Segundo Manoel de Barros, a poesia é
“delírio ôntico”, ao passo que o “delírio mórbido” é delírio de poder, é
delírio de superioridade, enfim, é delírio de se achar o dono da “Verdade”
(quase sempre evocando Deus como fiador...). “Ôntico” vem de “on”, palavra que
significa “ser” em grego. Já a palavra “delírio” vem de “lira”. O poeta Orfeu
era conhecido como o “tocador de lira”. Com a música nascida de sua lira ,
Orfeu conseguia fazer o bom vencer o mau, a saúde derrotar a doença, a vida
triunfar sobre a morte. “Lira” também era o nome que se dava ao sulco da terra.
Cada sulco é como cada corda da lira: meio para produzir vida. Pois é no sulco
que se lança a semente para que dela germine o fruto. Quando a semente é lançada
fora do sulco , diz-se que “a semente de-lira”, isto é, fica fora do sulco. E
fora do sulco a semente não germina, não dá frutos. É assim todo delírio
mórbido: palavra lançada fora do sulco da realidade, ideia lançada fora do
sulco da mente sã. Mas quando a palavra ou a ideia trazem dentro delas novos
mundos, é necessário criar novos sulcos para elas. Assim é a palavra poética
que renova a linguagem, assim é a ideia libertária que amplia a mente: delírios
ônticos. O delírio mórbido lança a semente fora do sulco, pois dela é seu
túmulo; ao passo que o delírio ôntico cria novos sulcos para neles lançar
sementes para que seus frutos tenham ser e não nos deixem morrer de fome.
Segundo Manoel de Barros, “inventar aumenta o mundo”, pois o inventar
poético-libertário escava no chão novos sulcos, para neles plantar sementes do
futuro.
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