(trecho do capítulo que escrevi para este livro)
Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.
Manoel de Barros
No livro Arranjos para assobio,
Manoel de Barros define a si mesmo, e aos poetas feito ele, como um "sabiá com
trevas". Um "sabiá de terreiro", diz ele, que aprendeu a ciscar a
terra. Ele canta, ele voa, mas também sabe, com perseverança espinosista,
ciscar a terra. Isso faz do poeta um artesão, um experimentador, um metafísico - sem deixar de ser poeta.
O poeta é um sabiá com trevas. Ele
não maldiz as trevas, tampouco as demoniza. Pelo canto o poeta inventa um mundo, um cosmos, porém a treva
ainda lhe acompanha, como ao recém nascido a placenta. O poeta é um caosmos :
síntese de caos e cosmos, uma absurdidez . Sua lucidez é olho divinatório umbilicado a um inconsciente cósmico.
Somente sendo sabiá com trevas o poeta
“vê semente germinar e engole céu”, pois “Ninguém é pai de um poema sem
morrer”. Sendo o pai, ele morre, para devir
filho do poema que o inventa outro, “Ninguém”.
Sabiá com trevas, o poeta traz o seu caos, as trevas, feito uma
morte que seu canto venceu. Por isso,essa treva não é como a de um
túmulo ou caverna, mais parece a treva de um útero , seja o de uma fêmea ou o
de um monturo, pois começa na treva todo germinar: de gente, de planta, de
bicho, de poema. O poeta é a aurora da noite que ele também é.
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