quarta-feira, 2 de agosto de 2017

o experimento

“Philo” não significa apenas amizade, também significa "amor". Platão se vale dessa última significação  presente em “philo-sofia”  para distinguir de forma mais forte a diferença entre o sofista e o filósofo. 
Quando se pensa  philo apenas como “amizade”, fica-se somente  no plano do discurso . De fato,  entre os amigos há troca de palavras, "conversações". Os sofistas se valem desse aspecto prosaico de philo  para imitarem a aparência de  filósofos, porém o sendo apenas em retórica, em palavras.  As conversações alimentam rivalidades, disputas. Mas philo como amor não permite essa confusão, pois quem ama não faz apenas  conversações. Quem ama  vive comunhões, "conversões". Quem ama, inclusive, ama muitas vezes em silêncio , e demonstra que tem em si esse afeto mais agindo do que falando.
Não raro, é o amado que diz quem de fato o ama.Assim, o amado pelo filósofo autêntico devolve ao filósofo a potência de amar ainda mais.Como o filósofo ama o infinito, é o infinito o que é devolvido ao filósofo, e este o recebe fazendo parte dele, singularmente. Quem assim ama, exerce um desapego visível , desapego esse do qual o sofista não é capaz, pois de apegos a honras, fama e dinheiro vive o sofista.Mas do infinito não há apego ou  posse, dele não pode haver inveja ou ciúme, tampouco rivalidade para ser dele o dono.
Espinosa , por sua vez,  evoca a experiência  para definir o filósofo. Porém,  o filósofo não é um empirista apenas. Tampouco o filósofo faz da experiência o meio  para testar hipóteses, como faz o cientista . 
A experiência ensina ao filósofo lições que os livros não  podem ensinar. E o que a experiência ensina? Ela ensina o experimento.  A experiência é repetição, a repetição pode ensinar .A experiência devém mestre não por nos dar lições em palavras, e sim  porque é nela, e não em meras palavras, que devimos experimento para nós mesmos. É na experiência com a vaguez do mundo que pode haver o experimento de que conquistamos ou não alguma consistência, isto é, fortitudo.  
A arte nunca elimina o acaso: é a partir do acaso que a arte engendra as autênticas necessidades, dando ao necessário o seu devir, como devir-necessário do acaso.   Não apenas experimento o mundo, sou experimento para mim mesmo na experiência com o mundo. A experiência não confirma conhecimentos a priori, ela efetiva a construção de uma arte, engenho.

É na experiência que experimento a mim mesmo se sou o que penso de mim mesmo, se sou o que digo de mim mesmo. 
A experiência é repetição: é nela que me afirmo diferença que persevera , adequada a si mesma. 
Da madeira e do cinzel qualquer um pode ter experiência. Mas é no produzir da obra que alguém pode ter de si o experimento de escultor.




Luc-Olivier Merson, Allégorie de la vérité, Museu d'Orsay

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