Sonhar é acordar-se para dentro.
Mário Quintana
O homem seria metafisicamente grande,
se a criança fosse seu mestre
.
Kierkegaard
O homem seria metafisicamente grande,
se a criança fosse seu mestre
.
Kierkegaard
Há muito tempo que isso aconteceu.A sala de operação, muito branca, me encerrava nela. Muito nervoso, eu esperava pelo médico. Tratava-se de uma operação de coração, e eu era o paciente.Não sei como fui parar ali, por quais caminhos andei ou fui levado. Sabia apenas que haveria uma operação e eu era o paciente.
De repente, entra o médico. Ao vê-lo, meu medo desaparece, pois o médico que me operaria era nada mais nada menos que o poeta Fernando Pessoa! Em princípio, achei estranho ; depois me pareceu ser verdadeiro um poeta ser o cirurgião dos corações que precisam curar-se. Diante do poeta nasceu em mim a confiança de que ele era o ser certo para agir em mim. Com o jaleco branco, mas de chapéu, o cirurgião-poeta me olhava com um olhar atrás do qual viviam incontáveis almas, e todas estavam ali para me acudir.
Após abrir meu peito e retirar meu coração, o poeta-médico me disse que aquela parte de mim estava consideravelmente pesada. O poeta segurava meu coração com as duas mãos, como se fosse um pedregulho. Ele prosseguiu dizendo que era preciso extrair do meu coração o excesso de peso. Assenti com o poeta, demonstrando minha concordância e confiança no poder da poesia para curar um coração que sofre.
Então, o poeta-médico foi extraindo do meu coração coisas que não eram físicas, embora pesassem. Primeiro, ele retirou o cadáver de palavras que outrora foram vivas, mas que hoje evocavam fantasmas apenas; depois extraiu a dor que eu pensava já não mais sentir , mas que em mim doía ainda , feito um parasita que se alimentava de mim às escondidas; encontrou ocultas dentro do meu coração , ainda intactas, as fotos que minha mão rasgou ; por fim, jogou fora do meu coração decepções, ingratidões... e o que mais o adoecia: saudade.
Depois de extrair tudo isso que me pesava o coração, o poeta se preparava então para recolocá-lo novamente no meu peito. Quando olhei para o meu coração na mão do poeta, fiquei surpreso. Pois meu coração estava tão pequeno que eu pensava que , daquele tamanho, ele não seria forte suficiente para me fazer de novo vivo.
Porém, recolocando o coração no vazio do peito, o poeta por fim me disse: “ele está assim pequeno porque do seu velho coração extraí tudo o que já estava morto, deixei apenas o coração de criança, inocente”.
Uma clínica fez-se, despertei.Vivi um poema por dentro: eu como parte dele, ele como parte de mim. Arte e vida as experimentei como sendo o mesmo.Quis pôr-me de pé para viver a boa nova que aprendi.
Uma clínica fez-se, despertei.Vivi um poema por dentro: eu como parte dele, ele como parte de mim. Arte e vida as experimentei como sendo o mesmo.Quis pôr-me de pé para viver a boa nova que aprendi.
Fui virar-me para pegar papel e caneta e registrar o acontecimento que vivi. Porém, senti algo sobre mim: ainda estava aberto sobre meu peito o livro O Eu Profundo e os outros Eus, de Fernando Pessoa, o próprio. Eu adormeci o lendo, ele me leu enquanto dormi.Ainda estava escuro para ver no relógio as horas, olhei para fora, através da janela: furava a noite a aurora.
2 comentários:
Muito inspirador, amei.
Obrigado, Myriam. Abraços.
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