É
equivocado atribuir a Espinosa um mero intelectualismo ou racionalismo férreo.
Igualmente não é correto afirmar que existe apenas duas formas de amor nele: o
da imaginação, sempre passivo, e o do
intelecto, como se este último fosse o único e confiável amor ativo. Muitos
comentadores não se atentam à sutileza de um pensamento como o de Espinosa.
Na
Quinta Parte da Ética, Espinosa nos
fala do amor intelectual a Deus.
Somente quando aprende a amar é que o intelecto alcança o que Espinosa chama de
Deus, o Absolutamente Infinito.
Esse
amor não é sensível. Porém, é difícil ao intelecto aprender esse amor do
qual apenas ele é capaz, pois é necessário que ele apreenda em si uma potência
que vai além do mero raciocinar; é preciso que ele se faça, inteiro e não apenas
em parte, intuição. Intuir é um contato imediato, sem mediação ou distância,
com uma realidade. O amor intelectual a Deus leva o intelecto a apreender uma
realidade que não é carcomida pelo tempo.
No
entanto, esse amor intelectual não é o máximo que o amor pode , ele ainda é um grau
do amor, não todo o amor. Segundo Espinosa, o valor desse amor intelectual está
em nos fazer conhecer outro amor: o amor para Deus ou o amor voltado para Deus. O
amor intelectual atinge o conhecimento
das essências enquanto objeto eterno do intelecto. Mas o amor para Deus é um
amor voltado para aquilo que os olhos do corpo também veem.
Não
é um amor apenas pelas essências, é um amor pelas existências também. De quais
existências? Não desta ou daquela existência em particular, mas de todas as
existências. Esse amor parte da imagem que o corpo apreende e sente, ele é
duração. Contudo, o antecede o amor intelectual que apreende as essências
eternas. Então, como se fosse o instante de um clarão que ilumina tudo, porém
muito rápido ( e logo a escuridão retorna) , percebemos que não existem dois
amores, existe um só, infinitamente múltiplo, porém.Enfim, sentimos de alguma forma que também dura a eternidade: "poeta é quem diz eu-te-amo a todas as coisas"(Manoel de Barros).
Imaginemos
uma criança que nasce. A mãe a ama não apenas com a alma, ela a ama também com
o corpo, seu corpo alimentou aquele corpo que agora nasceu dela. O amor também
é a placenta, o leite e o colo. Contudo, a criança não se sabe amada de forma
tão clara como a mãe o sente. O amor da criança pela mãe demora a brotar,
pois a própria criança ainda não tem a noção de si. Mesmo se a criança nascer com algum problema congênito que a fará crescer sem consciência, mesmo assim a
mãe ainda a amará, se mãe de fato o for.
A
criança foi gerada nesse amor, no amor. No entanto , o amor dela pelo genitor demora a aparecer, ele
precisa de certo desenvolvimento da criança, desenvolvimento de seu corpo e de
sua alma. O amor que nascerá dela será
um amor segundo que descobrirá um amor primeiro, o que o gerou.
Acontece
algo semelhante no amor intelectual de Deus. Ele não é o amor que gerou o
intelecto e tudo o que existe, ele é o intelecto se compreendendo como fruto
daquele amor que o gerou primeiro, que é o Deus mesmo. Esse amor primeiro não o
gerou e se separou, continua nele, pois o intelecto é um modo ou maneira de
existir desse amor. Quando o gerado descobre o amor do gerador, é como uma novidade que ele o descobre, como se esse amor tivesse nascido no tempo. No entanto, o amor do gerador e sua descoberta são um só amor: embora infinito, é sempre em uma singularidade que ele é experimentado como se fosse uma novidade.
O amor voltado para
Deus compreende a inseparabilidade entre Deus e amor. O amor voltado para Deus
é o amor do gerado voltando-se para o genitor, como um ímã finito que, após saber-se ímã, o ímã que sempre fora, é atraído
para o Ímã Infinito que é sempre potência de atrair, nunca de afastar.
Tal
amor não é como o Eros grego, tampouco é um sentimento romântico. Talvez os poetas latinos tenham sido os que melhor lhe inventaram um nome: "a-mor", que significa “não-morte”.
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