No poema "Aventura", o
personagem é um pote que Manoel de Barros encontra jogado fora de "barriga
vazia para cima" em um lugar ermo. Nesse estado de abandono o pote
continha apenas o vazio. Esse pote já
foi o centro das atenções, todos o queriam perto, quando ele ainda estava cheio
de sorvete. Mal ele chegava à mesa, logo o cercavam olhares cheios de interesses,
todos queriam ficar perto dele. E assim
o pote se iludia imaginando que o queriam por aquilo que ele era
e não por aquilo que ele temporariamente tinha. Tamanha deve ser a dor que ele sente agora, abandonado . Rejeitado
pelos homens, apenas a natureza quis o pote. A natureza nunca despreza: ela
recebe e regenera, preenche vazios -
disso também já sabia Espinosa.
“Inútil”, o pote já não servia para
nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo
aquilo que, ao receber os cuidados dela ,
sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em
natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o
poeta.
Tempos depois, o poeta teve que
passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e se preparou para rever aquela
imagem triste do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta
soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma
semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco que a natureza depositou: “as chuvas e os ventos deram à gravidez do
pote forças de parir". E onde antes crescia o vazio, um poema vivo
milagrou: do ventre do pote um pé de rosas desabrochou... “Se a gente
não der o amor ele apodrece dentro de nós”, agradeceu o poeta ao pote por essa
lição que dele recebeu sob a forma de
rosas. Pois repletos estavam agora o
pote e o poeta com a beleza que se
oferta sem nada pedir em troca .
“Quando uma ideia nos fecunda , também sofremos angústia de parto. ” (Plotino)
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