Quando vejo que vai bater de frente,
piso no freio, desvio. Não por medo de colisões, mas porque dirijo um ônibus
cheio de crianças, idosos, grávidas, jovens sonhadores...enfim, transporto
gente. Nunca cobro passagem. Entra e segue comigo no coletivo somente quem ama
a estrada, sem cobranças : "a estrada põe sentido em mim", diz o
poeta-andarilho. Não tenho itinerários, somente itinerâncias . Minha estrada é
uma linha de fuga. Se for preciso, modestamente freio ou desvio, mas para
seguir em frente, indo.
Muitos, ao contrário, quando veem que
há outro no seu caminho aceleram e buscam o choque , o ódio recíproco. Em geral
são seres que conduzem , solitariamente, seus ressentidos veículos. Também
nunca vou na mesma direção em que vai uma carreta amontoada apenas de coisas,
pois tais carretas vão para o mercado onde tudo tem seu preço sob a lógica do
compra-e-vende.
E que sigam seu caminho os que
ostentam velozes e caras mercedes de ouro , embora dirijam sozinhos ( até mesmo
diminuo minha velocidade para deixar que eles me ultrapassem, embora não
estejamos indo para o mesmo destino).
Tenho um único desejo: que nunca me
falte a visão, a firmeza, a modéstia e a paciência de saber quando é a hora de
pisar no freio, para não destruir ou ser destruído, e de quando é a hora de
acelerar, sempre seguindo em frente ao aberto horizonte.
Transporto sonhos, delírios,
manifestos, utopias, comédias, tragédias, fabulações, metafísicas, subversões,
poesias, constituições, contemplações...Transporto um "afloramento de
falas" , pois transporto o que me transporta: transporto livros. Assim me
parece ser um educador : um condutor de coletivo, e não de carro particular.
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