domingo, 30 de agosto de 2020

micropolítica

 

O filme “Um dia muito especial” , obra-prima de Ettore Scola, mostra a visita que Hitler fez a Mussolini no dia 6 de maio de 1938. O nazista e o fascista articulavam para começar a funesta guerra. A macropolítica ensinada nos livros de história é feita de milênios, séculos , anos. Mas a micropolítica se revela no âmbito dos dias , das horas...É com esse pano de fundo macropolítico que se desenrola um encontro aparentemente incomum entre uma mulher ( Sophia Loren), reprimida por seu marido machista e fascista, e seu vizinho ( Marcello Mastroianni) , um homoafetivo que também era perseguido no trabalho e pela vizinhança por sua condição homoafetiva. Entre eles nasce mais do que uma amizade, nasce a compreensão de que a política também é uma questão de afetos , e que uma das funções do poder é nos entristecer, tolher, culpabilizar. Sob a macropolítica do poder nazifascista, são construídas entre ambos pequenas linhas de fuga micropolíticas como resistência político-afetiva ante as diferentes  faces da cabeça autoritária que os ameaçava e perseguia. A face macropolítica do nazifascismo, identificada aos rostos de Hitler e Mussolini, a história nos mostra seus trágicos contornos. Porém, a face micropolítica é ainda mais triste porque ela se revela nas pessoas aparentemente “normais” e “comuns”, muitas vezes autointituladas “pessoas de bem” , que emprestam seus rostos para que a intolerância e a ignorância tenham uma cara persecutória e capilarmente inserida no campo social cotidiano. Enquanto Hitler e Mussolini desfilavam fardados e armados de mãos dadas pelas ruas , as pessoas do povo comemoravam e iam atrás deles, ignorando  que aquele desfile era um cortejo fúnebre puxado pelos seus carrascos. E o mais preocupante quando assistimos ao filme é constatarmos que aquelas pessoas que comemoravam a aliança daqueles carrascos e os seguiam, nos lembram muito certos vizinhos que temos hoje, ou pessoas que vemos nas filas dos mercados e banco , ou aqueles que idolatram o aprendiz de fascista naquele cercadinho em Brasília para gado aferroado. No filme, a única atmosfera humana acontece quando a mulher e seu amigo homoafetivo se encontram. Curiosamente, seus dramas também nos lembram os nossos, suas questões também soam mais do que contemporâneas , suas angústias parecem as que hoje sofremos...E é na arte que eles encontram um meio para se curarem, respirarem e manterem viva uma perseverante alegria de que aquele terror um dia vai passar.









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