Muito se fala, com razão, das
borboletas. São exaltadas sua beleza, cores e destreza alada. Na Grécia, por
exemplo, as asas das borboletas eram consideradas símbolos de Eros, o Deus do
Amor. Enquanto os pássaros já nascem com
asas, as asas de Eros somente nascem após uma metamorfose. “Metamorfose” não é a mesma coisa que “transformação”. A raiz de ambas é o termo “morphé”, que significa
“forma” em grego. Toda transformação
acontece quando um ser vai mudando, porém permanecendo dentro dos limites de uma
mesma forma, como a criança que se torna jovem, depois adulto, mas dentro dos
limites da mesma forma : a forma humana. Já a metamorfose é uma mudança radical de forma, como a borboleta que se
metamorfoseia da lagarta.
Porém, pouco se fala da lagarta nesse
processo. Muitos a tratam como uma roupa velha e carcomida , abandonada pela borboleta que voa , colorida.
Considero isso uma injustiça contra essa
artista. Sim, pois a lagarta é uma artista , uma artista que trabalha em
silêncio, longe dos holofotes e das vistas, como Espinosa cuidadosamente polindo
as lentes que fabricava , até poderem ser lunetas mirando as estrelas infinitas .
De tudo o que ingere da natureza, a
lagarta depura e destila um fio de seda. Com esse fio, sem que ninguém veja , ela vai bordando dentro de si uma arte,
uma fantasia, como o manto multicolorido que cerzia Bispo do Rosário, mesmo em
meio à dor e ao sofrimento. O fio é ,para
a lagarta, o mesmo que a palavra é para
o poeta, ou o que a ideia é para
o pensador libertário : linha de fuga e liberdade.
Até que chega o dia em que a arte fica pronta, a lagarta não pode mais esconder de
ninguém a artista que é por dentro . Confiante , ela parteja a si mesma ,
vestindo-se com a arte que criou, agora também
sua pele verdadeira . Já não há mais
contradição consigo mesma : agora, ela é
por fora como já era por dentro, todo mundo agora vê a borboleta. E com as asas
que bordou com o fio de seda, ensina a reinventar-se, para que assim , quem
sabe, a gente também seja.
“Poesia é voar fora da asa.” (Manoel
de Barros)
“Penso renovar os homens usando
borboletas.” (Manoel de Barros)
(imagem: Arthur Bispo do Rosário e
suas asas)
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