Em grego, "eros" significa tanto “amor” quanto “asas”. Na mitologia, Eros é um Daimon, uma dividade que não mora no Monte Olímpico, tampouco vive ele em lagos, florestas, cavernas ou debaixo da terra. Eros vive entre o ceu e a terra, ele habita um espaço de travessias, passagens. Por isso, a necessidade de asas. Porém, as asas de Eros são asas de borboleta, não são como as que têm os pássaros. Enquanto as asas dos pássaros
são feitas de penas, e com elas os pássaros já nascem , como se lhes fossem
inatas, as asas da borboleta nascem como expressão de um processo de
metamorfose.As asas inatas dispensam um aprendizado, pois o “instinto” as
programou. Contudo, as asas de borboleta apenas nascem após um processo que
parece uma morte, mas é renascimento ( tal como parece que está morta a
lagarta em seu casulo).
Para os gregos, Eros é “uma força que une”: onde há
separação, onde há dois, Eros faz nascer um.Antes de tudo, Eros deve nos unir a
nós mesmos, uma vez que o mundo muitas vezes nos faz existir separados de
nós mesmos, cindidos, em desacordo com a gente mesmo. E é por isso que, querendo dizer sim, muitas vezes dizemos não; ou
querendo dizer não ,dizemos sim; querendo nos aproximar, nos afastamos;
querendo nos afastar, ficamos perto, mesmo daquilo que nos afasta de nós
mesmos. Enfim, querendo
amar, odiamos.Se não estamos unidos a nós mesmos, em acordo com a gente mesmo,
jamais nos uniremos de fato aos outros.Ao contrário, amaremos ao outro com a
esperança que ele nos ame, e quem sabe assim possamos, mediante o outro, nos
unirmos a nós mesmos. Mas esse amor jamais dá certo, pois ele equivale a querer
não exatamente se unir ao outro, mas subordiná-lo a nós. Logo esse amor
possessivo vira ódio, rancor, queixa.
Para Espinosa,
amar a si mesmo é unir-se a si mesmo, esforçando-se para evitar fazer de si
mesmo espectador ou público de si mesmo, seja nas coisas boas seja nas ruins
que nos acontecem, uma vez que esse proceder imaginativo sempre cria cisão. Por
essa razão, a autêntica união a si nunca é apenas união a si mesmo, e é por
isso que amar a si nada tem a ver com amar apenas ao próprio ego.Como Narciso,
o ego está sempre em relação consigo por intermédio de reflexos, aparências,
idealizações, e não em um verdadeiro encontro. Quando verdadeiramente nos
unimos a nós mesmos, vemo-nos como parte de um todo.Assim, não vemos apenas a
nós, egoicamente, pois vemos também ao outro como parte diferente do mesmo
todo.
É por isso que
Deus, ou a Natureza, é , para Espinosa, Amor: ele é o que une. O
Amor nos une a nós mesmos nos unindo a ele, e unidos a ele nos
unimos ao diverso que está unido a ele, diversamente.Através do Amor,
aprendemos a amar o diverso de nós enquanto amamos a nós mesmos.
Espinosa chama a
esse conhecimento do todo de Ciência
Intuitiva, ou Terceiro Gênero de Conhecimento.Não conhecemos o todo conhecendo
cada parte dele, uma a uma, indutivamente. Tampouco podemos conhecer o todo sem
conhecer suas partes singulares, naquilo que elas têm de únicas. O azul que está
nos infinitos graus de azul não pode ser separado dessas infinitas maneiras que
o expressam. Cada uma dessas singulares maneiras entra em relação com todas as
outras, por intermédio do todo que ela expressa. Cada grau de azul é percebido
e visto com nossos olhos finitos, ao mesmo tempo
que o azul enquanto todo é intuído pelos olhos do nosso espírito como aquilo que antecede em potência azular cada
grau seu de azul.
“Intuir” significa: “apreender no interior o
que está no interior”. Intuir é apreender imanentemente a imanência. Intuir
nunca é colocar-se fora, tornar-se sujeito, e fazer do intuído um objeto
exterior. Todos os graus de azul têm algo em comum: eles são expressões do
azul. Conhecer o comum é prática do Segundo Gênero de Conhecimento. Este
segundo gênero quem o faz é a razão. O segundo gênero conhece a relação
entre os graus, a partir do que eles têm em comum. Nenhum grau é idêntico a
outro, e é por isso que eles podem ter o azul enquanto o comum que os põem em
relação, agenciados, enquanto diferentes.
Porém, como
conhecer diretamente, nela mesma, a diferença que cada grau é? Como conhecer a singularidade
de cada grau? Nenhum grau existe em si, como um ponto ou ego. Cada grau é a
expressão de algo. Não se pode conhecer um grau separado da realidade da qual
cada grau é um grau, uma expressão, um modo, uma diferença. Não há como
conhecer o grau singular sem conhecê-lo como expressão do infinito azul que
infinitamente se expressa em outros graus. Esse infinito azul não está fora do
grau singular que o expressa: ele lhe está imanente, como Corpo do seu corpo,
como Espírito do seu espírito, como Vida da sua vida. Intuir não é apreender o
grau e depois o todo. Intuir é apreender na imanência do grau o todo , com seus
infinitos graus. Para Espinosa, essa apreensão se assemelha a um clarão, como o
de um relâmpago que percorre o infinito com velocidade infinita. Nunca se pode
apreender o todo a não ser como imanência imanente a um grau singular.
O azul não está “dentro”
de cada grau seu. Ser imanente não é ser “interior a”. “Imanente” vem de “imanare”:
“ir para dentro do manancial”. “Manancial” é “fluxo incontível, irrepresável”.O
grau de azul é um ir para o manancial-azul, para ser mais azul
intensamente.O manancial-azul desrepresa o grau de todo limite que o impede de
ser mais azul . Quanto mais um grau vai para dentro do manancial-azul, mais o
grau aumenta sua potência de expressar o azul, diferencialmente. O que pode
limitar um grau de azul é outro grau de azul, quando estes não se compreendem como
graus, mas como o próprio azul. O todo não pode limitar um grau seu, pois isso seria
limitar a si mesmo, o que seria um absurdo.
Um grau de azul
se torna mais potente não enquanto domina ou destrói os outros modos de azul.
Um grau de azul se torna mais potente quanto mais potência ele tem de azular, afirmativamente.
Ele se torna mais potente quanto mais de azul ele consegue expressar.
(Martha Barros, Poético Azul) |
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