É por volta dos seis anos que a criança começa a levantar
questões: “o que é vida?”, “o que é o tempo?”, “de onde vim?” , “para onde
vou?”... Primeiro foi o seu pequeno corpo que, quando ainda bebê e com o auxílio
da mãe, aprendeu a pôr-se de pé vencendo a gravidade , levantando-se do chão. Agora, é o pensar dela
que começa a se levantar e a pôr-se de
pé, querendo a compreensão de si e do mundo. É de pé que se podem ver horizontes, tanto os externos quanto os
internos : o pôr-se de pé já é um “horizontar-se” , ensina o poeta Manoel de Barros. Esse impulso
para levantar-se é a força da vida se expressando na criança; e a educação nada
é se não for um meio para manter esse impulso ainda mais vivo e potente, pois é
na singularidade da criança que também se ergue a humanidade, por mais que
tiranos a queiram de joelhos. A criança levanta questões para levantar-se. E
mais importante do que as respostas que possamos dar, mais importante é manter
vivo esse impulso de questionar , para que a criança, crescendo por fora e por
dentro, possa se levantar mais alto do que a gente mesmo que a ajuda a
levantar-se : para que o futuro que há nelas também nos erga. Quando levanta questões, a criança
não quer que a gente a coloque nos nossos ombros para torná-la dependente das
nossas pernas adultas cheias de certezas; ela quer se levantar com as
própria pernas, mesmo que seja para depois sair correndo brincativamente
numa linha de fuga lúdica. E se nossas
pernas quiserem alcançar aonde vão as crianças, é preciso criar em nós também
um devir-criança. Pois a própria criança
nos ensina que pensar não é reproduzir ou obedecer, pensar é erguer,
erguendo-se. E o tamanho conquistado será da amplitude das questões levantadas.
Para Fernando Pessoa, o que nos põe de pé não são pés e pernas, o
que nos põe de pé é a coluna cervical ,
cujo formato lembra exatamente um ponto de interrogação [? ]. Os pensamentos e quereres nascem na cabeça,
porém não chegariam às mãos e pernas, transformando-se em ação sobre o
mundo, se não fosse pela coluna
cervical que transforma pensamentos e
quereres em impulso que move o corpo. A coluna cervical une a teoria à prática,
o sonho à realidade, a utopia à efetividade, o que apenas pensamos
internamente ao que precisa ser
feito externamente e no mundo.
Certa vez perguntaram ao poeta Sérgio
Sampaio o que ele achava do envelhecer e do passar dos anos. O poeta respondeu
mais ou menos o seguinte: “Cada ano que passa é um garoto novo que o tempo
junta aos outros garotos que ele em mim já criou. Hoje tenho 40 anos : são 40
garotos que sou. Cada um deles me recriou”.
( imagem: “Poesia” / Haroldo de
Campos)
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