Segundo o mito, no início havia Gaia, a Terra, e Uranos, o Céu ( ou Eternidade). O
Céu nasceu da Terra, de seu ventre. O ventre de Gaia era a parte dela mais
próxima do Caos, do qual ela mesma se originou. Todo ventre está perto dessa
Imanência. Nascer é distinguir-se do Caos-Imanência, mas sem negá-lo, sem
demonizá-lo. E tudo o que é verdadeiramente vivo mantém canais que desembocam
lá, nesse Ventre dos ventres, nessa Geração que gerou tudo o que pode gerar.
Cronos, o Tempo, foi a primeira divindade que quis afirmar-se, matando.
Porém, como as divindades não morrem, o Tempo destronou a Eternidade, pondo o
Céu-Eternidade para longe, para muito longe. Tão longe ficou o Céu , que se esqueceram
dele.
Mas Cronos não parou de matar, ele continuou matando, fazendo disso o seu
modo de afirmar-se, negando. Ele passa então a devorar cada filho dele que
nascia, temendo que fizessem com ele o que ele fizera com a Eternidade.
Cronos devora a todos os seus filhos que nasciam, antes que
estes abrissem os olhos. Menos um deles: Zeus. Este o vence da forma como se
pode vencer o tempo: criando memória daquilo que não pode ser esquecido.
Para
tal, Zeus criou as Musas , para dessas fazer nascer poetas. Algo do Céu retorna e revive no
canto dos poetas, pois estes têm o dom de “celestar as coisas do chão” (Manoel
de Barros).
O tempo do poeta não é Cronos, que destrói e mata ; o tempo do poeta é
kairós, tempo da ação que inova, criando sentido para o que nasce. Em latim, “kairós”
será traduzido por “oportunus”, de onde nascerá “oportunidade”. “Oportuno” era
o nome que recebia o vento que (re)conduzia o navio ao porto. Oportunus era o vento que reconduzia ao começo, à “origem que renova”
(Manoel de Barros).
Goya, Cronos devorando seus filhos - Museu do Prado |
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