quarta-feira, 24 de maio de 2017

anarquismo e micropolítica



Odeio tanto seguir como ser seguido:
para me acompanhar aonde vou
é preciso aprender a amar andar ao lado.

Nietzsche


"Anarquia"= "an-arqué". Um dos sentidos de "arqué" é "comando". A anarquia é um não-comando: "não" como crítica, e não como mera reação à existência de um comando. Sobretudo, a anarquia é uma crítica a um "comando externo" que se coloque acima dos comandados. Assim, criticar o comando é criticar também os mecanismos que nos tornam "comandados": não apenas pelo Estado, mas comandados também pelo mercado, pela mídia, pelo consumo, pelo ódio, enfim, pela tolice. É preciso compreender a ideia de "comando" em um sentido bem amplo, para assim não reduzir anarquia a compreensões estreitas, clicherosas. O poeta  por exemplo, como afirma Manoel de Barros,é aquele que escapa aos comandos homogeneizantes da gramática.
Porém a crítica ao comando externo deve ser  o resultado ou consequência de uma atitude que a precede.Essa atitude não é negativa, ela não é um destruir, mas um construir:"Só podemos destruir sendo criadores", já nos ensinava o "anarquista" Nietzsche.Então, antes da crítica aos comandos externos que, de fora, querem nos impor modelos de como viver, devemos construir uma consistência interna, uma potência, uma saúde imanente. Esse procedimento de consistência exige também uma luta, um esforço, que não se faz sem as ideias e sua força, e a força das ideias nada  tem a ver com a força física ou bélica.O autêntico anarquista comanda a si mesmo não como um general a um exército, não como a bebida ao dependente, não como o pastor a um rebanho; ele se esforça para comandar, em primeiro lugar , a si mesmo, e deve se inspirar no modo como um maestro comanda uma orquestra, como um pintor comanda as tintas, como o poeta comanda as palavras. Pois tal como essas coisas, nós também somos uma multiplicidade.
Por isso, o autêntico anarquismo não é preto,branco ou cinza. Ele é multi e pluri-colorido, e em cada cor ele afirma ainda as nuances e matizes, os tons, as variações.E ainda: para pintar um quadro é preciso ter uma perspectiva.
Segundo Negri interpretando Espinosa, o anarquismo não é sistema político ou proposta de governo,simplesmente porque ele não é sistema , mas rizoma, conexão. O anarquismo não é sistema político, ele é modo de vida, ontologia, estética, poética. Ele é isso porque ele é afirmação da heterogeneidade da existência, e esta heterogeneidade não pode ser representada, dado que ela pode apenas ser vivida, experimentada, produzida.A poesia vive no "antesmente verbal", escreve Manoel de Barros; a anarquia precede a política, tal como o fazer precede o produto.
Por isso, o plano do anarquismo é sempre micropolítico, o que nada tem a ver com a macropolítica dos partidos."Micropolítica" não significa política das coisas pequenas, pois política das coisas pequenas costuma ser a prática da macropolítica."Micropolítica" é a política que não pode ser separada das práticas, sobretudo daquelas práticas que a macropolítica diz não serem práticas políticas, como as práticas de ensino, as práticas artísticas, as práticas de consumo, as práticas de prazer, as práticas culturais, etc.
O anarquismo não é discurso de um partido, ele é expressão de uma parte, de uma parte sempre heterogênea que, em sua diferença, expressa um todo. Assim, o anarquismo não é pulsão de morte contra o todo, ele é a afirmação de um todo que potencialize as partes. E esse todo nunca é um partido ou um Estado, pois estes também são partes. O Estado fascista é aquele que se comporta como um todo à parte, que vive à custa da sociedade.
É na micropolítica que se luta contra os fascismos e suas várias manifestações, principalmente os micros fascismos cotidianos que infestam as práticas mais rotineiras.Mas se luta com alegria, e não com ódio. Sobretudo, nunca, jamais um anarquista pode ensejar comportamentos que alimentem  a menor confusão entre suas práticas e a de um fascista.





Nenhum comentário: