Havia uma aldeia onde um Sultão resolveu vingar-se das mulheres. Seu
ressentimento era devido ao fato de que nenhuma mulher o amava espontaneamente,
apenas à força. Rico e poderoso , ele conseguia ter tudo, menos amor. Valendo-se de seu poder, e querendo se
vingar, o Sultão resolveu obrigar todas as mulheres solteiras da aldeia a se
casarem com ele , uma a uma. Seu plano era, após a lua de mel, tirar a vida de cada uma. Ele juntou as mulheres numa ampla sala de seu
palácio . E antes que ele escolhesse uma para ser sua primeira vítima , tomou a
frente de todas e ofereceu-se uma jovem
chamada Sherazade. Quando o Sultão a
levou para o quarto e ordenou que ela
fosse para a cama, Sherazade pediu: “Posso lhe contar uma história?”. E ouviu
como resposta: “uma história a uma hora dessas!? Conte, mas seja rápida: a
morte te espera...”. Mas quando Sherazade começou a narrar a história, o Sultão
ficou tão absorvido que não reparou o passar do tempo. Quando já estava
amanhecendo, Sherazade disse: “não consegui terminar a narrativa, posso
recomeçar amanhã?”. “Sim, mas de amanhã
você não passa!” , ameaçou o Sultão . Na
noite seguinte, Sherazade prosseguiu com a história e logo a emendou
com outra, com várias outras. O Sultão estava sendo vencido por um poder que ele desconhecia: o poder da palavra
que cria mundos. O Sultão imaginava, ao contrário, que poderosa era a palavra que
censura e ameaça de morte outras
palavras dela diferentes. Mas a
palavra de Sherazade , potente e múltipla, dava
voz e vida às falas coletivas abafadas pelo autoritário Sultão.
Como Ariadne , Sherazade tecia suas histórias mais do que com
palavras: ela as tecia com o fio da vida, para com esse fio bordar linhas de fuga para a vida ameaçada. Era a palavra de
Sherazade que desfazia a escuridão da noite e fazia amanhecer o dia . A
narrativa durou uma, duas, dez, cem... mil e uma noites: “inventar aumenta o
mundo”, já dizia o poeta Manoel de Barros.
Sherazade simboliza a vida que se expressa nas escolas, museus, teatros, cinemas e
livros, nascida que é de uma voz múltipla
e libertária, apesar dos Sultões de ontem e de hoje que ameaçam calá-la.
“Poesia é afloramento de falas.” (Manoel de Barros).
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