Não se deve confundir “popular” com
“populismo”. A elite e seus partidários costumam dizer, insensíveis à urgência
de quem tem fome: “dar o peixe às classes D e E é populismo. O certo é
ensiná-los a pescar”. Mas o rio comum
onde vive o peixe a elite cercou, pôs seguranças armados e diz que é propriedade dela, mesmo havendo
mais peixes lá do que ela precisa. A elite também se apropriou da vara de pesca
e do anzol, mesmo originalmente não sendo dela, negociando-os a juros de agiota para acumular seu capital.
Mas o popular não é a classe D ou E : tais classificações fazem parte da ideologia de “pedigree” que
reforça a lógica casa-grandista de que ter propriedades e dinheiro, não importando
os meios , faz de alguém um superior, um
“Classe A”. O popular nada tem a ver com esse alfabeto do poder. O
popular é multiplicidade horizontal sem castas, como a “multitudo” democrática
de Espinosa. O popular não é pobreza, mas uma forma de riqueza que não se mede
em dinheiro ou capital. O popular não é o que vende muito, o popular é o que
não se deixa vender ou pescar pelos donos do sistema. O popular é uma nobreza
nascida da potência criativa mestiça , e não de pedigrees elitistas pouco
nobres. A nobreza-popular se aprende na alma
de Cartola, no sax de Pixinguinha, na
voz de Clementina , na viola do
Paulinho, no lápis de Manoel: “Aproveito do povo sintaxes tortas” , ensina o
poeta. “Popular” não é só um substantivo, como “povo”; “popular” também pode
ser um verbo expressando a ação de (re)inventar um povo: “escreve-se em função
de um povo por vir e que ainda não tem linguagem.”(Deleuze).
A primeira vez que ouvi a palavra
“popular” foi há muito tempo, na boca do educador Darcy Ribeiro, que dizia: “ o
popular não é monopólio de um único partido. Somente unidas as forças populares
podem vencer a Casa-grande”. Depois, reencontrei a raiz de “popular” ("pop") na
expressão “pop’filosofia”, de Deleuze. Pop’filosofia também é uma forma de
fazer filosofia agenciada com a poesia, unindo o pensar, o sentir, o criar e o
agir.
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