quarta-feira, 19 de setembro de 2018

os pássaros


Sei falar a linguagem dos pássaros: é só cantar.
(Manoel de Barros)

Nietzsche dizia que o filósofo é semelhante ao galo que , no meio  da  noite cerrada, canta a manhã nova que vem. Enquanto muitos  dormem e, de olhos fechados,  apenas sonham um novo dia  , o filósofo abre os olhos no meio da noite e, sem desesperar de sua solidão, canta com estranha alegria o novo dia antes mesmo que haja dele algum sinal ou clarão.
Hegel achava que o filósofo é como a coruja que vê no escuro. Pois quando se extinguem as  certezas do dia claro e tudo escurece  deixando  todos cegos , é nesse momento que a coruja desperta e se faz guia na escuridão do ocaso.
 Deleuze e Cláudio Ulpiano comparam  o filósofo  ao tordo. Este passarinho canoro canta singularmente diante de   dois acontecimentos do dia: quando o sol morre e quando o sol nasce.  Ora seu canto é despedida do passado, no fim da tarde,  ora é saudação ao futuro, no raiar da aurora. Seu despedir-se do sol que morre não é um lamento, é um agradecimento por ter existido aquele  dia, não importando o que nele  aconteceu. Seu saudar o sol que nasce não é otimismo ou esperança,  é gratidão por haver novo dia , não importando o que nele aconteça. Mas  o poema que o tordo canta também o põe sob risco: a soturna ave de rapina que o preda também fica à escuta. Apesar disso, o tordo  não cala:  afirma   sua  liberdade   e canta à vida, como o libertário  diante do  fascista.





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