sexta-feira, 12 de junho de 2020

como nascem as borboletas...


Muito se fala, com razão, das borboletas. São exaltadas sua beleza,  cores e destreza alada. Na Grécia, por exemplo, as asas das borboletas eram consideradas símbolos de Eros, o Deus do Amor. Enquanto os pássaros  já nascem com asas, as asas de Eros somente nascem após uma metamorfose. “Metamorfose” não é a mesma coisa que “transformação”. A raiz de ambas é o termo “morphé”, que significa “forma” em grego. Toda  transformação acontece quando um ser vai mudando, porém permanecendo dentro dos limites de uma mesma forma, como a criança que se torna  jovem, depois adulto, mas  dentro  dos limites da mesma forma : a forma humana. Já a metamorfose é uma mudança  radical de forma, como a borboleta que se metamorfoseia da lagarta.
Porém, pouco se fala da lagarta nesse processo. Muitos a tratam como uma roupa velha e carcomida ,  abandonada pela borboleta que voa , colorida. Considero isso uma  injustiça contra essa artista. Sim, pois a lagarta é uma artista , uma artista que trabalha em silêncio, longe dos holofotes e das vistas, como Espinosa cuidadosamente polindo as lentes que fabricava , até poderem ser lunetas  mirando  as  estrelas infinitas  .  
De tudo o que ingere da natureza, a lagarta depura e destila um fio de seda. Com esse fio, sem que ninguém  veja , ela vai bordando dentro de si uma arte, uma fantasia, como o manto multicolorido que cerzia Bispo do Rosário, mesmo em meio à dor e ao sofrimento. O fio é ,para a lagarta, o mesmo que a palavra é para  o poeta, ou o que a ideia é  para o  pensador libertário : linha de fuga e liberdade.  Até que chega o dia em que a arte fica  pronta, a lagarta não pode mais esconder de ninguém a artista que é por dentro . Confiante , ela parteja a si mesma , vestindo-se  com a arte que criou, agora também sua pele verdadeira  . Já não há mais contradição consigo mesma : agora,  ela é por fora como já era por dentro, todo mundo agora vê a borboleta. E com as asas que bordou com o fio de seda, ensina a reinventar-se, para que assim , quem sabe, a gente também seja.

“Poesia é voar fora da asa.” (Manoel de Barros)

“Penso renovar os homens usando borboletas.” (Manoel de Barros)

(imagem: Arthur Bispo do Rosário e suas asas)




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