Segundo Espinosa , todo autoconhecimento visa conhecer a ideia que somos. A ideia que
somos , porém, não pode ser encontrada ou buscada fora de nós mesmos. Pois se a ideia que somos estivesse fora de nós mesmos, como saberíamos se , ao encontrá-la
fora de nós, tal ideia seria, no entanto, a ideia de nós mesmos? Ideias que
estão em livros entram em nós por nossos olhos , quando as lemos; ou na voz do professor, quando com ele
aprendemos , escutando-o. Porém, a ideia que somos não pode estar em livros, por mais instrutivos que sejam, nem na
voz do professor , por mais didático que o professor seja.
Então, como encontrar e autoconhecer
a ideia que somos? A semente do abacate está dentro da fruta-abacate, e faz da
fruta-abacate o que ela é e não outra coisa. A semente que está dentro da fruta-abacate é para ela o mesmo que é para nós a ideia que somos. A fruta-abacate não precisa sair
procurando a semente do abacate fora dela para conhecer-se fruta-abacate. A fruta-abacate e a semente que está nela não
são duas coisas, assim como não são duas coisas, mas uma só , a alma e o corpo que fazem ser o que somos.
Assim, conhecer a ideia que somos é conhecer algo que sempre esteve onde
estamos : quando temos dificuldade de sabermos o que somos, essa dificuldade
não se deve à ausência da ideia que somos , mas devido à ausência de nós em
relação a nós mesmos.
Uma ideia nunca vive sozinha, diz Espinosa.
Assim , a natureza de toda ideia, inclusive da nossa, é , quando se acha, no
mesmo instante compreender-se unida a outras ideias diferentes dela, tal como a semente do
abacate que , sem perder sua singularidade, liga-se à árvore da qual proveio e à árvore que nascerá dela. Tal como a semente, a ideia que somos é uma potencialidade, e não algo pronto.
"Poeta é ser que vê semente germinar."
(Manoel de Barros)
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