Segundo Fernando Pessoa, o que pôs o
homem de pé não foram os pés, o que colocou o homem de pé foi sua capacidade de colocar questões, perguntas. Assim considerado, o tamanho de um
homem não se mede em centímetros ou metros, mas pela amplitude e potência de
sua pergunta e questionamento. Lá no início dos tempos, diz o poeta, o homem
andava de quatro, como um cão. Sua coluna cervical era paralela ao chão, como um travessão. De
tal maneira que seu rosto estava sempre voltado para o chão, atrás de rastros e
restos, ao mesmo tempo que seus olhos, apequenados, só enxergavam o que era útil ao interesse rasteiro e
imediato. Deve ter sido de noite, sob o céu aberto e estrelado, que os olhos do
homem começaram a se erguer para olhar e tentar compreender o infinito que ele
não podia pegar com a mão e nem sentir o cheiro. Os olhos do homem então se desterritorializaram do estreito chão que
viam com a cabeça baixa e se reterritorializaram no infinito do céu aberto. Os
olhos “horizontaram-se”, diria Manoel de Barros; com eles, a própria mente do
homem também se horizontou. A palavra “desejo” vem de “desiderium”, cuja raiz é
“siderium”, “sideral” em português. Desejar é: “alcançar o sideral”, enquanto
espaço aberto onde vivem as estrelas. É esse desejo que coloca de pé o pensar no
homem, para que assim o homem se volte também
para o próprio mundo imediato onde vive, para que o compreenda e possa transformá-lo,
ao invés de apenas viver de quatro ou de joelhos, refém da ignorância ou do
medo. Complementa então o poeta: quando
o homem está de pé e o olhamos de perfil, a coluna cervical que o ergue
assemelha-se a um ponto de interrogação sustentando sua cabeça.
( imagem: “Poesia”, de Haroldo de
Campos)
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