas vozes falam dentro da nossa alma.
-Do que fala uma e do que a outra?
- A voz que vem de baixo é puro peso, e para baixo puxa a alma. É a voz da
queda, do tombo. É a voz do que não aceita que estejamos de pé. Mas ela só é
ouvida quando nela crê nosso ouvido.
- E a voz do alto?
- É uma espécie de canto que ouvimos quando dentro de nós faz silêncio. E ao
ouvi-la, impossível não cantar também. E uma alma que canta não morre. Muitos
ouviram essa voz de forma diferente, de acordo com o ouvido que tinham. Embora
muitas maneiras há de ouvi-la, essa voz porta, no entanto, um único sentido.
Mozart a traduziu no piano; Cézanne a entendeu nas cores das tintas; Gandhi a
pôs em suas pernas e braços, e nunca mais se cansou de fazer o bem ; São
Francisco a ouvia nos pardais ;Visconti a entendeu sob a forma de luz; Pessoa
se tornou muitos ao pô-la em sua poesia tão única; Espinosa a trouxe ao coração
para ser sua conselheira ; e Plotino a tudo compreendeu quando aprendeu que a
tal voz do alto é escada por onde tudo sobe.
- E sua voz, de onde vem?
- Não posso ter certeza de onde ela vem, apenas para onde ela vai. E vou junto
com ela, inteiro. E ela me trouxe aqui, para junto do seu ouvido. E obrigado
por nos deixar entrar.
Antes
de ouvir Chico,eu o li. Antes de ouvi-lo como música,eu o li como poesia:como
poesia que se estuda para ampliar nosso pensar e sentir. A primeira vez que li
Chico foi na escola.E isto em uma época na qual ainda pairava sobre nós a ditadura.Eu
não tinha mais do que 11 ou 12 anos.Eu sabia ler livros, claro. Livros de
história, de física, de química, de geografia e até livros sobre literatura. Porém,
até então eu não havia experimentado toda a potência que pode haver na
leitura.E a potência da leitura nada tem a ver com apenas desenvolver o
intelecto.Foi a poesia presente na canção popular que, quando criança, me fez aprender a ler.Ler não apenas a
letra,mas o mundo que ela expressa:mundo por descobrir.
Li
pela primeira vez Chico em uma aula de língua
portuguesa dada no antigo primeiro grau. Ao invés daqueles livros tradicionais
que,na parte de interpretação de textos, empregavam os clássicos da literatura
brasileira, a nossa professora, que era nova no colégio ( e,infelizmente, não
ficou por muito tempo...), ela resolveu adotar um livro heterodoxo,plural. Ao
invés de tais clássicos consagrados, o livro empregava as letras de músicas dos
compositores que participaram dos festivais da canção ( e mais alguns outros,
como Cartola e Noel Rosa). Tais festivais ainda eram recentes, eu era bem
pequeno quando eles aconteceram. Por isso, eu não tinha memória ou vivência
deles.Sem dúvida, aquele livrinho fazia o que Foucault chamava de micropolítica da resistência. Ele não
falava da história, mas do devir de cada um que a história oficial não falava.
O
livro oferecia para nossa interpretação
as letras de músicas com conteúdo muitas vezes metafórico ou metonímico. Na
verdade, tais letras eram poesias. Eram letras de Chico, de Caetano, de
Paulinho da Viola, de Cartola, de Gil...Quando li pela primeira vez “Construção”,
de Chico, ou “Janelas abertas nº 2”, de Caetano, experimentei pela primeira vez
aquilo que Deleuze e Guattari chamam de “desterritorialização”.
Desterritorializar-se é fugir de um território habitual,costumeiro,
ordinário.Como diz Manoel de Barros, desterritorializar-se é fugir do
acostumado de toda cartilha,incluindo as cartilhas que tentam codificar nossa
percepção, nossas palavras e maneiras de
pensar e agir.
Vista
num primeiro momento, a desterritorialização pode ser confundida com um ato de
negar um território dado.Os territórios não são apenas físicos,eles também são simbólicos
ou semióticos: há os territórios da família,do trabalho, da linguagem, do
desejo, da percepção, etc. Produzir um
novo território não significa apenas negar um território atual. Criar não é
apenas negar ou destruir;criar é
afirmar, inventar. Então, toda desterritorialização,quando é libertária, deve ser seguida por uma
reterritorialização. A reterritorialização
é a criação de um novo território. Este não deve ser
mero efeito do primeiro do qual nós nos desterritorializamos. O novo
território é uma ruptura, uma criação,uma invenção: criamos ele, e ele nos cria, nos inventa.
Assim
, a linha de fuga não é apenas desterritorialização: ela é também reterritorialização. Se não houver reterritorialização,
a linha de fuga pode acabar em uma mera linha de abolição como linha de morte.
Não são poucas as promessas de linha de fuga que terminam em linhas de morte e
abolição... Não apenas morte do território
do qual se queria fugir, como também morte nossa mesma, do nosso desejo,
da nossa salut, como dizia Espinosa.
Todavia,
entre o antigo território e o novo não há uma
linha reta. Por isso, toda linha de fuga é labiríntica, tortuosa,
serpenteante, tateante,gaguejante,anexata.Há
linhas de morte, ao contrário, que são muito cheias de si e determinadas, “objetivas”.
As verdades da intolerância, por exemplo, são
linhas de abolição e morte.
Ao
ler aqueles poemas, eu não apenas me desterritorializava : eu me reterritorializava
em um território composto de sensações
e afetos que não eram apenas pessoais.O que sei é que tal experiência de leitura
me punha mais próximo, ao mesmo tempo, de minha singularidade e diferença e de
questões comuns que concerniam à vida dos que resistiam.
Deleuze
nos diz que certos signos podem nos produzir noochoques,choques de pensamento. A desterritorialização não se faz com planejamentos,
com atos de vontade e cálculo. Não raro, ela nasce do imprevisto, da surpresa,
como a de um vento ou como a de um verdadeiro encontro, como o que tive,menino
ainda, com aquela letra, com aquele poema. E tudo isto cerzido por uma alegria , tal como
a que Espinosa ensina. O novo território que tais poesias me apresentavam era o território de uma existência intensificada,
mais viva. Este novo território não tinha limites ou cercas, ele era ilimitado,
aberto, e me ampliava para além dos muros
da escola: me lançava na rua e, antes desta, me inseria no cosmos. A
reterritorialização me ligava a tudo através de mim mesmo, redescoberto como
poema também. Ela me lançava aos agenciamentos, às conexões.Foi a partir dali
que me apaixonei por ler,e que compreendi que todo ler também é um “me ler” e “nos
ler” ,sobretudo ler o sentido que nunca poderá ser reduzido apenas a livros e a
erudições acadêmicas,teóricas.
Mas
toda desterritorialização/reterritorialização se faz em razão da Terra.As desterritorializações
relativas nos fazem habitar um novo
território que nasce delas. Mas há ainda as desterritorializações absolutas.
Estas nos fazem habitar a indiscernibilidade entre o próprio desterritorializar-se
e a Terra.
Ab-soluto:o
que não se dissolve.Apesar das aparências,os territórios se dissolvem. E se
dissolvem mais tristemente exatamente aqueles que se querem rígidos,estáticos,
imutáveis, uma vez que se fecham à Terra, embora possam produzir
pseudo-desterritorializações relativas que criam territórios que nada mais são
do que um clichê de invenção que o marketing consagra e difunde.
A
desterritorialização é relativa quando ela acontece em relação a alguma coisa
que tira proveito da alternância de territórios, e tal alternância recebe
muitas vezes o nome de “progresso”, tal como o “progresso” que nos fez passar do
fax ao e-mail.A desterritorialização é absoluta quando a reterritorialização
que dela nasce coincide com a própria desterritorialização enquanto aumento de
potência de invenção. A desterritorialização absoluta nos torna nômades : aprendemos
a viver na Terra, e a esta descobrimos mesmo na mais simples letra da canção
popular.
Somente
a arte e a filosofia têm a capacidade de nos produzirem desterritorializações
absolutas que nos restituem a Terra,que nos restituem a nós mesmos. A filosofia
o faz pelo Pensar, a Arte o realiza pelo Sentir .E delas pode nascer um Agir enquanto dimensão
Ética do encontro. A filosofia e as artes também são agenciamentos e conexões
que podem potencializar os agenciamentos e encontros éticos,que são aqueles
que ensejam a ação política .
É
a Terra que nos lança em desterritorializações absolutas. A Terra não é nenhum
território especifico ou determinado.A Terra não é o objeto da geologia ou da
geografia, mas de uma geofilosofia. A Terra é idêntica a uma desterritorialização
absoluta, desterritorialização esta que nunca tem termo, como não tem termo a
vida e o infinito.
Então,
mais do que a um novo território que um dia poderá se tornar velho,ordinário, é
preciso viver a desterritorialização absoluta como afirmação da Terra. A desterritorialização
absoluta nos torna agentes.
Os
territórios históricos nos tornam sujeitos históricos em confronto dialético com outros agentes históricos que defendem
outros territórios.Cada um luta pela supremacia de seu território , empregando o
direito ou a força. Mas somente a relação
com a Terra nos torna agentes de lutas transversais que não se confundem com os
limites e identidade de um território.Tais lutas se travam no seio da vida concreta, e suas armas nunca matam,mas libertam.Não são lutas de
sujeitos históricos apenas,mas de agentes
que agem porque neles age o eterno. O eterno é a Terra. A Terra como horizonte
absoluto. Somente a Terra nos horizonta.
Horizontar-se é abrir-se ao horizonte absoluto que mantém em processo os territórios, seja o
território da linguagem, seja o território da técnica.
Ao
ler aqueles poemas,enfim,fui por eles lido. Eu lia neles o sentido que estava
em mim, diferente.
Deleuze
chama de pop’filosofia a relação
entre o pensar e o sentir, entre a idéia e a sensação, entre o conceito e a
imagem. “Pop” significa popular. O
popular não é o massificado, o popular não é o que custa barato. Ao contrário,
custa muito o popular: custa não em moeda,mas em simplicidade e gosto. O
popular não é o que vende muito: o popular é o que não se deixa vender,seja
pelo mercado ,seja pelas esmolas do Estado.
O popular não se opõe ao erudito. O popular não se confunde com classe ou
gênero. O popular não é o povo por oposição ao Estado. O popular não é classe
C, D ou E. O popular é inclassificável.O popular é composto pelo povo que a
Terra pede para si. Povo bastardo, mestiço, despossuído, “Ninguém”, como diria
Manoel de Barros.Mas ao mesmo tempo povo nobre,como a cartola do Angenor,como o
sax de Pixinguinha.
Polifonia:
múltiplas vozes,vozes plurais,múltiplas. A polifonia não é a mera associação de
vozes diferentes. Ela também não é a mera soma. A polifonia é a produção de uma
única voz que se expressa diferentemente em cada voz singular que participa
dela. A polifonia é a voz da multitudo,
ela é a voz do popular. Ao ouvir Chico,
não ouvia apenas sua voz: ouvia também a minha, inclusive a que tenho hoje.
Nela ouvia também a voz daqueles que não tinham voz. Essa voz polifônica falava
enquanto sujeito coletivo,pois somente uma voz polifônica pode falar por nós.
O
popular é o devir-minoritário de cada
um. Do Padrão e do Modelo não há devir, apenas poder. Todo devir é minoritário,
afirmam Deleuze e Guattari.Afirmar e
pensar o devir-mulher não significa tirar o Homem da posição de Modelo e
colocar a Mulher.Afirmar e pensar o devir-negro
nada tem a ver com tirar o Homem Branco da posição de poder e Modelo e colocar
o Negro. O devir-mulher concerne ao homem e à mulher, o devir-negro diz
respeito ao branco e ao negro. O devir-negro fende não a identidade do negro,
mas a identidade do poder ( potesta) que sempre se coloca como transcendência
às potências diferenciais de cada um. A potência é sempre questão de um
devir-minoritário.Não há devir maioritário, pois tornar-se padrão ou modelo é
deixar de devir.Democracia não é exatamente governo da maioria,mas exercício dos devires-minoritários que produzem linhas
de fuga em relação à potesta do
Estado e do Capital.
Toda
pluralidade democrática é composta apenas de minorias.Além disso, ser Modelo ou
Padrão nada tem a ver com ser maioria, pois os Brancos não são maioria (
numericamente, eles são em menor número). Assim, ser minoria nada tem a ver com
ser numericamente menor. O minoritário
do devir-minoritário não pode ser
medido por números,quantidades, estatísticas.Um devir-minoritário não pode
ser representado por partidos que cobicem a forma-padrão do Estado.É
enquanto devir-minoritário que
brancos e negros podem encontrar e produzir o comum que os livra do desejo de
poder , do desejo de ser modelo e padrão. O aspecto minoritário de cada um é o
que nos faz ter algo em comum. Os padrões e modelos, ao contrário, elegem
certos aspectos que apenas alguns têm.Querer ser maior representa a vontade de querer ser Padrão,Modelo.
Quem a isso deseja começa por querer matar aquilo que nele mesmo é seu ser
minoritário, sua diferença, sua singularidade, para depois querer matar a diferença que existe fora dele.
Hoje,
é o mercado que se quer padrão e modelo. Colocar-se como padrão é arvorar-se
como transcendente às relações
diferenciais que constituem o popular. As únicas relações que o padrão aceita
são as de modelo e cópia. A diferença está implicada aí,mas como diferença entre
o modelo e a cópia, e ainda entre as cópias fiéis e as outras,as más cópias.
Mas o popular se constitui por relações diferenciais sem que haja um modelo e
cópia. O popular é constituído pelas relações diferenciais de potência.Algo
mais potente nunca se coloca como modelo
a ser copiado pelo menos potente. O mais potente afirma sua diferença buscando aumentar
a potência do menos potente, tendo como elo a potência da qual cada um é uma
parte.
Embora
eu não entendesse intelectualmente todos os significados imanentes à letra do
Chico,algo em sua letra me soava comum, e por isso me afetava,me ampliava, me
singularizava. E aquela experiência não se deu e acabou. Ao contrário,através
dela algo começou ou se intensificou, apesar dos meus 11anos apenas.
Hoje,
talvez tenhamos perdido essa dimensão polifônica de uma voz plural que diz o
que cada uma quer dizer em sua diferença. Temos ainda a indignação, temos as
ruas, nos reunimos pelos caminhos com bandeiras e camisas ( algumas coloridas,
outras vermelhas, outras ainda pretas).Mas onde está a nossa letra e música?A pior solidão é a do indivíduo que
apenas grita com sua própria voz no meio da massa. E pior ainda quando essa voz
apenas xinga,vitupera,grita... e não encontra sua música,sua letra popular,sua
canção de revolta, pois mesmo nesta vive a alegria.Chico nos ensinava que era
possível resistir cantando.
(trecho do livro)
Gilles
Deleuze criou uma expressão para nomear essas relações entre a arte e a
filosofia. Seu nome: Pop’Filosofia. Trata-se de uma concepção da
filosofia pensada a partir de suas fronteiras com as artes, sobretudo a
literatura e a poesia.
Através
de uma pop’filosofia, a filosofia encontra seu deslimite e , ao afirmá-lo,
devém também uma prática inventiva, problematizadora, questionante.
Uma
pop’filosofia se constitui apoiada na seguinte idéia : a filosofia pode ser
compreendida de maneira não conceitual ou acadêmica, sem que isto signifique um
prejuízo à essência problematizadora do dizer filosófico.
A
compreensão exclusiva através de conceitos é apenas uma das formas possíveis
para se compreender a filosofia, mas não é a única — dado que a compreensão de
qualquer coisa em geral, e da filosofia em particular, mobiliza camadas de
nosso pensamento e de nossa sensibilidade que igualmente são mobilizadas quando
ouvimos uma música, lemos uma poesia ou vemos um quadro .
E
é nesse território onde o Pensar e o Sentir embaralham suas fronteiras, perdem
seus respectivos limites e fazem do inacabamento o processo que os afirma, é
nesse território que vemos surgir a possibilidade de construção , com Deleuze,
de uma pop’filosofia.
Guiados
pela leitura das poesias de Manoel de Barros, fomos surpreendidos por uma
positividade muitas vezes desconcertante, inaugural, que flagra a “verdez das
coisas” , como o poeta mesmo diz, e as retrata em palavras que nos deixam ver o
deslimite enquanto matéria de sua poesia.
A
Vida é um processo que atravessa nosso vivido e rompe os limites utilitários
deste; do mesmo modo que o Sentido , quando trabalhado pelo poeta, emerge na
linguagem extravasando as significações dominantes que prescrevem à palavra um limite.
O deslimite é o processo que faz do inacabamento o estado sempre renovado que
não deixa com que as coisas acabem, sendo então reinventadas pelo processo criativo
― tanto na poesia como na vida.
Atingir
o deslimite não significa destruir-se ou negar-se. Ao contrário, é o limite que
destrói a invenção que se pode e se deseja. O deslimite , portanto, é uma experiência
com a Vida, e não com a morte ( nos vários sentidos que essa palavra pode ter).Embora
seja uma experiência eminentemente poética, isso não significa que ela seja
suscitada apenas pela leitura de poesia. A essência de tal experiência é
exatamente nos ensinar a alargar a compreensão do que seja poesia, como faz
Manoel de Barros, para que a vejamos em todas as coisas que, rompendo seus limites,
deixam ver a Vida.
“Filho mais velho não pode ter medo”. Quando criança, ouvi isso de meus pais. “Você tem que ser exemplo para seus irmãos menores”. Eu puxava a fila. Atrás de mim,quatro irmãos. Todos pequenininhos e que iam cantando e brincando atrás de mim,eu também pequeno.Eles nem olhavam para onde iam, pois sabiam que eu olhava, e que tinha que olhar, embora eu também brincando,mas atento ao que poderia pôr a brincadeira em risco. Em tudo tive que ir à frente,muitas vezes sem ter meus pais à frente abrindo o caminho.
Porém, com seis para sete anos uma amizade me fez experimentar o inverso do que até então eu conhecia.Na verdade, essa amizade foi a primeira que fiz em minha vida. Ele se chamava Edinho e era cerca de 4 anos mais velho que eu. Ele não era apenas meu melhor amigo, ele era também o irmão que eu escolhi para ter. O irmão mais velho do irmão mais velho.Ele era um grande garoto, e não apenas eu gostava dele. Ele também tinha vários irmãos.Ou melhor,irmãs.Ele era o filho do meio entre quatro irmãs. Então, eu era para ele o irmão mais novo que ele queria ter. Sobretudo para jogar bola, Edinho era louco por futebol . Como ele foi meu primeiro amigo e, até certo ponto,herói, eu aprendi dele esse afeto, esse gosto pela bola. Só havia um problema:Edinho era botafoguense. Meu pai era flamenguista roxo. Creio que era nesse único ponto que meu pai temia minha amizade com aquele garoto. Ainda mais porque eu já começava a me dizer botafogo. Ganhei até uma camisa desse time (dada, é claro,pelo Edinho).Houve uma vez em que o botafogo ganhou de 6x0 do flamengo. Ali,pensava eu, virei botafogo totalmente, e era isso algo irreversível, como um fato da natureza.
Até que meu pai me chamou para ir ao maracanã,o velho maracanã( naquela época nem tão velho...). Fomos assistir a um flamengo e bonsucesso, se não me falha a memória.Àquela época, os times do subúrbio tinham boas equipes.
O maracanã estava cheio:40 mil pessoas, no mínimo. E isto para ver um flamengo e bonsucesso...Vejam bem :bonsucesso.Um bairro que hoje só aparece nos jornais nas páginas policiais, e isto quando aparece.
O jogo não estava fácil.O primeiro tempo terminou 0x0. O que mais me chamou a atenção no jogo ,além dos doces e guloseimas que passavam nas mãos dos vendedores, era a destreza e agilidade do goleiro do bonsucesso. Um grande goleiro.Um acrobata.Infelizmente, não lembro o nome dele. Começou o segundo tempo. E eu, cada vez mais botafogo.O jogo continuava difícil. A torcida ,impaciente.
Até que aos 15minutos dessa etapa complementar começou a se aquecer um jogador do flamengo. Ele era muito jovem,um garoto.Ele se aquecia ao lado do campo.Enfim , o garoto se preparava para entrar.Foi então que meu pai me disse algo em um tom de ordem,tom este que não era muito comum ouvir de sua boca. Ele me disse: “meu filho, não tire os olhos desse garoto....”. Eu nada disse , apenas confrontei mentalmente a frase que ouvi do meu pai com a imagem que meus olhos viam, e não conseguia ver sentido naquela ordem, ainda que cheia de esperanças.Sim, havia nas palavras do meu pai uma expectativa,como se ele tivesse me trazido ali para ver aquele momento. Contudo, a imagem que eu via era uma decepção:o garoto era magrinho,franzino mesmo,o uniforme o engolia, literalmente. E ainda por cima, pensei comigo, “ele é loirinho! O flamengo nunca teve jogador bom loirinho....”
Até que o garoto tocou na bola.Foi um simples toque,uma dominada, e o mundo passou a ter outro sentido. Uma qualidade não se explica pelo acúmulo de quantidades. Se a sopa é ruim, ela não melhora com o acúmulo de colheradas. Mas se a sopa é boa,uma simples colherinha dela que provemos já nos faz sentir que ela é boa, pois o bom está na qualidade, e a qualidade nada tem a ver com a quantidade, desde que se tenha gosto para sentir. Então,neste primeiro toque já se pôde ver a qualidade que ele tinha.Ele depois ergueu a cabeça como um rei e fez um lançamento.Que lançamento!... Ele havia antevisto algo que ninguém viu.Ele anteviu o acontecimento em sua virtualidade. Ele jogava também nesse outro plano no qual só existem ideias e imaginações, e estas se conjugam para entrarem no espaço-tempo sob a forma de um movimento plástico que o corpo inventa, surpreende,emociona,vence. O corpo se torna o pincel, o instrumento de uma criação plástica que foi antevista pelos olhos do espírito conjugados com os olhos do corpo."E ninguém sabe o que pode um corpo", ensina Espinosa. Víamos um artista criando, e o campo era sua oficina, seu ateliê.Aquele garoto me fez ver que ali havia uma forma de arte que aperfeiçoava o esporte.Logo depois ele mesmo fez um segundo gol e nos deu a vitória. Sim, eu já falava “nós” e não mais “eles” ao pensar no flamengo.
Esse garoto me fez esquecer as habilidades acrobáticas do jogador do bonsucesso. Ele me fez esquecer também meu colega Edinho e seu botafogo...O nome desse jogador ainda garoto era Artur,o mesmo nome do rei protagonista de fantásticas narrativas criativas ,mais do que de guerras sangrentas .Mas todos já começavam a chamá-lo por um nome simples,como simples é todo grande. Chamavam-no simplesmente Zico. Aquele foi um dos primeiros jogos profissionais dele. Como meu pai freqüentava muito o maracanã, já o tinha visto jogar em alguma preliminar. Sai do maracanã olhando as cores vermelho e preto com olhos diferentes.Ao fim do jogo, retornava o povo às ruas,cantando.
E enquanto meu pai me conduzia pelas mãos na saída, eu olhava para ele e,em silêncio,dizia para mim mesmo: “Meu pai sabe tudo...”Eu estava convertido.Não apenas ao flamengo, mas à arte que um artista , o Zico, mostrou.Esse aspecto do futebol não aliena.Ao contrário, singulariza, potencializa.
Baudelaire dizia: “Seja um poeta, mesmo em prosa”.Zico ampliou esse idéia,e nos ensinou; “seja um artista,mesmo com a bola”. Essa arte que o futebol pode ser é um elemento da nossa cultura,mais do que um simples esporte. Tal arte expressa o nosso mais genuíno patrimônio: a criatividade.E essa arte nada tem a ver com FIFA,com copa, com corrupção. Confundir essas duas coisas é mortal, e não apenas para o futebol, como para a própria ação que se pretende política, pois se estaria confundindo a potência ( potentia) com o poder ( potesta).
Há
um livro de Nietzsche intitulado “Aurora”.Talvez seja um dos títulos mais belos
já dados a um livro.A aurora não é mais
a madrugada,a alta madrugada insone, mas também ainda não é o dia, a manhã do
despertar. A aurora é um limiar,uma fronteira.A aurora é um começo que começa antes que o dia comece.As manhãs nascem,os dias começam. Mas a aurora é recomeço.Não o recomeço do dia que atrás dela finda, e sim recomeço de haver sempre o começo de um dia novo,nunca antes vivido.A aurora está entre o que se viveu e o que se viverá , e a ambos vivemos enquanto dura o Viver da aurora.
Ninguém
consegue determinar quando a aurora começa, a aurora não tem horário. Diz-se “cinco
da madrugada”, “seis da manhã”...Mas a que horas começa a aurora? Em qual ela
termina?Será que a aurora não tem começo e fim, apenas meio?
Quando
ela desponta,porém, sentimos a presença do novo. Isto é a aurora:o novo dia que
já se mostra antes mesmo da manhã estar clara.A aurora nos pede olhos que não
são os do despertar.Os olhos do despertar nascem quando se abrem os olhos que
estavam dormindo.Já os olhos que vêem a aurora se tornam aurora também.Este é o
poder da aurora:quem por ela se afeta se torna aurora também.O mundo que os
olhos da lagarta vêem não é o mesmo que verão os olhos da borboleta: os mundos mudarão porque mudarão,antes,os olhos. É no interior
do casulo que se fabrica a aurora dessa nova visão e,com ela, um mundo novo. A
aurora não é mais a promessa da obra , ela é a obra que se inicia.A aurora
desfaz todos os monstros com os quais a noite zombou de nós.A aurora não é a
nitidez da ideia clara,lógica, ela é a intuição poética do que nos desperta o
pensar.A aurora é o embrião,o feto, o sujeito
larvar que já vive antes das horas nas quais a ciência encontra seus objetos
e métodos.
A
aurora surge no horizonte, ela é o começo como horizonte.É belo ver as
estrelas na abóbada escura e verticalmente alta, mas o que dizer da visão da
aurora? Ver a aurora é abrir-se para uma visão que nos horizonta.
Algumas
pequenas multidões se reúnem para ver o sol morrer ao fim da tarde, e para tal
espetáculo batem palmas. Mas a aurora se dá em silêncio, e quem a vê não olha
só para fora. Muitos vivem atarefados com seus dias, outros se anestesiam em
suas noites. Mas quem já viveu a sua aurora?
A
filosofia teve sua aurora. Nesta aurora ela se mostrou como poesia, pois era
poeticamente que pensavam os pré-socráticos. Depois, veio a manhã da filosofia: a Grécia
Clássica de Platão e Aristóteles.Todavia, a luz clara, apolínea, esqueceu-se da aurora dionisíaca de que nasceu.O meio-dia da filosofia adveio com o sol da
razão a pino: tal foi o Iluminismo. Mas este também passou: veio a noite, uma
noite como epílogo, fim.Essa noite filosófica, noite das ideias, coincidia com o inicio da sociedade
desencantada, burguesa,filisteia,utilitária. A esta noite-fim,a esta noite-ocaso,
não se seguiria uma aurora. Seguiram-se duas guerras mundiais e mais a ameaça
de uma terceira, a derradeira. Talvez por isso que Hegel, o filósofo que escreveu sob tal
noite, teria dito que a filosofia deveria ser como a coruja que vê e voa , apesar do escuro.A
coruja tem olhos para ver na escuridão.
Contudo, essa visão histórica ,que culmina com
a noite,advém da ideia de que a aurora termina quando começa a manhã, como se a
finalidade da aurora fosse morrer para que nascesse a manhã.Nascida a manhã
onde a razão tem sua vigília, desapareceria o mundo onírico , mundo das Musas,
que o antecedeu.O erro da história,o seu “mais longo erro”, é começar sempre da
manhã, pois lhe faltam olhos para ver a aurora.Os olhos que vêem a aurora são
os “olhos de descobrir”, a visão que a capta é a “visão fontana”.
Todavia,
a aurora não está no passado: ela é o futuro, o futuro que já começa.A aurora é
o virtual que se atualiza. Se imaginarmos que a aurora está no começo enquanto mero passado, nos
desesperaremos com a noite-fim, com a noite-angústia, com a noite-morte. Mas se
compreendermos ,como Nietzsche compreendeu, que a aurora é futuro, a veremos
como aquilo que desfaz a noite, inclusive a terrível noite de uma época que se
imagina não precisar mais de auroras, pois se compraz com os crepúsculos e
outras derrisões.
Concebida como advento do futuro, a aurora se transforma na terra natal que está na origem. Como diz Manoel de
Barros,”quem se aproxima da origem se renova”. A origem não está no passado, a
origem do dia novo é a aurora como dimensão da terra natal. “Natal” diz respeito
ao nascimento.O natal não é o "inato".O racionalista Descartes acreditava que as ideias nos são inatas, pois já nasceríamos com elas.O inato seria aquilo com o qual já nascemos,ao passo que o natal,segundo Deleuze, é onde nascemos, ele é o que nos faz nascer: ele está tanto dentro quanto fora.As ideias inatas já existiriam prontas,elas não nascem.Já o natal nasce junto com aquilo que dele nasce,ele que nunca deixa de nascer enquanto o experimentarmos como a aurora que nos faz aurora de nós mesmos. A aurora é a terra natal , ela é o “minadouro” de sentidos, ela é “forma
em rascunho”. O futuro assim concebido não é um mero presente que virá, para assim virar passado, mas a compreensão de que sempre haverá outro tempo que virá, não importando o quão interminável seja este tempo presente aparentemente sem futuro. Assim como a aurora antecede a manhã, é este futuro que nunca será dado, mas criado, que antecede todo presente dado. É a aurora que nos ensina: para os que criam e inventam,é o futuro que vem antes, não o passado. Como escreve Manoel:"A percepção vê, a memória revê, a imaginação poética transvê", isto porque ela é a aurora do mundo que vê.
Ao
invés da coruja , não deveríamos aprender com os galos que,em meio a noite, anunciam a aurora?