Quem anda no trilho é trem de
ferro.
Sou água que corre entre pedras -
liberdade caça jeito.
Manoel de Barros
Virou lugar
comum falar em “amores líquidos”, “amizades líquidas” e até mesmo em “ensino líquido”...
Nostálgicos de "valores sólidos", alguns atacam a
"volubilidade" desses nossos dias, e bradam por uma ordem rígida a
qualquer custo.
Porém, esse
“líquido volúvel” nada tem a ver com a água manoelina enquanto fluxo
da "liberdade caçando jeito" . Tal fluxo é fluido, mas não é sem força
ou volúvel; ele é firme, possui consistência, porém não é rígido; ele é nômade,
andarilho, mas sabe aonde ir, “horizontando-se”. Nem todo líquido é fluxo. Os
líquidos se amoldam à forma de seus recipientes, e assim são “capturados”;os
fluxos ou inventam seus caminhos ou secam e morrem.
Em “O guardador
de águas”, Manoel diz que “guarda águas”. Guardar também é cuidar. O poeta
cuida de fluxos. Fluxos dentro e fora dele. Cuidar dos fluxos é o oposto de
construir represas, muros, gramáticas, ordens rígidas. Não se pode "passar
régua" nos fluxos. Só se pode guardar fluxos sendo também um. O rio
amazonas nasceu da geleira, mas da geleira devindo fluxo, correndo, fluindo. Os
fluxos somente podem ser guardados em espaços abertos,
"horizontados"; seja esse espaço horizontado o pantanal, a mente , o
coração ou a pólis democrática.
O sólido talvez
nada mais seja do que um fluxo que enrijeceu até virar uma identidade que não
aceita a diferença; o líquido talvez seja um fluxo que perdeu sua consistência,
e vai tanto para lá como para cá, como as águas do mar sob a ação do vento.
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