domingo, 20 de maio de 2018

manoel de barros: um sabiá com trevas


(trecho do capítulo que escrevi para este livro)

Perdoai. Mas eu
preciso ser Outros.

      Manoel de Barros    
       

No livro Arranjos para assobio, Manoel de Barros define a si mesmo, e aos poetas feito ele, como um "sabiá com trevas". Um "sabiá de terreiro", diz ele, que aprendeu a ciscar a terra. Ele canta, ele voa, mas também sabe, com perseverança espinosista, ciscar a terra. Isso faz do poeta um artesão, um experimentador,  um metafísico - sem deixar de ser poeta.   
O poeta é um sabiá com trevas. Ele não maldiz as trevas, tampouco as demoniza. Pelo canto o poeta  inventa um mundo, um cosmos, porém a treva ainda lhe acompanha, como ao recém nascido a placenta. O poeta é um caosmos : síntese de caos e cosmos, uma absurdidez . Sua lucidez  é olho divinatório umbilicado  a um inconsciente cósmico.
Somente sendo sabiá com trevas  o poeta  “vê semente germinar e engole céu”, pois “Ninguém é pai de um poema sem morrer”. Sendo o pai, ele morre, para devir  filho do poema que o inventa outro, “Ninguém”.
Sabiá com trevas, o poeta  traz o seu caos, as trevas,  feito uma  morte que seu canto venceu. Por isso,essa treva não é como a de um túmulo ou caverna, mais parece a treva de um útero , seja o de uma fêmea ou o de um monturo, pois começa na treva todo germinar: de gente, de planta, de bicho, de poema. O poeta é a aurora da noite que ele também é.


            

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