quarta-feira, 3 de junho de 2020

o ódio não une ninguém


Segundo Espinosa, o ódio não une ninguém. Ou melhor, o ódio pode unir apenas em aparência, pois o que caracteriza o ódio, sobretudo quando assume feição  política,  é que ele é uma impotência nascida da incapacidade de estabelecer agenciamentos,  convergências , alianças. Pois todas essas relações  implicam a diferença, a divergência, perspectivas; e são essas coisas que o ódio reativo não aceita, pois ele quer apenas o “amém” e a “obediência” típicos  de seitas cegas. Assim, ensina Espinosa, o que verdadeiramente une as pessoas e as torna capazes de composições e agenciamentos, sem perder a diferença, é quando elas se unem por amor a uma ideia. “Amor” , aqui, nada tem a ver com sentimentos românticos ou passivos. Espinosa segue  alguns poetas latinos que explicam que  “amor”, enquanto afeto libertário, nasce da reunião da letra “a” com função privativa  ( como em “a-fasia”= “sem fala”) mais a abreviação da palavra “morte” ( “mor”). Assim, amor é, segundo  Espinosa, “não morte”, nos vários sentidos que a palavra morte pode ter. Quando nos unimos por amor à democracia, é pela “não morte” da democracia que nos unimos; quando nos unimos por amor à liberdade, é pela “não morte” da liberdade que nos agenciamos; enfim, é  pela não morte de nós mesmos enquanto cidadãos livres , democratas e  pensantes que nos unimos. O ódio une as pessoas as mais obscuras , gente que só tem o ódio a destilar, ao passo que  o amor às ideias une as pessoas mais singulares, pessoas que têm ideias a  partilhar. Quando as pessoas se unem por ódio a alguma coisa ou alguém , e quando esse objeto do ódio é vencido ou destruído , aqueles que se uniram por ódio a ele logo  acabarão por buscar novos seres para odiar, e quase sempre o objeto do novo ódio deles serão os antigos cúmplices do ódio, agora tidos por inimigos. De tal maneira que nesse ambiente tóxico reinam a paranoia, a dissimulação e a intriga. Mas quando as pessoas se unem por amor a uma ideia , é  para fazer com que essa ideia viva nelas  , potencializando  a vida delas: a ideia  se torna parte de  suas palavras e ações enquanto se mobilizam e  lutam juntas. 

“Minhas palavras não se ajuntam por sintaxe,
mas por afeto.” (Manoel de Barros)                                                                                                                     
      

( imagem: Espinosa em múltiplas cores)




- os antigos parceiros do ódio ao pensamento e à democracia, agora voltando seus ódios um para o outro:

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