terça-feira, 18 de setembro de 2018

a santa vitória


Certa vez em um filme um pintor explicava que podemos ver um mesmo quadro de duas perspectivas diferentes. Olhando  de   certa distância vemos a paisagem , se chegarmos bem perto, porém,vemos as tintas. É a mesma realidade que ora é vista enquanto ideia-paisagem, ora como matéria-tinta. Assim é, para Espinosa, o corpo e a alma: duas perspectivas distintas sobre uma mesma realidade viva. A tinta é a paisagem  vista de uma perspectiva diferente; a paisagem é a tinta vista de uma perspectiva diferente. A tinta é uma realidade extensiva de fato, a paisagem é uma realidade intensiva de direito.
Mas as tintas e paisagem que somos, quem nos vê, a quem nos expomos? A ciência nos vê tinta, coisa extensa, matéria dada. A arte e a filosofia nos veem  paisagem inventada unida às tintas como parte de uma obra maior de um único artista, que de tintas infinitas produz uma paisagem também infinita que se autovê. A obra não existe para ser bela ou feia, trágica ou sublime; a obra existe para ser.
Nunca  veremos tal obra absoluta ,da qual somos partes, olhando-a de fora como um observador à parte do mundo. Só vemos a obra sendo-a, como corpo e alma, pensando e agindo. Não existe um artista exterior à obra, muito menos espectador contemplativo de uma obra imóvel, estática, pronta. Obra e artista são o mesmo, embora diferentes - como  são diferentes a paisagem e as tintas. Enquanto paisagem, somos também  as tintas. Enquanto tintas, somos também a paisagem .

Cezanne, A Montanha da Santa Vitória


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