Em entrevista ontem , o ministro
Mandetta citou o “Mito da Caverna”, de Platão. O ministro da saúde disse que “é
pela ciência que se sai da caverna da ignorância”. O ministro está certo, porém
em parte. Segundo Platão, a “caverna” representa o mundo da opinião ( ou doxa).
O mundo da caverna tem grilhões que mantêm as pessoas acorrentadas. Esses
grilhões são a “opinião” e a “passionalidade” ( como a ira, a inveja, a cobiça,
a ignorância, o ódio, a mesquinhez, etc.). A opinião se alimenta dessas
“paixões tristes”, diria Espinosa. Todos os acorrentados estão voltados para o
fundo da caverna, vendo apenas as sombras projetadas, que tomam como se fossem
a própria realidade que existe fora da caverna. A caverna não é totalmente
treva, ela é penumbra: mistura entre a ignorância e a luz do conhecimento que
tenta vencer a treva. Não fosse por esse rastro de luz que adentra a caverna, ninguém
conseguiria se libertar dela. Então, o primeiro que se liberta vence a si mesmo
primeiro, vencendo dentro dele o espírito de rebanho, percebendo que está
acorrentado, sendo ele próprio a vítima e o carrasco . Então , ele se vira e
segue o rastro de luz até conseguir sair para fora. Mas quando ele chega no
limiar entre a caverna e o mundo de fora, a luz também o ilumina por dentro,
como se fosse um raio x para um autoconhecimento, mostrando então as “últimas
sombras”: aquelas que estão dentro de sua alma, sombras essas que ele mesmo
ignorava ( como ensina Jung). Somente sai da caverna quem de fato enfrenta
essas sombras e realiza uma medicina da alma. Portanto, essa luz não é só
científica, ela é de natureza ética, filosófica. Então, para sair verdadeiramente
para fora da caverna, é preciso essa prova ética de autenticidade pondo-se
frente a frente a si mesmo, adequando discurso e prática. Pois há aqueles que
conseguem chegar apenas ao limiar e retornam, pois entre mudar a si mesmos ou continuar enganando os outros, eles preferem tirar proveito do rebanho e
retornam à caverna para ser os pastores e tiranos dos acorrentados que ignoram
que estão presos. Estes que não têm autenticidade e ética Platão os chama de
“sábios da caverna”, que se aproveitam da servidão e posam de sábios e chefes,
quando na verdade são tiranos. Para Platão, a luz científica é capaz de
conduzir apenas à boca da caverna. Pois para sair realmente da caverna, é
preciso a luz ética . E o mais importante: quem sai, vence a si mesmo primeiro
e vê como é o mundo que existe fora da caverna, porém não se contenta em ficar
contemplando tal “verdade” apenas para si mesmo. Pois a razão de ser dessa luz que
existe fora da caverna é fortalecer quem a conhece e se autoconhece a partir
dela, adquirindo assim força existencial e pedagógica para retornar à caverna
para ajudar a libertar quem ainda continua preso nela , enfrentando os tiranos
do corpo e da alma.
- Platão é conhecido canonicamente como o "filósofo das
formas", isso é verdade. Mas ele também é um dos primeiros filósofos a
darem uma primazia à luz. É a luz que ilumina as formas e as torna visíveis,
isto é, conhecíveis ( podendo haver delas "ciência"). Porém a luz não
é uma forma, ela é uma irradiação, uma energia difusiva ( isto é, cuja natureza
é se difundir , como uma fonte).Essa natureza difusiva da luz ganhará ainda
maior destaque em Plotino e nos neoplatônicos, chegando até a Nicolau de Cusa e
Giordano Bruno.
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