sábado, 8 de agosto de 2020

manoel : aventura

 

No poema "Aventura", o personagem é um pote que Manoel de Barros encontra jogado fora de "barriga vazia para cima" em um lugar ermo. Nesse estado de abandono o pote continha apenas o vazio.  Esse pote já foi o centro das atenções, todos o queriam perto, quando ele ainda estava cheio de sorvete. Mal ele chegava à mesa, logo o cercavam olhares cheios de interesses, todos queriam ficar perto dele. E  assim o pote se iludia imaginando que o queriam por aquilo  que ele era  e não por aquilo que ele temporariamente tinha.  Tamanha deve ser a dor que ele  sente agora, abandonado . Rejeitado pelos  homens,  apenas a natureza  quis o pote. A natureza nunca despreza: ela recebe e regenera, preenche vazios -  disso também  já sabia Espinosa. “Inútil”,  o pote já não servia para nada, a não ser para metamorfoses, pois é isto que a natureza produz em tudo aquilo que, ao receber os cuidados dela ,  sofre um contágio, uma comunhão: "depois desse desmanche em natureza, as latas podem até namorar com as borboletas", pressagiou o poeta.

Tempos depois, o poeta teve que passar pelo mesmo lugar ermo. Lembrou do pote e se preparou para rever aquela imagem triste do sofrimento. Porém, nesse intervalo de tempo , sem que o poeta soubesse, um passarinho passou voando “atoamente” sobre o pote e cuspiu uma semente em seu ventre vazio. Ali já havia areia e cisco  que a natureza depositou:  “as chuvas e os ventos deram à gravidez do pote forças de parir". E onde antes crescia o vazio,  um poema vivo  milagrou:  do  ventre do pote   um pé de rosas desabrochou... “Se a gente não der o amor ele apodrece dentro de nós”, agradeceu o poeta ao pote por essa lição que dele recebeu  sob a forma de rosas. Pois repletos estavam agora   o pote e o poeta  com a beleza que se oferta sem nada pedir em troca .

                                                                                                                                                     

“Quando uma  ideia nos fecunda , também sofremos  angústia de parto.  ” (Plotino)











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