Segundo Espinosa, o ódio não une
ninguém. Ou melhor, o ódio pode unir apenas em aparência, pois o que
caracteriza o ódio, sobretudo quando assume feição política,
é que ele é uma impotência nascida da incapacidade de estabelecer
agenciamentos, convergências , alianças.
Pois todas essas relações implicam a
diferença, a divergência, perspectivas; e são essas coisas que o ódio reativo
não aceita, pois ele quer apenas o “amém” e a “obediência” típicos de seitas cegas. Assim, ensina Espinosa, o
que verdadeiramente une as pessoas e as torna capazes de composições e
agenciamentos, sem perder a diferença, é quando elas se unem por amor a uma
ideia. “Amor” , aqui, nada tem a ver com sentimentos românticos ou passivos.
Espinosa segue alguns poetas latinos que
explicam que “amor”, enquanto afeto
libertário, nasce da reunião da letra “a” com função privativa ( como em “a-fasia”= “sem fala”) mais a
abreviação da palavra “morte” ( “mor”). Assim, amor é, segundo Espinosa, “não morte”, nos vários sentidos
que a palavra morte pode ter. Quando nos unimos por amor à democracia, é pela
“não morte” da democracia que nos unimos; quando nos unimos por amor à
liberdade, é pela “não morte” da liberdade que nos agenciamos; enfim, é pela não morte de nós mesmos enquanto cidadãos
livres , democratas e pensantes que nos
unimos. O ódio une as pessoas as mais obscuras , gente que só tem o ódio a
destilar, ao passo que o amor às ideias
une as pessoas mais singulares, pessoas que têm ideias a partilhar. Quando as pessoas se unem por ódio
a alguma coisa ou alguém , e quando esse objeto do ódio é vencido ou destruído
, aqueles que se uniram por ódio a ele logo
acabarão por buscar novos seres para odiar, e quase sempre o objeto do
novo ódio deles serão os antigos cúmplices do ódio, agora tidos por inimigos.
De tal maneira que nesse ambiente tóxico reinam a paranoia, a dissimulação e a
intriga. Mas quando as pessoas se unem por amor a uma ideia , é para fazer com que essa ideia viva nelas , potencializando a vida delas: a ideia se torna parte de suas palavras e ações enquanto se mobilizam
e lutam juntas.
“Minhas palavras não se ajuntam por sintaxe,
mas por afeto.” (Manoel de Barros)
( imagem: Espinosa em múltiplas
cores)
- os antigos parceiros do ódio ao pensamento e à democracia, agora voltando seus ódios um para o outro:
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