sábado, 30 de agosto de 2025

Filosofia

 

Quando alguém cobra dos políticos lisura no trato com a coisa pública, este alguém está exigindo uma virtude ética: a honestidade. E Ética é uma disciplina da filosofia.

Quando alguém diz: “O que esse cara fala não tem lógica! ”, quem assim critica também está reconhecendo a importância da filosofia, pois Lógica é uma disciplina filosófica.

Quando alguém ,sentindo, expressa: “ Como é bela essa música !”, igualmente emprega um valor da filosofia , uma vez que o “belo” ( assim como o “cômico”, o “dramático”, o “sublime”, etc) é uma categoria da Estética, uma disciplina da filosofia.

Quando alguém fala : “Sou pragmático, odeio teorias”, este alguém também não escapa da filosofia , pois “Pragmatismo” e “Utilitarismo” são correntes da filosofia.

E mesmo quando alguém questiona : “para que estudar filosofia?”, este alguém também está a filosofar, dado que questiona sobre a Teoria do Conhecimento ( ou Epistemologia), uma disciplina da filosofia.

E aqueles que precisam escrever Monografias, Dissertações de Mestrado ou Teses de Doutorado, mesmo que cursando “faculdades técnicas” , terão que estudar Metodologia Científica, uma disciplina filosófica.

Enfim, é impossível alguém existir e não se colocar em algum momento questões como: “O que é o tempo?”, “O que é a liberdade?”, “O que é a vida?”, “Por que existo?...” Não apenas para formular tais perguntas, mas também para vislumbrar respostas para elas, quem assim indaga igualmente bate à porta da filosofia , pois essas são questões de uma disciplina da filosofia chamada “Metafísica”.

A filosofia não está apenas nos livros escritos pelos filósofos, ela se encontra ainda mais nas situações da vida que nos obrigam a pensar, já que é impossível viver de forma digna e autêntica sem se deparar com questões filosóficas.

As crianças são filósofas /questionadoras por natureza, a mesma natureza de que fala Espinosa. Infelizmente, poderes tolhedores que cercam as crianças as afastam, com o tempo, dessa natureza questionadora.

Os tir4nos de toda espécie sempre temem o pensar, e fazem o máximo que podem para impedir que as pessoas, sobretudo os jovens, façam essa descoberta do pensar , ou se já o descobriram, não o exerçam . Não por acaso, Platão dizia que o tir4no é o antifilósofo.

Nada mais antifilosófico do que as tais escolas "cívico-militares" que o governador de São Paulo, capacho de tir4nos, quer impor como "cicuta" aos jovens .

Antes de estar nos livros, a filosofia está potencialmente na vida, pois pensar é uma exigência da própria vida , e antídoto contra os inimigos da educação emancipadora.







terça-feira, 26 de agosto de 2025

Artes e o ensino da filosofia

 


 Estarei participando, como mediador, do VI Encontro Nacional do Mestrado Profissional em Filosofia.

Área temática: Artes e o Ensino da Filosofia / dia 27/08, tarde e noite.

Maiores informações em:


https://eventos.galoa.com.br/enprof-filo-2025/page/6355-home




quinta-feira, 21 de agosto de 2025

O que é ser de esquerda ( Deleuze)

 

Certa vez , perguntaram ao filósofo Gilles Deleuze por qual razão ele nunca foi filiado a um partido, e aproveitaram  também para  indagá-lo  acerca do que é ser de esquerda.

O filósofo deu mais ou menos a seguinte resposta: antes de ser um posicionamento político-partidário, ser de esquerda expressa o modo como nos inserimos na existência.

A pessoa de direita parte, antes de tudo, do seu ego. Ela  vive no interior de um círculo no qual estão seus interesses, suas propriedades ( já  possuídas ou apenas desejadas), suas ambições, suas pretensões, suas opiniões...Mas também ocupam o círculo estreito do ego seus medos, seus ressentimentos , seus fantasmas, suas feridas mal curadas...

O homem de direita imagina que esse círculo estreito é o centro do mundo, de tal modo que tudo o que existe fora desse círculo, no espaço e no tempo, é para ele só “narrativa”. Daí seu desprezo pela ciência, pela história, pela sociologia e pela filosofia, e seu medo paranoico dos outros povos e suas maneiras diferentes de viver, medo esse traduzido na expressão “globalismo comunista”.

Pode parecer paradoxal, mas apenas seres que vivem num círculo existencial estreito adaptam-se a existirem  no interior de um rebanho ou massa. Pois rebanho não é um conjunto heterogêneo de singularidades, rebanho são indivíduos aprisionados a si mesmos e que se agregam em celas contíguas.

Ser existencialmente de esquerda, ao contrário, é partir daquilo que Espinosa chama de o Absolutamente Infinito. A percepção de esquerda se abre ao que não pode ser cercado ou contido, para   que a mente e o coração ligados a tal percepção permaneçam sempre abertos.

É a partir do infinito aberto que o ser existencialmente de esquerda  compreende que desse infinito  fazem parte o cosmos, o nosso planeta, as outras nações, o nosso país, a nossa cidade, o nosso bairro , o outro e, enfim, a sua pessoa.

Ser de esquerda é não se colocar como primeiro ou último numa concorrência, mas como parte singular  de realidades mais amplas e horizontadas (como ensina também  Manoel de Barros).

Ser de esquerda não é apenas compreender teoricamente isso, mas sobretudo agir a partir dessa percepção. E dessa percepção podem nascer  não apenas ações empáticas, solidárias, generosas , dignas , justas , corajosas e revolucionárias, pois dessa percepção também podem nascer poemas, músicas , artes e educação não menos revolucionárias.

 

(imagem: os filósofos Deleuze & Guattari e o livro que escreveram juntos)



 

Este texto também foi publicado como artigo neste site de professores de filosofia:

https://www.aproffib.com.br/post/esquerda-e-direita

 







domingo, 10 de agosto de 2025

Manoel & Miró

Certa vez, perguntaram ao poeta Manoel de Barros qual foi  sua grande influência. Todos imaginavam que ele mencionaria um poeta, porém Manoel  disse  que aprendeu a ser poeta com um  pintor :  Miró.

Mas o poeta não aprendeu com o pintor fórmulas, cartilhas ou tudo aquilo que , aprendido de forma obrigatória, depois se torna matéria cobrada em prova. Na verdade, Manoel diz que aprendeu com Miró a fazer desaprendizagens. Foi assim:

Miró desenhava de maneira  precisa e técnica, porém essa técnica virou uma prisão que impedia o nascimento de um mundo novo  que Miró desejava  criar.

Esse mundo novo não cabia na  forma “acostumada” que se tornou  Miró e seu  pintar . Já crescia virtualmente no pintor uma alma nova, porém faltava um corpo para ela: ao invés de nascer, a alma nova corria o risco de abortar.

Miró desistiu da arte, mas a arte não desistiu de Miró. Quando tudo parecia perdido, certa vez  Miró começou a rascunhar com lápis de cor usando   a mão esquerda, mão que ele nunca usava . Era um rascunhar “brincativo” que alcançava realidades ainda não formadas, ignoradas pela mão direita.

A mão esquerda nada sabia de cânones ou fórmulas de sucesso, como sabia a mão direita. Nunca a mão esquerda ficou vaidosa por receber elogios; tampouco segurou, ostentando, prêmios e títulos, como se habituou a segurar a mão direita  .

Se a mão direita adquirisse a capacidade de falar e alguém lhe perguntasse qual a opinião dela sobre a mão esquerda,  ouviria: “ A mão esquerda é perigosa:  quer tirar o poder que conservo, ela é  subversiva!”.

As duas mãos tinham a mesma idade biológica, mas era a mão esquerda o corpo novo que a alma nova exigia . Ao começar a desenhar com a mão esquerda, cada desenho era o desenhar de novo nascendo , fazendo-se como novidade, experiência e descoberta.

O poder estabelecido escreve suas cartilhas com a mão direita ; porém a arte de se reinventar só a pode desenhar um instrumento não domado: a mão esquerda . A mão direita se liga a uma metade do cérebro apenas , já a mão esquerda se liga à outra metade do cérebro e ainda ao coração inteiro que, assim como ela, também está do lado esquerdo.






 

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Artigo sobre Manoel de Barros / Revista Alegrar

 

Deixarei aqui um link para uma revista na qual acabou de sair um artigo que escrevi sobre o poeta Manoel de Barros. Fiquei feliz, pois gosto  dessa revista, vale a pena conhecê-la: Revista Alegrar.

O nome e a linha editorial da revista são inspirados em um afeto fundamental da Ética de  Espinosa: a Alegria.

Em Espinosa, “alegria” não é a mesma coisa que o sentimento que o senso comum  chama por esse nome. A alegria espinosista é uma potencialização da nossa capacidade de pensar, agir e sentir, pois essas três atividades andam juntas.

A alegria é um afeto acompanhado do prazer nascido em alguma parte (ou partes) do nosso corpo. Ou seja, não apenas a alma sente alegria, o corpo também sente. Por exemplo, quando ouvimos uma música que potencializa o sentir de nossa mente, é porque nosso ouvido, ao ser tocado pelo som, sente prazer. O prazer é a alegria do corpo.

Quando é nosso corpo inteiro que sente prazer, um prazer não egoico-hedonista, a alegria se torna contentamento: não o contentamento em ter algo como  proprietário-dono, mas contentamento em ser  parte singular da Natureza.

A Natureza em Espinosa é uma polifonia infinita: é música para ouvir  com todo o corpo.  Aqueles que a ouvem, como diz o poeta, de contentamento-beatitude também dançam, sendo taxados de loucos pelos que não têm ouvidos para a escutar .

Quando é uma parte do nosso corpo que sente dor, em nossa mente haverá tristeza. E quando é o corpo todo que dói, a mente é dominada pela melancolia. A melancolia nos mostra que as dores do corpo nunca são apenas físicas...

Espinosa não nega ou minimiza a dor, a tristeza e a melancolia. Mas é tarefa da filosofia, uma tarefa ao mesmo tempo clínica, existencial e política, perseverar para produzir o máximo possível de prazer, alegria e contentamento, com a máxima potência que tivermos.

Não é o medo ou o ódio à   doença que nos protege dela, o que nos protege verdadeiramente da doença é agir tendo como causa o amor à saúde.

A luz não brilha como efeito da treva, mas por afirmação de si mesma: e quanto mais a luz brilha, mais ela se torna causa da diminuição da treva.  




 https://alegrar.com.br/


As tir4nias de toda espécie fomentam e se aproveitam da dor, da tristeza e da melancolia. Mas o prazer , a alegria e o contentamento autênticos não nascem da derrota das tir4nias , pois prazer, alegria e contentamento autênticos não são   um efeito . Ao contrário, o prazer, a alegria e o contentamento autênticos devem ser  causas que nos auxiliem nas lutas contra as tir4nias.