O primeiro dos místicos, de todos
o maior, foi Orfeu, o poeta. Orfeu tocava a lira, instrumento inventado por Hermes, do qual se apropriou Apolo , divindade da Luz , do Conhecimento e da Forma. Orfeu tocava a lira, porém também cantava. O
canto é libertação do Pneuma, Sopro Vital. Em latim, "Pneuma" será
traduzido por "Spiritus".
Os gregos de então achavam que o
Pneuma apenas se libertava na ocasião da
morte, quando se separava do corpo. Mas Orfeu libertava o Pneuma , o Sopro
da Vida, por intermédio do canto,
cantando a vida. Ao libertar a vida que estava nele, era a toda vida que Orfeu libertava, comemorando a Vida.
Eram os dedos de Orfeu que
tocavam a lira apolínea, porém às cordas vocais, lira íntima, quem as tocava
era o próprio Spiritus, como Afeto que se imortalizava no som, na voz.
O instrumento musical de Dioniso
era a flauta, instrumento de Sopro. A Luz de Dioniso é a luz noturna, luz da
lua. O Conhecimento que advém de Dioniso é embriaguez com a Vida, mais do que
com o vinho. E o que se vive assim não é Forma, mas Processo, Expressão, Transbordamento.
Não um transbordamento como o da água que
se esvai do copo, e sim transbordamento feito o da Fonte que sai de
si,porém a si permanecendo ligada.
Assim, Orfeu toca com as mãos o instrumento de Apolo , lira externa, ao mesmo
tempo que dedilha com o Sopro Dionisíaco a lira íntima das cordas vocais, para
libertar, produzindo, o seu cantar.
Quando os homens ouviam Apolo
tocando sua lira, era o Ceu que tais
sons faziam ver. Mas quando ouvem Orfeu tocando e cantando, era a Terra que era
celestada, divinizando o simples viver.
Originalmente,
"místico" envolve a ideia de "unidade", o místico é aquele
que busca viver uma unidade. O nome da esposa de Orfeu era
"Eurídice". No entanto, "Eurídice" também era, àquela
época, um dos nomes da alma, assim como Pneuma e Psiquê. Simbolicamente, era
com Eurídice, a Alma, que o poeta vivia
uma unidade amorosa, poética, vital. É dessa experiência de unidade que nascia
seu canto. Por isso, seu canto não era como o de Homero, canto épico e
masculino, que cantava a história de guerras e conquistas do povo grego. O
canto de Orfeu também não era como o de Simonides e Safos, canto lírico e
feminino, que canta os mundos internos do eu. O canto de Orfeu, Canto Órfico,
canta a unidade dos dois, do coletivo e do íntimo, do múltiplo e do um, do
poder e do amor, inserindo-os no Cosmos Infinito que transmuta aquele poder,
que amplia aquele amor. Um lirismo cósmico unido a um povo múltiplo no íntimo.
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