Certa vez pediram ao poeta Manoel de
Barros uma definição do que é a poesia. O poeta assim respondeu: “Poesia pode
ser que seja fazer outro mundo”. Nessa resposta, a palavra mais importante é o
verbo “fazer”. Inclusive, a palavra “poesia” vem de um verbo grego cujo sentido é exatamente “fazer, produzir”. Quando
se substantiva a poesia apenas como rima
e verso , perde-se a compreensão de que ela é também um verbo, uma ação, que
pode produzir muitas outras coisas além de rimas e versos. A poesia produz
também percepções, pensares e sentidos outros que subvertem o “mesmal” do “mundo acostumado” . Manoel diz que o
poeta produz versos porque , antes de escrever, “o poeta se empoema”. Empoemar-se é um sentir que
pensa, tornando-se potência criativa que
nasce de uma intensificação da vida. A vida nos empoema quando ela mesma
escreve sua poesia em nós. A vida produz poesia fazendo nascer na mente e no
corpo ideias e sensações que aumentam a
vida em nós. Pois a vida é a primeira
dos poetas, cujos poemas nós mesmos somos. Quem se empoema, desegoifica-se
e se desabre: não cabe mais
dentro de si. Alguns se empoemam e dançam, outros se empoemam e pintam, outros
se empoemam e cantam, outros se empoemam e ensinam, outros se empoemam e aprendem, outros se empoemam e se tornam generosos,
corajosos, insubmissos, libertários ,
enfim, intensificam o que neles é vivo ; e com o máximo de força que podem , se esforçam
para fazer outro mundo começando pelo lugar onde se está, mesmo que seja um
lugar modesto, micropolítico: sala de aula, fábrica, rua, praça, residência,
favela, vizinhança, janela, mundo virtual... E primeiro que tudo, deve-se começar
por fazer outro mundo dentro de si mesmo, na maneira de pensar e sentir,
fazendo-se de novo página branca, sem roteiros prévios , para que nela a vida reescreva
novos sentidos por descobrir , sentidos que nos auxiliem a resistir à antipoesia dos
homens cultuadores do ódio, da destruição e da morte. É por isso que o
importante naquela definição de poesia também
é o “pode ser que seja”, pois
poesia não é palavra de ordem , fórmula ou receita; poesia
é ideia pensante para ser sentida
e reinventada, reinventando-nos , como potencialização da liberdade
agenciada.
“Mais importante do que o pensamento
é o que ‘dá a pensar’; mais importante do que o filósofo é o poeta”. (Deleuze)
Não são apenas os órgãos da sensibilidade que são capazes de sentir, pois o pensamento também sente; e não é somente o pensamento que é capaz de pensar, os órgãos da sensibilidade também pensam. A separação entre sensibilidade e pensamento não é algo natural, é uma construção histórica .Em Plotino, por exemplo, a filosofia consiste em tocar com pensamento as coisas incorpóreas, e ao mesmo tempo pensar com o tato as realidades corpóreas.
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