terça-feira, 7 de abril de 2020

o ministro e platão


Em entrevista ontem , o ministro Mandetta citou o “Mito da Caverna”, de Platão. O ministro da saúde disse que “é pela ciência que se sai da caverna da ignorância”. O ministro está certo, porém em parte. Segundo Platão, a “caverna” representa o mundo da opinião ( ou doxa). O mundo da caverna tem grilhões que mantêm as pessoas acorrentadas. Esses grilhões são a “opinião” e a “passionalidade” ( como a ira, a inveja, a cobiça, a ignorância, o ódio, a mesquinhez, etc.). A opinião se alimenta dessas “paixões tristes”, diria Espinosa. Todos os acorrentados estão voltados para o fundo da caverna, vendo apenas as sombras projetadas, que tomam como se fossem a própria realidade que existe fora da caverna. A caverna não é totalmente treva, ela é penumbra: mistura entre a ignorância e a luz do conhecimento que tenta vencer a treva. Não fosse por esse rastro de luz que adentra a caverna, ninguém conseguiria se libertar dela. Então, o primeiro que se liberta vence a si mesmo primeiro, vencendo dentro dele o espírito de rebanho, percebendo que está acorrentado, sendo ele próprio a vítima e o carrasco . Então , ele se vira e segue o rastro de luz até conseguir sair para fora. Mas quando ele chega no limiar entre a caverna e o mundo de fora, a luz também o ilumina por dentro, como se fosse um raio x para um autoconhecimento, mostrando então as “últimas sombras”: aquelas que estão dentro de sua alma, sombras essas que ele mesmo ignorava ( como ensina Jung). Somente sai da caverna quem de fato enfrenta essas sombras e realiza uma medicina da alma. Portanto, essa luz não é só científica, ela é de natureza ética, filosófica. Então, para sair verdadeiramente para fora da caverna, é preciso essa prova ética de autenticidade pondo-se frente a frente a si mesmo, adequando discurso e prática. Pois há aqueles que conseguem chegar apenas ao limiar e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram que estão presos. Estes que não têm autenticidade e ética Platão os chama de “sábios da caverna”, que se aproveitam da servidão e posam de sábios e chefes, quando na verdade são tiranos. Para Platão, a luz científica é capaz de conduzir apenas à boca da caverna. Pois para sair realmente da caverna, é preciso a luz ética . E o mais importante: quem sai, vence a si mesmo primeiro e vê como é o mundo que existe fora da caverna, porém não se contenta em ficar contemplando tal “verdade” apenas para si mesmo. Pois a razão de ser dessa luz que existe fora da caverna é fortalecer quem a conhece e se autoconhece a partir dela, adquirindo assim força existencial e pedagógica para retornar à caverna para ajudar a libertar quem ainda continua preso nela , enfrentando os tiranos do corpo e da alma.





Platão é conhecido canonicamente como o "filósofo das formas", isso é verdade. Mas ele também é um dos primeiros filósofos a darem uma primazia à luz. É a luz que ilumina as formas e as torna visíveis, isto é, conhecíveis ( podendo haver delas "ciência"). Porém a luz não é uma forma, ela é uma irradiação, uma energia difusiva ( isto é, cuja natureza é se difundir , como uma fonte).Essa natureza difusiva da luz ganhará ainda maior destaque em Plotino e nos neoplatônicos, chegando até a Nicolau de Cusa e Giordano Bruno.

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